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quinta-feira, abril 24, 2025

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Alcoolismo é um dos gatilhos para a violência

Por ser um potencial indutor de comportamentos agressivos e até mesmo da criminalidade,...

Por ser um potencial indutor de comportamentos agressivos e até mesmo da criminalidade, especialistas alertam para o consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Levantamento divulgado pela Secretaria de Saúde (SES-DF) coloca o Distrito Federal em segundo lugar, entre as unidades federativas, no ranking de ingestão excessiva de álcool por número de habitantes. Brasília fica atrás somente de Salvador.

Segundo a secretaria, 25,7% dos adultos beberam quatro ou mais doses em uma mesma ocasião. Para as estatísticas do Ministério da Saúde, esse índice é classificado como abusivo. Na capital baiana, o percentual é de 28,9%.

A preocupação é tanta que, na segunda-feira, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) restringiu o horário de funcionamento de distribuidoras de bebidas em toda a capital, que devem fechar à 0h e abrir apenas às 6h. De acordo com a SSP-DF, nos primeiros dois meses de 2025, ocorreram um total de 135 homicídios tentados e consumados. Destes, 24% aconteceram próximos ou em bares e distribuidoras de bebidas.

O álcool e outras substâncias entorpecentes são frequentemente encontrados no sangue de infratores. “Existe relação entre consumo de álcool e criminalidade, sim, e isso se mostra em muitos atos. O criminoso, muitas vezes, consome o álcool deliberadamente para realizar o ato violento, para driblar o medo e diminuir a intervenção da área do juízo, conhecida como córtex frontal. Além disso, o alcoolismo pode evoluir para um ponto em que, a falta de recursos para manter o vício, pode levar a atos de infração”, analisa a psiquiatra Silvia Marchant Gomes.

“O álcool é euforizante no primeiro momento. Muita gente faz uso da bebida com álcool para se tornar mais corajoso. A ação inicial de liberação de neurotransmissores ativadores desinibem a pessoa. Dessa forma, a área do juízo deixa de agir e alguns comportamentos instintivos e agressivos ficam mais proeminentes”, explica a médica. 

Especialista internacional de segurança e docente no Instituto Superior de Ciências Policiais, Leonardo Sant’Anna classifica o alcoolismo como uma bomba relógio em potenciais casos de comportamentos criminosos, principalmente quando se trata de violência doméstica. “Se alguém não consegue controlar impulsividade, e consome álcool, o julgamento e dinâmicas sociais também ficarão afetados, aumentando o nível de violência em situações de conflito. A inibição emocional prejudicada pelo álcool aumenta mais ainda a possibilidade de conflitos familiares. É preciso uma rede de apoio grande ao redor de quem tem o potencial de sofrer esse tipo de violência”, avalia.

A advogada e vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Ana Izabel Alencar, acrescenta que “a violência doméstica está diretamente ligada ao alcoolismo e aos entorpecentes, tanto na abstinência, quanto no uso indiscriminado, pois o sujeito se torna mais voluntarioso, corajoso, violento e agressivo na maioria dos casos que entram em conflito com a mulher.” 

Superação

Correio ouviu pessoas que pararam de beber e tiveram a vida transformada, antes que o alcoolismo trouxesse consequências drásticas para suas vidas. O atleta Josiel* (nome fictício), 48 anos (idade real) começou a beber aos 14 anos e parou aos 32. Ele conta que substituiu a bebida pelo esporte e foi o que salvou sua vida.

“Passei a fazer natação e corrida. Hoje em dia, até participo de competições. Antes, só sentia felicidade quando bebia, hoje vejo alegria em outras coisas mais saudáveis”, diz.

Ele relata que chegava a ir para a escola bêbado, na época do ensino médio, e que desenvolveu doenças como gastrite e esofagite por causa da bebida. “Resolvi parar de beber quando descobri que minha mulher estava grávida. Queria dar um bom exemplo ao meu filho”, destaca. “Depois disso, até considerei voltar a beber, mas nem consegui mais. Eu ainda sinto uma cobrança imensa da sociedade para beber socialmente, mas não volto mais”, completa.

Limites e tratamentos

Especialistas ouvidos pelo Correio destacam que o consumo de álcool é prejudicial em qualquer quantidade e que não tem como determinar um limite saudável de consumo. “Beber socialmente é quando o consumo de álcool acontece de forma esporádica e controlada, geralmente em momentos específicos, como encontros com amigos ou comemorações, sem prejudicar a saúde ou a rotina da pessoa.

