A vacina contra herpes zoster reduziu o risco de demência em um quinto ao longo de sete anos, segundo um estudo populacional publicado na revista Nature. Com base nos registros médicos de 280 mil adultos com idades entre 71 a 88 anos, moradores do País de Gales, no Reino Unido, os pesquisadores sugerem que a imunização pode ser uma estratégia simples e econômica para prevenir ou retardar o declínio cognitivo. Porém, destacam que mais estudos são necessários para determinar se os efeitos observados são causais e, neste caso, como a proteção é conferida.
Em estudos anteriores, cientistas já havia demonstrado o papel que vírus comuns, como o varicela zoster (VZV) e herpes simplex tipo 1 (causador da herpes labial), têm uma relação com o desenvolvimento da doença de Alzheimer. Eles podem permanecer dormente em células humanas por toda a vida, mas, quando despertam, são capazes de provocar mudanças patológicas semelhantes às observadas nos cérebros de pacientes com esse tipo de demência, como formação de placas amiloides, inflamação e funcionalidade reduzida.
Com base nessa associação, pesquisadores da Universidade de Stanford, na Inglaterra, decidiram investigar se a vacinação contra o VZV poderia ter um efeito protetor. O herpes zoster é uma infecção viral que produz uma erupção cutânea dolorosa e é causado pelo mesmo vírus da catapora. Depois que uma pessoa contrai a doença, geralmente na infância, o microrganismo permanece dormente nas células nervosas por toda a vida. Porém, em idosos ou indivíduos com sistema imunológico enfraquecido, ele pode ser reativado.
Política pública
Para estudar a relação entre a vacina e o risco reduzido de demência, os pesquisadores usaram dados de uma política pública de saúde pública iniciada em 2013 no País de Gales. Segundo o programa, pessoas acima de 79 anos eram elegíveis à vacina pelo período de 12 meses. Já aquelas, com 78, seriam imunizadas no ano seguinte e, assim, sucessivamente. Porém, idosos com 80 anos não poderiam se vacinar em nenhum momento.
A medida foi justificada pela necessidade de racionar o suprimento do imunizante. “As circunstâncias, bem documentadas nos registros de saúde do país, eram o mais próximo de um ensaio clínico randomizado que você poderia chegar sem conduzir um”, disse, em nota, Pascal Geldsetzer, professor assistente de medicina em Stanford e autor sênior do estudo.
Os pesquisadores analisaram os registros de 280 mil idosos entre 71 e 88 anos que não tinham demência no início do programa de vacinação. Ao longo dos sete anos seguintes, compararam os diagnósticos de Alzheimer entre pessoas imunizadas e não vacinadas. Eles descobriram que, em 2020, um em cada oito idosos — então com 86 e 87 anos — haviam sido diagnosticados com demência. Aqueles que receberam a vacina contra herpes zoster, porém, tiveram 20% menos probabilidade de desenvolver o cognitivo no período avaliado. “Foi uma descoberta realmente impressionante”, disse Geldsetzer. “Esse enorme sinal de proteção estava lá, de qualquer maneira que você olhasse os dados.”
A demência afeta mais de 55 milhões de pessoas em todo o mundo, com uma estimativa de 10 milhões de novos casos a cada ano. Décadas de pesquisa sobre a doença se concentraram especialmente no acúmulo de placas e emaranhados no cérebro de pessoas com Alzheimer, a forma mais comum de declínio cognitivo. Porém, sem avanços na prevenção ou tratamento, alguns pesquisadores estão explorando meios de evitar ou postergar o desenvolvimento do problema por outras vias.
Incertezas
Ainda não se sabe, porém, se a vacina protege contra a demência acelerando o sistema imunológico, em geral, reduzindo especificamente as reativações do vírus ou por algum outro mecanismo. Também não é certo se uma versão mais recente do imunizante, que contém apenas certas proteínas do vírus e é mais eficaz na prevenção do herpes zoster, pode ter um impacto semelhante ou até maior no declínio cognitivo.
Agora, Geldsetzer pretende realizar um grande ensaio controlado randomizado, que forneceria a prova mais forte de causa e efeito. Os participantes seriam escolhidos aleatoriamente para receber a vacina viva atenuada ou uma injeção de placebo. “Seria um ensaio muito simples e pragmático porque temos uma intervenção única que sabemos que é segura”, disse.
Prevenção
“Uma questão-chave, não respondida pelo novo estudo, é como a vacina contra herpes zoster pode ter ajudado a proteger (reduzindo o risco em 20%) contra a demência. É possível que a vacina tenha tido efeitos diretos nas células imunes cerebrais, mas também que tenha agido indiretamente, por exemplo, retardando o envelhecimento cerebral e/ou aumentando a resiliência cerebral aos efeitos da idade. O próximo passo é descobrir exatamente como essa vacina exerce seus efeitos protetores contra a demência e usar essa informação para desenvolver novas maneiras de prevenir e tratar a condição. Também aumenta a probabilidade de que no futuro possa haver programas de vacinação específicos cujo objetivo principal seja prevenir o declínio cognitivo.”
Anthony Hannan, chefe do grupo de epigenética e plasticidade neural do Instituto Florey de Neurociência e Saúde Mental, na Austrália
Por Paloma Oliveto do Correio Braziliense
Foto: National Institutes of Health/Divulgação / Reprodução Correio Braziliense