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Governo coleciona derrotas com vetos no Congresso; líderes minimizam

O Palácio do Planalto sofreu uma série de derrotas no Congresso Nacional na...

O Palácio do Planalto sofreu uma série de derrotas no Congresso Nacional na última semana. Votações como a do requerimento de urgência para votar o decreto que aumenta o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e para a derrubada de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mostraram que há forte descompasso entre o Executivo e o Legislativo. Além disso, o petista enfrenta dificuldades na articulação com os parlamentares da base aliada, inclusive, do próprio partido.

Falta apoio até na base aliada de Lula, de partidos que possuem ministérios. Dos 346 votos a favor da urgência para o IOF, 225 vieram da base aliada. O mesmo ocorreu com o veto de Lula contra “jabutis” (emendas não relacionadas ao tema da matéria) incluídos na Lei das Eólicas Offshore, nº 15.097/2025. Com a derrubada, os trechos incluídos na medida pelos congressistas podem levar a um aumento de até 3,5% na conta de luz para os consumidores, um total de, pelo menos, R$ 195 bilhões nos próximos 25 anos. A bancada do PT votou em peso a favor da derrubada desse veto que vai pesar no bolso da população.

A articulação política do governo tem argumentado que evitou uma derrota mais estrondosa do que a que ocorreu, mas ainda há o desafio de, antes do recesso, tentar pacificar a relação e retomar a disposição do Legislativo para discutir temas de interesse do Planalto.

Na segunda-feira passada, a Câmara dos Deputados aprovou, por 346 a 97, o requerimento de urgência para derrubar o decreto do IOF. No mesmo dia, os ministros da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, e da Casa Civil, Rui Costa, reuniram-se com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para negociar. O acordo firmado foi adiar a votação do mérito, já que a oposição defendia que a proposta fosse ao plenário naquele mesmo dia. Agora, a expectativa é que o texto seja votado antes do recesso parlamentar, que começa em 17 de julho. Mas, logo em seguida, na terça-feira, o governo sofreu nova derrota durante sessão conjunta do Congresso para apreciar vetos presidenciais.

Os parlamentares decidiram derrubar total ou parcialmente 11 vetos de Lula e um do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e adiaram a discussão sobre outras 30 medidas. Além das votações, o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), leu o requerimento que dá início à criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que vai investigar o esquema bilionário de fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Líderes do governo atuaram durante a semana em modo de contenção de crises. O clima no Congresso era para derrubar o quanto antes o decreto do IOF e a Medida Provisória (MP) do pacote fiscal alternativo, que inclui aumento na taxação das apostas esportivas, as bets, e em investimentos atualmente isentos do Imposto de Renda, como a Letra de Crédito Agrícola (LCA) e a Letra de Crédito Imobiliário (LCI) — a iniciativa também causou forte reação de parlamentares e empresários.

O Executivo conseguiu apenas ganhar tempo para negociar com as lideranças e admite ajustar os textos. E ainda acelerou o ritmo de liberação de emendas parlamentares, um dos maiores pontos de insatisfação do Legislativo. A promessa é que R$ 2 bilhões sejam liberados até o fim deste mês. Já foram empenhados R$ 775,9 milhões desde o início do ano, sendo 684,41 milhões somente entre o dia 13 e o dia 18 de junho (última atualização no sistema Siga Brasil, do Senado).

Além de Motta, Gleisi e Rui Costa foram conversar com Alcolumbre após a derrubada dos vetos. Segundo nota divulgada pela SRI, o Executivo e o Congresso acordaram pelo envio de uma nova MP para tentar reduzir o impacto dos “jabutis” na Lei nº 15.097/2025. A pasta também argumentou que o apoio em peso da base aliada contra os vetos do presidente Lula ocorreu em um contexto de diálogo com os parlamentares. “Essas negociações são necessárias, dada a correlação de forças no Congresso.”

Choque entre Poderes

Analistas alertaram sobre os problemas de articulação do governo que se refletiram nas derrotas no Congresso, mostrando que, mesmo na derrubada dos vetos que prejudicaram o governo, parlamentares do PT foram maioria, como mostra o quadro acima.

Na visão do cientista político Breno Leite, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Pará (UFPA), a recente derrubada de medidas por parte do Legislativo evidencia uma crise de relacionamento entre os Poderes — algo incomum dentro do modelo brasileiro de presidencialismo de coalizão.

“A lógica da derrubada de MPs do governo não é comum no presidencialismo de coalizão brasileiro. Normalmente, há uma negociação prévia com líderes partidários e com a Mesa Diretora do Congresso antes da publicação de uma MP. Quando o Legislativo derruba, isso sinaliza que não houve negociação. É uma queda de braço entre os Poderes”, destacou Leite.