Beber em excesso é quando o consumo é frequente, descontrolado ou causa prejuízos físicos, emocionais e sociais. Não há um nível seguro de álcool. Mesmo pequenas quantidades, podem causar danos à saúde física e mental a longo prazo, além de aumentar o risco de acidentes, doenças e comportamentos de risco”, detalha a psiquiatra Nathalia Sobrinho Gurgel.

“O álcool não é alimento natural para o organismo , atingindo o fígado 100% das vezes. O uso social seria o não regular e em dose única ou mínima, porém isso é um conceito cultural, social e não médico sobre o álcool”, acrescenta a psiquiatra Silvia Marchant Gomes.

Roberto* (nome fictício), 45 anos (idade real), parou de beber há dois anos e conta que o álcool potencializava os problemas de saúde mental que estava tendo. “Comecei a beber com 15 anos. O álcool sempre me fazia me meter em situações complicadas, brigas, ou até mesmo situações que me deixavam vulnerável”, explica. O esporte foi crucial para que ele se libertasse do álcool. “É importante substituir o álcool por outras coisas, coisas mais saudáveis. Desde que parei, faço natação duas vezes por semana. Profissionalmente, minha vida deslanchou também, estou conseguindo realizar vários projetos que antes o álcool me impedia de tirar do papel. Depois que parei, fiquei muito mais focado”, detalha. “Há dois anos que não me meto em brigas e que não tenho crises de saúde mental. Vivo uma vida muito mais saudável”, ressalta. 

O tratamento para o alcoólatra necessita de monitoramento médico constante e uso de medicação. “Esta medicação jamais deve ser misturada ao álcool. A situação ideal é a internação clínica de período mínimo de 30 dias, com uso de medicação e vitaminas essenciais para a recuperação do sistema nervoso central do indivíduo. Tratamentos não orientados podem trazer consequências sérias e graves ao usuário. O consumo de álcool pode levar a doenças como a cirrose e também ao câncer de fígado”, enfatiza a psiquiatra Silvia Marchant.

“O tratamento pode incluir também acompanhamento psiquiátrico, psicoterapia para trabalhar gatilhos emocionais e desenvolver novas estratégias de enfrentamento e participação em grupos de apoio, como os Alcoólicos Anônimos (AA)”, completa a psiquiatra Nathalia Sobrinho.

Sinais de alerta

•Beber com frequência e em grandes quantidades;
•Precisar de mais álcool para sentir o mesmo efeito (aumento da tolerância);
•Negar que o consumo é um problema, mesmo com prejuízos evidentes;
•Apresentar sintomas de abstinência ao ficar sem beber (tremores, irritação, ansiedade);
•Perder compromissos importantes, causar conflitos familiares ou ter problemas no trabalho por causa da bebida;
•Colocar-se em risco ao beber (como se envolver em brigas ou acidentes).

*Fonte: Psicóloga Nathalia Sobrinho Gurgel

O alcoolismo e a violência doméstica

Por Renata Figueiredo, psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr)

Desde a pandemia, houve aumento do uso de álcool e o consequente aumento da violência doméstica. O álcool é um fator desencadeante e agravante do comportamento violento. A bebida alcoólica desinibe e aumenta a impulsividade, além de fazer com que a pessoa perca o autocontrole e até cometa atos que não cometeria se estivesse sóbria. O álcool altera o julgamento e a percepção de ameaça. Às vezes, uma expressão facial inofensiva pode ser entendida como ameaça e início de um conflito, causando discussões em voz alta que pode evoluir para agressões físicas.

A percepção de alguns comportamentos fica afetada, atos normais podem ser entendidos como afronta e causar ciúmes excessivos. É preciso uma conscientização coletiva sobre a relação entre álcool e violência doméstica. Muita gente acredita que quando bebe não age nem se comporta diferente, mas isso é muito mais comum do que se imagina. O álcool potencializa a possibilidade de confronto e percepção equivocada da intenção alheia.

Tanto as vítimas de violência doméstica como os agressores que cometem as violência por conta do álcool precisam de acompanhamento psicológico e psiquiátrico. É preciso ser feito um trabalho intenso de responsabilização do agressor e de reinserção social gradual. Às vezes, é preciso um trabalho de aceitação também, para que o agressor aceite o tratamento.

Acima de tudo, é preciso proteção à vítima. A família precisa estar envolvida nesse processo, pois, muitas vezes, a mulher depende do homem financeiramente, há filhos envolvidos. É um contexto difícil, mas é muito comum hoje em dia. 

Por Mila Ferreira do Correio Braziliense

Foto: Caio Gomez / Reprodução Correio Braziliense

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