O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a volta à prisão do homem que quebrou um relógio histórico do Palácio do Planalto, durante os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Na mesma decisão, o magistrado ordenou uma investigação para apurar a conduta do juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro, da Vara de Execuções Penais de Uberlândia (MG), responsável por conceder a liberdade ao extremista. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também abriu procedimento para apurar o caso. Horas depois da ordem de Moraes, a Polícia Federal prendeu o condenado.
Lourenço Ribeiro autorizou a progressão de regime, do fechado ao semiaberto, para o mecânico Antônio Cláudio Alves Ferreira – condenado pelo STF a 17 anos de reclusão por destruir um relógio raro presenteado pela Corte Francesa a Dom João VI.
De acordo com Moraes, o magistrado não poderia ter tomado a decisão de liberar o golpista. “O juiz de direito Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro proferiu decisão fora do âmbito de sua competência, não havendo qualquer decisão desta Suprema Corte que tenha lhe atribuído a competência para qualquer medida a não ser a mera emissão do atestado de pena”, enfatizou.
O ministro destacou, também, que Lourenço Ribeiro não seguiu requisitos previstos em lei para a concessão da progressão de regime. Também argumentou que o condenado cumpriu apenas 16% da pena. O ministro ressaltou que Antônio Ferreira foi sentenciado por crimes praticados com violência e grave ameaça, o que exige o cumprimento mínimo de 25% em regime fechado.
“Como se vê, além da soltura ter ocorrido em contrariedade à expressa previsão legal, foi efetivada a partir de decisão proferida por juiz incompetente em relação ao qual – repita-se – não foi delegada qualquer competência”, escreveu Moraes. Nos bastidores, a postura de Lourenço Ribeiro é vista como uma provocação à Suprema Corte, com possível motivação política.
Ao conceder a progressão, o juiz de Minas Gerais argumentou que o bolsonarista teria direito porque “cumpriu a fração necessária de pena imposta no regime semiaberto, conforme se extrai do cálculo de liquidação de penas”. Também alegou “boa conduta” do extremista.
O condenado deixou o Presídio Professor Jacy de Assis, em Uberlândia, na terça-feira, cerca de um ano e meio depois de ter sido detido. Ele foi liberado sem as medidas cautelares necessárias. O Tribunal de Justiça do estado afirmou que não havia tornozeleira eletrônica e, por isso, o mecânico saiu da prisão sem o equipamento de monitoramento. No entanto, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) negou a falta de tornozeleiras e afirmou que cerca de 4 mil estão disponíveis.
Ao liberar o golpista, Lourenço Ribeiro ordenou que o mecânico não saísse de Uberlândia, comparecesse ao presídio sempre que solicitado e mantivesse atualizado no sistema penitenciário estadual os dados de contato.
Corregedoria
Também nesta sexta-feira, a Corregedoria-Geral do TJ-MG instaurou procedimento para apurar o caso, apesar de não citar diretamente Lourenço Ribeiro. “Na oportunidade, o TJ-MG reafirma o seu compromisso com a legalidade, os princípios do Estado Democrático de Direito e o irrestrito respeito às ordens judiciais emanadas dos tribunais superiores”, completa o comunicado.
O presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), Eduardo Araújo, destacou que os processos que envolvem o 8 de janeiro devem ficar sob responsabilidade da Suprema Corte. “É o regimento interno do STF que regula essa matéria. A execução penal nesses casos também é de competência do tribunal”, disse.
Para o criminalista, não há abuso de autoridade na decisão de Moraes, e todas as condutas devem ser apuradas. “Não se está cravando a responsabilidade do magistrado ainda, mas é um caso que levanta suspeitas e que precisa, pelo menos, ser investigado, como foi determinado”, completou Araújo.
O professor de processo penal João Pedro Mello partilhou do mesmo entendimento. “Se o ministro, em sua independência, viu indício de crime, está no âmbito de suas atribuições, de seus poderes-deveres, recomendar a investigação. Poderia, no entanto, ter-se fundamentado de forma mais analítica. Não está claro sequer qual é a hipótese criminosa em face do juiz, em qual tipo penal, em tese, sua conduta se enquadraria”, ressaltou.
Mello frisou que o juízo natural para os procedimentos decorrentes dos casos do 8 de janeiro é o Supremo Tribunal Federal porque há a possibilidade de envolvimento de autoridades com prerrogativa de foro. “Não é uma questão sem controvérsias. Historicamente, a atração por conexão da competência para julgar pessoas que não são autoridades públicas produz debates sempre que há casos de grande repercussão. Nesse caso, o STF decidiu por maioria por sua própria competência”, explicou.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
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