“Eu fui fazer uma curva e tirei a mão do guidão para colocar a bolsa para trás e, quando vi, meu corpo foi para um lado e o patinete para o outro”, conta Eduarda Furtado, de 25 anos, que aprendeu da pior forma os riscos de andar de patinete elétrico sem os devidos cuidados. O acidente deixou ferimentos na mão, ombro, perna, canela e joelho. Como ela, pelo menos outras 17 pessoas também foram vítimas de acidentes envolvendo patinetes elétricos, sendo esses apenas os atendidos no Hospital de Base (HBDF), segundo o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (IgesDF), desde abril, quando os casos começaram a ser contabilizados.
Atualmente, são mais de 2 mil patinetes em operação no Plano Piloto, Águas Claras, Sudoeste e Cruzeiro, fruto de uma parceria da Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob-DF) com a empresa JET, responsável pelo aluguel compartilhado dos patinetes na capital. Até maio, a empresa contava com 229,6 mil usuários cadastrados no DF.
O equipamento surge como uma possibilidade prática e sustentável de meio de transporte individual para curtas e médias distâncias. Em Brasília, foram registradas mais de 477 mil viagens, segundo a JET. Por algumas delas, Francisco Souza, 42, foi o responsável. Ele usa os patinetes diariamente na ida e volta do trabalho. “Eu saio da Rodoviária, pego meu patinete e vou direto para o trabalho, chego muito mais rápido e menos suado”, explicou.
Apesar de nunca ter sofrido nenhum acidente, Francisco destaca que o patinete precisa ser usado com cuidado. “Eu uso todo dia e, mesmo ele chegando a 15km/h, nunca passo de 8km/h. Vejo os jovens ultrapassando os limites aqui perto e fico preocupado”, alertou. Entre os principais riscos e causas dos acidentes envolvendo os patinetes está o mau uso dos equipamentos e a falta de aparatos de segurança. Em um flagrante recente na Praça do Museu Nacional, a reportagem registrou um grupo de adolescentes empinando patinetes, sem capacete ou qualquer equipamento de proteção, colocando em risco não apenas a própria segurança, mas também a de quem circulava pelo local.
Renato Lins, chefe do Centro de Trauma do HBDF, explica que o patinete dá uma sensação de segurança, facilitando o mau uso por meio dos usuários. “Em casos de acidente, o indivíduo é ejetado pelo patinete e cai de frente. Na tentativa de proteger a cabeça e o rosto, acaba machucando os braços e pernas”, explica. Segundo o profissional, isso explica os traumas mais comuns serem nos membros superiores e inferiores, seguido pelo traumatismo cranioencefálico e o de face.
Lins reforça que o uso do capacete, cotoveleiras, joelheiras e proteção de punho são essenciais durante o transporte pelo equipamento. “Não podemos nos descuidar, o patinete não oferece nenhum tipo de proteção em sua forma, então, cabe ao usuário se proteger”, alertou.
Regulamentação
O DF não conta com uma regulamentação local específica para o uso de patinetes elétricos, embora o tema esteja em discussão, segundo o Semob. A circulação é regida pela Resolução nº 996/2023 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que determina, entre outros pontos, que os patinetes devem circular em calçadas a até 6km/h, em ciclovias conforme a velocidade definida, e em vias locais com velocidade máxima de até 40km/h. Nesses casos, os patinetes devem seguir as mesmas regras aplicáveis às bicicletas, trafegando próximo ao bordo lateral da pista de rolamento e no mesmo sentido dos veículos automotores.
A Semob compõe um grupo de trabalho com outros órgãos do GDF para discutir penalidades e ações educativas. O Departamento de Trânsito (Detran) divulgou orientações para os usuários, recomendando o uso de capacete, apesar de não ser obrigatório por lei. O órgão também alerta que, por serem classificados como equipamentos de mobilidade individual, os patinetes devem transportar apenas um usuário, sendo proibido o transporte de passageiros.
O professor Frederico Flósculo, especialista em mobilidade urbana, explica que Brasília tem características que favorecem o uso de patinetes, como a necessidade de trânsitar curtas e médias distâncias em pouco tempo, principalmente no Plano Piloto.
Por outro lado, a falta de uma legislação apropriada e pouca infraestrutura na cidade atrapalha o uso. “Só o Plano Piloto tem calçadas boas, se formos pensar em Planaltina, Taguatinga, é assustador a falta de infraestrutura”, explicou. Segundo ele, é preciso primeiro pensar uma boa cidade para pedestres e ciclistas, uma vez que, a partir daí, os patinetes também serão beneficiados.
O abandono dos patinetes em locais inadequados também é um problema recorrente apontado pelo especialista. “Começamos a ver os patinetes sendo deixados no meio de gramados, de calçadas, em lugares totalmente inconvenientes que podem também causar acidentes”, alertou.
Próximos passos
A expansão do serviço está nos planos do governo: um chamamento público foi publicado no Diário Oficial do DF para credenciar novas operadoras e ampliar a presença do modal, com foco em áreas próximas ao metrô, rodoviárias e centros comerciais.
Além das discussões sobre regulamentação, a Semob busca amplicar o serviço para outras regiões administrativas, priorizando a conexão com o transporte público. Ainda segundo a pasta, o GDF segue discutindo ações para intensificar o uso seguro dos patinetes.
O especialista em mobilidade completou que, quanto mais a população usar os patinetes com segurança e responsabilidade, mais vai mostrar ao governo a importância da modalidade segura e viável. “É fundamental que o poder público comece a falar sobre o assunto, divulgar boas práticas e exigir responsabilidade”, completou.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press