No entender dele, o presidente Lula tem optado por uma aliança mais estreita com o Judiciário do que com os partidos tradicionais do Congresso, o que tem dificultado sua governabilidade. Ele destacou ainda que a principal aposta do presidente Lula foi estreitar laços com o Poder Judiciário, em vez de fortalecer sua base entre os partidos do Legislativo. “Como consequência, ele enfrenta hoje enorme dificuldade de transitar no Congresso, o que torna a aprovação de pautas muito mais complicada”, disse.

De acordo com o cientista político, advogado e CEO da Arko Advice, Murillo Aragão, o resultado da votação dos vetos mostra a dificuldade do governo se articular mesmo com os integrantes do próprio partido, mais ainda com legendas do Centrão, que buscam avançar suas próprias prioridades e cobram caro pelo apoio ao Executivo. “O governo bate cabeça e não se articula bem. O PT se acha mais governo do que o próprio governo. Com base instável, a votação de vetos é uma jornada sem mapas”, avaliou.

Breno Leite, da UFPA, destacou também que os presidentes da Câmara e do Senado não são aliados históricos do PT, mas, sim, figuras que se aproximaram do governo por necessidade. “Tanto Alcolumbre quanto Motta têm em suas Mesas Diretoras integrantes ligados ao bolsonarismo. Isso já mostra a fragilidade da base de apoio do governo no parlamento”, afirmou. Na avaliação dele, com a queda de popularidade do governo, o fortalecimento da oposição e o temor dos parlamentares de desgaste eleitoral, a tendência é que o Legislativo adote uma postura ainda mais resistente. “Estamos às vésperas de eleições que vão renovar o Legislativo e, nesse cenário, deputados e senadores pensam duas vezes antes de aprovar medidas impopulares. Legislar agora é um ato de coragem — e poucos querem se arriscar”, ressaltou.

Líderes governistas

Publicamente, líderes governistas minimizam as derrotas, argumentando que o placar das votações representam acordos feitos nos bastidores. Eles também insistem que os aumentos de impostos anunciados pelo governo no pacote alternativo ao decreto do IOF são necessários para ajustar as contas públicas.

Ontem, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), defendeu a tributação sobre investidores, presente da MP fiscal. “O Brasil tem hoje R$ 1,7 trilhão em títulos girando no mercado financeiro, sem pagar imposto. Imagina o que poderia ser arrecadado para investir na saúde, na educação, na pesquisa científica, no transporte e em programas sociais. Precisamos desses tributos para zerar as filas do SUS (Sistema Único de Saúde)”, escreveu ele, nas redes sociais.

Na terça-feira passada, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, avaliou que a derrubada dos vetos presidenciais e o início dos trâmites para abertura da CPMI do INSS, estariam longe de representar qualquer derrota para Lula no Legislativo, pois a própria base do governo concordou com a abertura da CPMI e participou do acordo para a derrubada dos vetos, cumprido, segundo ele, integralmente pelos parlamentares. “É uma sessão vitoriosa para o governo”, comentou ao ser questionado sobre a queda das assinaturas de Lula. “Nós tivemos 236 itens de vetos que, na prática, são 236 vetos — que foram mantidos e somente 36 itens de vetos que foram derrubados em acordo com o governo. […] Do ponto de vista dos vetos, me parece que essa é a sessão do Congresso que tivemos o maior número de vetos do presidente da República mantidos”, insistiu o senador.

Quanto à instalação da CPMI do INSS, o líder do governo adotou uma postura ainda mais otimista ao comentar o tema. Disse, por exemplo, tratar-se de uma boa oportunidade para o governo derrubar narrativas da oposição. “Quem deveria lamentar a CPMI é a oposição, porque ela deixará mais claro para os brasileiros quem são os verdadeiros responsáveis pela roubalheira no INSS”, citou o parlamentar. O governo, segundo Randolfe, pretende escalar sua “tropa de choque” de senadores e deputados para participar do colegiado. “Nós vamos para a CPMI com o time principal, não vamos jogar com time reserva, para garantir que a investigação ocorra, doa a quem doer, chegue onde tiver que chegar e custe o que custar”, afirmou.

Porém, ao citar o processo de investigação da CPMI, Randolfe ressaltou a importância da Câmara, responsável pela indicação do relator, ter bom senso e não indicar um bolsonarista ao posto. “O Senado está com uma posição de bom senso para que a investigação não seja presidida por representante do partido do presidente e seria de bom tom que a relatoria não fosse do principal partido da oposição”, acrescentou o senador.

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense       

Foto: Maurenilson Freire

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