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Vida solo redefine o consumo no DF e faz mercado se adaptar a novas exigências

Cada vez mais pessoas optam por morar sozinhas, redefinindo a forma como o...

Cada vez mais pessoas optam por morar sozinhas, redefinindo a forma como o mercado lida com o público e produz. De acordo com a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios Ampliada (PDAD), no Distrito Federal, em 2024, 44,7% da população declarou-se solteira, enquanto 45,5% afirmaram ser casados. 

O cenário mostra uma mudança em relação a 2021, quando os casados representavam 46,5% da população e os solteiros, 43,5%. Na prática, houve queda de um ponto percentual no grupo de casados e aumento equivalente no de solteiros em três anos.

Essa mudança, que é global, tem causado reflexo não só nos lucros, mas na forma de alcançar o público. Um artigo recente, publicado pelo pesquisador Sandro Castaldo, professor do Departamento de Marketing da Universidade Luigi Bocconi, na Itália, destacou que o segmento de produtos prontos para consumo e porções individuais, por exemplo, está em crescimento acelerado. Segundo ele, a busca por praticidade e economia de tempo na cozinha não é mais exclusiva de quem vive sozinho, mas encontra nesse público um consumidor fiel.

O professor aponta que redes de varejo na Europa adaptam promoções e programas de fidelidade para esse perfil. Antes, prêmios e descontos eram pensados para famílias — como jogos completos de pratos ou pacotes econômicos —, mas, agora, também contemplam peças únicas e porções menores. Em alguns casos, aplicativos permitem que o consumidor monte a própria cesta promocional, ajustada às suas necessidades. “Mesmo em termos de serviços, o alvo único apresenta necessidades específicas”, diz o pesquisador.

Outro reflexo da vida solo está na arquitetura e nos bens duráveis. A redução do tamanho médio das residências leva à demanda por eletrodomésticos compactos e cozinhas mais enxutas, o que, segundo o especialista, estimula ainda mais a compra de refeições prontas e alimentos de preparo rápido. Essa mudança traz impactos, inclusive, para a sustentabilidade: pode reduzir o desperdício de alimentos, mas aumenta o descarte de embalagens individuais, que precisam ser mais recicláveis.

Lares unipessoais

Para o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli, o aumento do número de solteiros e de lares unipessoais no Brasil está modificando as características do mercado. Segundo ele, mesmo pessoas com parceiros muitas vezes optam por morar sozinhas, o que influencia diretamente hábitos de consumo e demanda por serviços. “Esse tipo de pessoa requer uma residência menor e, por não contar com uma estrutura doméstica ampla, acaba terceirizando boa parte das suas necessidades”, explica.

Outro fenômeno que acompanha essa mudança é a redução no número de filhos por família. “Hoje, a média brasileira é de pouco mais de um filho por casal. Muitas mulheres optam por ter apenas um ou até por não ter filhos, algo que antes era raro. Isso também está relacionado à decisão delas de dar prioridade à consolidação profissional”, afirma o economista. 

Para Piscitelli, o mercado precisa identificar e investir em nichos que atendam às necessidades dessa população. Ele cita como exemplo a mecanização de utensílios domésticos, que permite maior autonomia sem depender de terceiros, e a adaptação de estruturas residenciais com áreas e equipamentos compartilhados. “É uma forma de reduzir custos e atender interesses coletivos dentro de condomínios”, comenta.

Novos hábitos 

Enquanto junho, o mês dos namorados, lota restaurantes, impulsiona promoções no varejo e movimenta a economia da capital, outro mês é pouco citado, embora muitos brasilienses se identifiquem com ele. É agosto, o mês dos solteiros. A data, criada na China, é comemorada em novembro, uma das maiores celebrações de comércio eletrônico do mundo. O dia escolhido foi 11/11 (com vários números 1 juntos em sequência). No Brasil, porém, acontece mais cedo: 15/8.

Engana-se quem pensa que os solteiros ficam para trás na hora de comemorar. Na China, essa parcela dos consumidores movimentou cerca de R$ 1 trilhão em 2024. Esse fenômeno se repetiu em anos anteriores. Em 2021, o faturamento do Alibaba — grupo de  comércio digital do país — no Dia dos Solteiros registrou recorde de US$ 84,5 bilhões em vendas na data — cerca de R$ 456,37 bilhões.

No Brasil, o dia vem ganhando força, mas ainda a passos lentos, impulsionado pela alta no número de pessoas sem companheiros nos últimos anos.

Segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF (Fecomércio-DF), apesar de a data ter potencial, não há dados específicos sobre o impacto do consumo de solteiros na economia local. No entanto, a tendência é que alguns setores se aqueçam, como alimentação fora de casa, lazer, turismo e tecnologia. O aquecimento da economia vem com o aumento do consumo individual, impulsionado por uma renda disponível maior.

