Outros posts

Em tempos de IA, começa a preparação para a guerra contra as fake news

Ferramentas de manipulação de imagens e vídeos têm avançado conforme as eleições de...

Ferramentas de manipulação de imagens e vídeos têm avançado conforme as eleições de 2026 vão se aproximando. De acordo com especialistas ouvidos pelo Correio, o impacto em campanhas políticas e, consequentemente, na definição de quem serão os próximos governantes pode ser iminente, caso não haja um trabalho preventivo por parte da Justiça Eleitoral. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) está atuando, a partir deste ano, de forma preventiva, por meio de campanhas educacionais, cartilhas, além de acordos com big techs e agências de checagem. O trabalho do tribunal inclui campanhas em escolas e instituições de ensino. 

“A nossa democracia será testada”, opinou o cientista político André César, ao se referir aos efeitos do avanço da inteligência artificial em um contexto de eleições. “Certamente, a IA vai interferir mais do que há quatro anos. É uma questão complexa, será um grande teste”, disse ele, lembrando que as eleições de 2026 serão importantes, pois haverá uma renovação significativa no Congresso Nacional. “A eleição mais importante será a do Senado Federal, pois serão renovadas 54 cadeiras, dois senadores por unidade federativa”, ressaltou.

Especialista em crimes cibernéticos, segurança e criptografia de dados, Rodrigo Fragola relembrou a evolução da inteligência artificial e o impacto nas eleições. “Para a gente entender mais ou menos o grau do problema que vamos enfrentar em 2026, nós temos que compreender que a inteligência artificial é, de certa forma, um tratamento de dados. Mesmo sem o uso ostensivo da IA, nós tivemos, em 2018, uma chuva de fake news”, recordou. 

“Recentemente, surgiram as deepfakes, técnicas de manipulação de imagens e sons com inteligência artificial. À época, o material produzido ainda tinha uma qualidade duvidosa. Eu acredito que em 2026 haverá a ampliação do uso desta técnica”, previu. “Hoje em dia, está provado que é possível colocar palavras na boca de qualquer um. O eleitor precisa se blindar e seguir perfis e veículos confiáveis. Nesse sentido, o ideal procurar múltiplas fontes para confirmar alguma informação que considere relevante na hora de decidir o voto. As deepfakes, mesmo que sejam boas tecnicamente, existe algo chamado de vale da estranheza (leia mais no artigo)”, completou. 

Tribunal alerta

“A Justiça Eleitoral está atenta a qualquer situação que possa desestabilizar o processo eleitoral. Fizemos ajustes e acordos com big techs para que fossem tiradas do ar informações que descredibilizem o processo eleitoral”, destacou o porta-voz do TRE-DF, Fernando Veloso. “Estamos trabalhando com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os outros tribunais regionais para que estejamos ágeis e atentos a qualquer situação que requeira atenção”, acrescentou. 

O trabalho do TRE-DF inclui ainda parceria com escolas e universidades para que as campanhas preventivas cheguem a jovens de todas as idades. “Queremos atingir ainda a população idosa, que é uma das mais atingidas pelas fake news”, ressaltou Veloso. “Ainda em 2025, iniciaremos as campanhas nas redes sociais e nas instituições de ensino e faremos uma cartilha também”, completou. 

Ministra substituta do TSE, Vera Lúcia Santana ressaltou que o tribunal, por meio da Secretaria de Tecnologia da Informação, está em constante trabalho de capacitação e atualização como forma de blindar-se de qualquer ferramenta que facilite a disseminação de discursos que possam prejudicar o processo democrático. “A cada eleição, o tribunal se prepara para responder a todas as demandas relativas ao processo político eleitoral. Nossa competência é o zelo e o cuidado da democracia por meio do voto. O tribunal tem poder de polícia para garantir a regularidade democrática da disputa política”, salientou.

Até outubro deste ano, a legislação eleitoral deverá estar consolidada, de modo que seja aplicada na eleição de 2026. As resoluções do TSE deverão estar postas até março do ano que vem.

