A decisão do Banco Central de decretar a liquidação extrajudicial do Banco Master, na última terça-feira (18), retoma uma discussão recorrente sobre as falhas na fiscalização dos órgãos públicos e, também, de auditorias de empresas de capital aberto, de acordo com especialistas ouvidos pelo Correio. Na avaliação deles, a fiscalização e as regras precisam ser melhoradas, especialmente o monitoramento dos balanços, porque já havia sinais de problemas antes da derrocada do império do banqueiro Daniel Vorcaro — preso pela Polícia Federal no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP), quando tentava deixar o país, na noite anterior da intervenção do BC.
O Banco Master é resultado da compra da corretora Máxima, fundada nos anos 1970 e que teve a composição societária modificada em 2019. Desde então, o patrimônio líquido (PL) da instituição, inicialmente Banco Máxima, saltou mais de 2.000% até 2024, passando de R$ 219 milhões para R$ 4,7 bilhões. Apesar de a auditoria da KPMG não apresentar ressalvas no balanço do Master de 2024, especialistas apontam vários problemas, como a falta de detalhamento dos ativos da instituição, a exemplo dos R$ 5,8 bilhões classificados como “outros”.
“Esse balanço comprova a falta de transparência nos dados do Master, porque não é normal uma instituição colocar R$ 5,8 bilhões de ativos como ‘outros’. Há alguma coisa errada. E o Banco Central já poderia ter feito uma intervenção no começo do ano, porque, em março, os dados do apresentados no balanço trimestral tinham um quadro ainda pior,”, explicou o consultor Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
No relatório de resultados do primeiro trimestre de 2025 enviado ao Banco Central — o do segundo trimestre não estava disponível —, o passivo do Master aumentou de R$ 63 bilhões, no fim de 2024, para R$ 83,2 bilhões, em março deste ano, enquanto o patrimônio líquido encolheu de R$ 4,7 bilhões para R$ 3,2 bilhões, no mesmo período. “Não era preciso que o BC demorasse tanto, porque havia motivos suficientes para a liquidação do Master, e, muito menos, havia a necessidade do empréstimo do FGC”, afirmou Troster.
A atuação do Master com a oferta de Crédito de Depósito Interbancário (CDB) com remuneração acima do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), que acompanha a taxa básica da economia (Selic), atualmente em 15% ao ano, era vista como um sinal de que algo estava errado no banco, de acordo com o economista Otto Nogami, consultor e professor de economia do Insper. “Se um banco começa a oferecer títulos pagando remuneração muito acima da média do mercado, com certeza, está com problemas”, frisou o acadêmico.
Troster, por sua vez, reforçou a necessidade de mais transparência e lembrou que outro sinal de alerta ignorado pelo mercado foi o forte crescimento do passivo do banco de um ano para outro. Entre 2023 e 2024, o passivo saltou 75%, passando de R$ 36,1 bilhões para R$ 63 bilhões. “Isso deveria ter sido monitorado pelo BC, pelo FGC e pelos atores do SFN. Todos cochilaram”, frisou o consultor.
Analistas também não deixam de apontar estranheza no fato de o Banco de Brasília (BRB) querer comprar um banco privado, operação anunciada em março deste ano e que só foi vetada pelo Banco Central em setembro. O economista e ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas Gomes avaliou que o BC “demorou muito” para liquidar o Master, principalmente, porque “houve muitas pressões políticas”. Para ele, é fundamental o aperfeiçoamento da regulação e a melhora na fiscalização da instituição, porque os problemas do Master eram conhecidos no mercado muito antes do anúncio da compra pelo BRB e, portanto, o BC “dormiu no ponto”.
“Houve vários erros do BC quando o Master estava pagando taxas muito elevadas, acima da média do mercado nos CDB. E, quando isso acontece, algo está errado”, afirmou. “O BC deveria ter atuado imediatamente após o anúncio da compra do Master pelo BRB, porque um banco estadual jamais poderia comprar um banco privado, dado o histórico dos bancos estaduais que quebraram e custaram muito caro para o contribuinte no passado”, acrescentou.
Na opinião de Freitas Gomes, o BC tinha que ter feito uma auditoria sobre os precatórios e a carteira de crédito podre do Master, com empresas fantasmas reveladas pela PF. Conforme as investigações, foram identificadas R$ 12,2 bilhões de fraudes na carteira de crédito comprada pelo BRB.
Nogami, do Insper, também apontou problemas de fiscalização no BC que, segundo ele, estão relacionados com o avanço das fintechs, porque elas operam sem precisar da regulamentação da autoridade monetária.
O acadêmico apontou para outro problema estrutural do BC relacionado à digitalização, devido ao advento do Pix, lançado há cinco anos. O meio de pagamento instantâneo que caiu no gosto dos brasileiros e bate recordes diários de transações não tem ajudado a melhorar a fiscalização, pelo contrário. “O dinheiro, agora, gira muito mais rápido. E, como o sistema digital é veloz demais, se o governo não tiver um equipamento com condições técnicas de acompanhar todo esse movimento, vai se perder no meio do caminho”, alertou Nogami.
De acordo com um ex-diretor do BC que pediu anonimato, existe um problema estrutural na instituição para fiscalização, “porque faltam funcionários” em áreas críticas do banco, como a regulação e a fiscalização. “A falta de funcionários é uma característica do funcionalismo público como um todo, e isso não é um problema apenas do Banco Central, mas também de outros órgãos fiscalizadores”, reconheceu, citando como exemplos a Polícia Federal e a Receita Federal.
Procurado, o BC não comentou as críticas. Já o Sinal, sindicato dos servidores da autoridade monetária, emitiu uma nota elogiando a atuação da instituição. “O episódio evidencia a importância de um BC atento ao risco sistêmico e aos vínculos entre instituições financeiras, bem como aos possíveis esquemas de lavagem de dinheiro.
Ao monitorar operações atípicas, restringir movimentos societários e compartilhar informações com os órgãos de investigação, o Banco Central cumpriu sua função de guardião da integridade do Sistema Financeiro Nacional”, destacou o comunicado. A entidade ainda ressaltou que o caso mostra um funcionamento articulado de ” engrenagens do Estado” para preservar o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e cita a supervisão do BC, a investigação da PF e a atuação do Ministério Público e do Judiciário. “É exatamente esse modelo de cooperação que precisa ser fortalecido para proteger a economia e a sociedade brasileira”, acrescentou.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, considerou que o BC “agiu corretamente ao liquidar o banco”, contudo, também reconheceu que a fiscalização e a regulação precisam ser aperfeiçoadas. “O que temos de pensar, agora, é em como aprimorar a regulação e a fiscalização para evitar repetições de casos preocupantes como este e para identificá-los mais cedo”, defendeu, em entrevista ao Correio. Segundo ele, os clientes da Warren foram alertados com antecedência sobre os problemas no Master.
Salto ainda destacou que a relação entre Master e BRB precisa ser olhada “com lupa”, assim como a tentativa de compra que foi barrada pelo BC, em setembro.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Reprodução/Marcello Casal Jr/Agência Brasil