Diversão

No Distrito Federal, alguns estabelecimentos apostam na data. No restaurante Porks Guará, a iniciativa, liderada pelo gerente Ytallo Carvalho, nasceu da observação do próprio público do bar. “Enquanto o Dia dos Namorados movimenta bastante o comércio, os solteiros acabam ficando ‘de fora’ das comemorações. Queríamos criar uma data para celebrar a liberdade, a diversão e a boa companhia — mesmo que seja só a sua própria”, conta. A receptividade foi tão grande que a casa passou a realizar edições semelhantes quase mensalmente.

Para 2025, o conceito escolhido é “solteiro sim, sozinho nunca”. A proposta é oferecer um ambiente descontraído, com música ao vivo, promoções de chope e petiscos, além de dinâmicas que incentivem a interação. Entre as mais populares está a “brincadeira das pulseiras”, em que cada cor indica o status de relacionamento do participante: verde para “estou pra jogo”, amarela para “depende” e vermelha para “não rola”. “É uma forma leve e divertida de misturar pessoas e incentivar conversas sem pressão, mas com muita descontração”, explica Carvalho.

O evento, segundo ele, tem potencial até para superar outras datas comemorativas em número de clientes. “No Dia dos Namorados, as reservas são para casais. No Dia dos Solteiros, cada pessoa pode chamar quantos amigos quiser e ainda conhecer gente nova. O clima é muito mais descontraído”, afirma. E o reflexo no faturamento é visível: o fluxo de clientes aumenta, o público permanece mais tempo no bar e o consumo tende a ser maior.

Para além de consumir, o público aproveita a data para relembrar que estar solteiro é viver um momento de descobertas e de independência. O Correio conversou com jovens que encontraram nessa fase mais do que um intervalo entre relacionamentos, mas, sim, uma forma de fortalecer vínculos com si próprios e com o que realmente importa. 

Para a estudante Isabelle Helena, 23 anos, estar solteira há três anos é, além de tudo, um ato de amor-próprio. “No começo foi estranho, mas hoje vejo que foi a melhor decisão para focar em mim e nas minhas metas”, conta. Entre treinos, viagens, encontros com amigos e noites assistindo séries, ela aprendeu que curtir a própria companhia é um grande privilégio. “Com o passar dos anos, virou muito mais liberdade do que solidão. É um longo e maravilhoso processo de autoconhecimento, de aprender a curtir minha própria companhia e valorizar quem realmente vale a pena ter por perto.” 

A concurseira Isadora Franklin, 26, também aproveita cada momento da fase “solteira”, pois, segundo ela, é importante envelhecer com histórias para contar. Apesar de sonhar em ter um relacionamento, ela não abre mão da sua independência por qualquer motivo. “Eu vivo minha solteirice flertando e conhecendo pessoas em lugares inusitados, mas o mais importante é que aprendi a me entender e a curtir minha companhia”, diz. Para ela, esse tempo trouxe maturidade e clareza sobre o que realmente vale a pena. “Sou a maior apoiadora das amigas passarem uns anos solteiras, se entendendo e aprendendo a curtir a própria companhia. Assim, quando um relacionamento chegar, ele só vai acrescentar na vida que você já se dá.”

Três perguntas para

Kassandra Costa, psicóloga

1 – O que explica a dificuldade de algumas pessoas em conseguir um relacionamento?

A gente precisa se individualizar antes de encontrar alguém. Será que, antes de começar a me relacionar com o outro, eu já me relacionei comigo mesmo? Sei quais são meus limites? Acredito também que, em termos de comportamento, atualmente, o indivíduo está buscando o autoconhecimento. E quando ele opta por essa busca, é como se ele parasse por um momento na vida para se relacionar consigo mesmo. Quando ele faz isso, faz uma pausa. Nessa pausa, ele não consegue se relacionar com os outros.  Algo que acontece muito também são feridas emocionais. Suponha-se que um tenha a ferida emocional da rejeição, um complexo de abandono, um complexo de rejeição, todas as vezes que esse indivíduo, que está dentro do complexo, começa a se relacionar com o outro e o comportamento do companheiro ativa o complexo dele, o relacionamento vai ficando desconectado.

2- Até que ponto é saudável ficar sozinho? 

Não existe receita de bolo, isso vai depender da subjetividade de cada um. O indivíduo pode entrar em sofrimento por estar sozinho por muito tempo. Lembre-se de que estar sozinho pode trazer solidão e tristeza, o que pode causar mais prejuízos, como o aumento da ansiedade e até mesmo o início de um quadro de depressão. Se considerarmos a solidão relacionada à tristeza, é importante que a pessoa busque formas de criar e abrir relacionamentos em grupo. 

3 – Que dica daria para alguém que quer conseguir um relacionamento? 

Primeiro, relacione-se com você. Quem é você? Quando você conseguir fazer isso, vai atrair pessoas facilmente. E tem mais, você fará escolhas. Existe uma frase que eu acho muito interessante, que diz: “Cuide do seu jardim, que os pássaros vêm”. A flor fica lá paradinha, ela não vai atrás do pássaro; o pássaro é que vem.

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense            

Foto: Divulgação/Porkis

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