Riscos

Apesar do uso da inteligência artificial para fins de manipulação estar ficando cada vez mais sofisticado, especialistas alertam quanto à responsabilidade do eleitor em relação ao conteúdo consumido. “É importante que o próprio eleitor faça a sua parte, no sentido de verificar a veracidade de uma ou de outra postagem, dos vídeos eventualmente remetidos em grupos de mensagens e afins”, ressaltou o advogado especializado em direito eleitoral, Guilherme Barcelos. “Há proibições estabelecidas há tempos, bem como novas ou recentes. Por exemplo, é vedado o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia”, enfatizou. 

A temática tem permeado debates no Congresso, acerca do Novo Código Eleitoral, e também no Supremo Tribunal Federal (STF), considerando o recente julgamento acerca da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. O artigo determina que as big techs só precisam remover qualquer conteúdo das redes sociais caso haja um ordem judicial determinando, o que dificulta a remoção de conteúdos impróprios. A Corte ainda não determinou se o artigo é inconstitucional. Até o momento, sete ministros entendem que, diante da revolução no modelo de utilização da internet, com o uso massivo de redes sociais e de aplicativos de troca de mensagens, entre outros exemplos, o artigo 19, editado há mais de 10 anos, não oferece proteção suficiente aos usuários. O julgamento deve ser retomado hoje.

“No que tange aos efeitos dessa prática, especialmente em um contexto de disputa eleitoral, a grande questão está no convencimento do eleitorado, sendo que a preocupação principal é, ou deve ser, minimizar a prática e os seus impactos, justamente para que seja protegida a livre escolha do cidadão, a partir de um convencimento pautado em informações reais, verdadeiras, e não em distorções como essas”, analisou Guilherme Barcelos.

Advogado especialista em direito eleitoral, Luís Campos destacou que as eleições de 2022 foram as primeiras sob a égide da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), legislação que estabelece regras para a coleta, tratamento, armazenamento e compartilhamento de dados pessoais, tanto em meios físicos quanto digitais. “Nós temos uma tendência de manter uma eleição a nível tecnológico sempre muito avançado há uns 10 anos. As campanhas vêm mudando e se aperfeiçoando. A Justiça Eleitoral vem se aperfeiçoando nesse sentido. O grande problema é o impacto da lisura no processo eleitoral. Se ferida, pode se tornar um grande empecilho para que o eleitor faça a melhor escolha. 

O vale da estranheza

O termo “vale da estranheza” surgiu em 1970 e foi criado pelo professor de robótica japonês Masahiro Mori, por causa de um experimento realizado por ele em que era medido o nível de empatia e afinidade dos humanos com robôs, conforme estes iam se tornando mais realistas. Ele observou que os humanos tinham mais empatia e afinidade pelos robôs quanto mais estes iam se assemelhando aos humanos. No entanto, quando eles se tornavam realistas demais, o sentimento de afinidade ia se transformando em estranheza e repulsa. 

Esse sentimento de intuição causado quando algo é realista demais pode ser usado como mecanismo de defesa contra as deepfakes. Em caso de vídeos, por exemplo, se a entonação das frases é muito linear, é algo a se desconfiar. Se a entonação da primeira frase é igual à segunda e à terceira, há chances de ser uma deepfake. Se a pessoa movimenta a boca de uma maneira muito perfeita, se ela se movimenta de um jeito estranho, etc. 

Outro fenômeno visto hoje na internet é que, quanto mais radical é o discurso de um grupo, mais fechado esse grupo é com relação às mídias. Há grupos que disseminam notícias somente pelo WhatsApp ou em plataformas fechadas. Deepfakes tendem a ser muito bem feitas e realistas. Para identificar se são falsas, é preciso entender o contexto em que estão inseridas e se soam estranhas se colocadas na realidade atual. Portanto, é importante avaliar, pesquisar e checar os fatos. 

Rodrigo Fragola, especialista em crimes digitais

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense       

Foto: Maurenilson

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp