Com os olhos atentos ao diretor e os corações cheios de expectativa, dezenas de crianças se preparam para dar vida a um dos momentos mais simbólicos do calendário cristão em Brasília: a Via Sacra da Criança, que foi realizada ontem, às 15h, em Planaltina (veja o percurso). Durante o ensaio, os pequenos ajustavam os últimos detalhes para se tornarem protagonistas de uma tradição de fé e reflexão que marca o início da Semana Santa.
Neste ano, cerca de 200 crianças participam da montagem — um número expressivo, considerando que, em 2023, o grupo contava com cerca de 140 participantes. A encenação percorre as 14 estações da Via Sacra, recontando o caminho de Jesus até a crucificação. Com figurinos simples, gestos ensaiados com cuidado e narrações emocionadas, os pequenos interpretam personagens como Jesus, Maria, soldados romanos e o povo de Jerusalém. O Domingo de Ramos, que celebra a entrada de Jesus na cidade, também ganha destaque e abre a apresentação com cantos e alegria.
Para o jovem Miguel de Oliveira, de 14 anos, os ensaios têm um significado especial. Ele interpreta, pela segunda vez, o papel de Jesus. E esse também é seu último ano na encenação. “Está sendo ótimo. A experiência é muito grande, os desafios também, mas sempre é uma gratidão estar aqui representando a Via Sacra das Crianças. Aqui é como uma família para mim”, contou, pouco antes de correr para o ensaio de mais uma cena.
Ao lado do palco, acompanhando cada passo do filho, Francisco de Oliveira, 43, se emociona ao vê-lo encarnando um dos papéis mais significativos do cristianismo. “É muito gratificante assisti-lo interpretando Jesus Cristo. Sempre procuramos evangelizar dentro de casa, dar o exemplo e, hoje, vemos ele trilhando esse caminho. Ele sempre foi tímido, e assumir esse papel foi um grande desafio que ele enfrentou com fé”, afirma.
“É muita emoção. Torcemos muito, intercedendo para que tudo dê certo. Ver nosso filho evangelizando por meio do teatro é uma felicidade enorme. É mais do que um papel, é um testemunho de fé que ele leva para outras crianças e para as famílias que assistem”, disse a mãe, Natália Rodrigues de Oliveira, 41, emocionada.
Herança e futuro
Denise Souza, 30, não esconde o orgulho ao falar do filho, José Felipe, 7, que participa com entusiasmo da Via Sacra da Criança. “Ele participa desde o primeiro aninho de vida. Eu também sempre fiz a Via Sacra, então ele já nasceu nesse ambiente. É bem solto, não fica tímido não”, contou ela, entre risos.
Neste ano, José interpreta o apóstolo Tiago Menor. A escolha do papel não poderia ser mais simbólica. “É um personagem com o qual ele se identifica muito. É humilde, manso, de coração bom. Ele gosta bastante”, afirmou a mãe. O pequeno José Felipe também falou com empolgação sobre sua participação. “Eu só achei difícil no começo, mas agora está tudo certo”, disse.
Sheila Stephany de Souza e Silva, 31, compartilha a emoção de Denise, mas, para ela, 2025 marca uma estreia especial: a da filha, Maria Sofia, 9, que encena pela primeira vez. “Ela está toda empolgada, muito feliz, ansiosa pelo momento da encenação”, comentou, emocionada.
A menina, que atua na Sexta Estação — quando Verônica enxuga o rosto de Jesus —, acompanha os ensaios com entusiasmo. E, com a espontaneidade típica da infância, ela pontua que a experiência é leve, divertida e cheia de aprendizado. “Aprendi sobre amizade, amor, perdão. Fiz amigos”, contou, sem hesitar. Quando questionada sobre outro papel que gostaria de interpretar, ela responde com total segurança: “A Mãe de Jesus”.
Evangelização e formação
Preto Rezende, 66, presidente da Via Sacra de Planaltina, ressalta que o evento é um dos maiores do teatro ao ar livre do país. Com mais de três décadas de história, a vertente infantil da tradicional encenação nasceu do desejo de preparar gerações futuras para dar continuidade ao trabalho iniciado por adultos. E deu certo. Ele se emociona ao contar que o ator que atualmente interpreta Jesus no Morro da Capelinha começou ainda criança, como apóstolo na encenação infantil. “A gente pensou nesse intuito de formar quem iria nos substituir. E hoje, vemos isso acontecendo”, relata com orgulho.
Diretor de encenação do grupo Via Sacra da Criança, Leandro Lira, 38, também celebra o crescimento do projeto e o engajamento dos pequenos atores. “As crianças não são trabalhosas. Pelo contrário, são focadas, disciplinadas e vêm com o coração aberto para aprender”, destaca. A iniciativa, que une evangelização, arte e cultura, também exerce uma função social importante. “Temos muitas crianças com deficiência. A Via Sacra da Criança proporciona socialização, inclusão e transformação por meio da arte”, afirma Leandro.
Por Carlos Silva do Correio Braziliense
Foto: Carlos Silva/CB/D.A.Press – Divulgação/Via Sacra / Reprodução Correio Braziliense