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Uso excessivo de analgésico agrava enxaqueca por reconfigurar o cérebro

O uso excessivo de analgésicos reconfigura a estrutura e o funcionamento do cérebro...

O uso excessivo de analgésicos reconfigura a estrutura e o funcionamento do cérebro em pacientes com enxaqueca crônica, segundo um estudo com ressonância magnética de ultra-alta resolução (sete teslas). Publicado na revista The Journal of Headache and Pain, a pesquisa sugere que, além de perpetuar as dores de cabeça, o abuso de medicamentos provoca alterações mensuráveis no volume, na conectividade e na atividade cerebral. 

O estudo foi conduzido por pesquisadores chineses da Universidade Médica da Capital, em Pequim, e usou técnicas combinadas de neuroimagem — incluindo ressonância estrutural, de difusão e funcional em estado de repouso — para mapear o impacto do consumo abusivo de analgésicos. O equipamento de sete teslas está presente em poucos centros de pesquisa do mundo e, segundo os autores, permite observar detalhes não detectáveis em aparelhos convencionais. 

“Os resultados mostram que o uso excessivo de medicamentos não é apenas um comportamento de alívio sintomático: ele está ligado a mudanças detectáveis na anatomia e na atividade cerebral”, explicou, em nota, o neurologista Chuanming Wang, autor principal do artigo. No estudo, foram analisados dados de 25 pacientes com enxaqueca crônica e cefaleia por uso excessivo de medicamentos; 19 pessoas que têm dores de cabeça frequentes, mas não abusam de remédios, e de 19 indivíduos saudáveis. 

Sensibilidade

Ao compará-los, os pesquisadores descobriram que os pacientes do primeiro grupo têm menor volume de massa cinzenta no giro parahipocampal e no giro occipital médio — regiões envolvidas, respectivamente, com memória e processamento visual. A redução pode ajudar a explicar porque pessoas com enxaqueca crônica e abuso de medicamentos relatam mais dificuldades cognitivas e sensibilidade visual exacerbada. “Essas áreas podem sofrer atrofia devido ao ciclo vicioso entre dor, automedicação e alterações neurobiológicas subsequentes”, disse Wang.

A equipe também observou que pacientes que usam muitos analgésicos têm menor integridade da substância branca, particularmente no feixe do cíngulo esquerdo — uma estrutura que conecta áreas do cérebro ligadas à regulação emocional e ao controle cognitivo. “Essa é uma pista importante, porque sugere que o uso excessivo de analgésicos pode enfraquecer circuitos associados à tomada de decisão e ao controle de impulsos, perpetuando o comportamento de abuso medicamentoso”, explica a neurologista Ying Liu, pesquisadora da Faculdade de Medicina Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e coautora do artigo.

Outra descoberta relevante, segundo os pesquisadores, refere-se à atividade espontânea do putâmen, uma região dos núcleos da base relacionada à motivação e ao controle motor. Pacientes com uso excessivo de medicamentos têm menor ativação nessa área em comparação aos demais. “Quanto mais frequentemente a pessoa usava analgésicos, menor era essa atividade”, explica Liu. 

Compensação

Paradoxalmente, o mesmo grupo mostrou aumento na conectividade funcional entre o putâmen e regiões como o lobo frontal, cíngulo médio, giro lingual e precuneus. Em outras palavras, enquanto a região central mostrava sinais de hipoatividade, ela também estava mais “conectada” com outras partes do cérebro. “Esse padrão sugere uma reconfiguração compensatória dos circuitos neuronais, possivelmente como tentativa do cérebro de lidar com estímulos dolorosos constantes e o uso repetitivo de medicamentos”, destaca Liu.

O estudo reforça a necessidade de abordar o uso excessivo de analgésicos como uma questão neurológica e não apenas comportamental, defende Chuanming Wang. “Hoje, sabemos que o abuso de remédios é uma condição que provoca mudanças reais no cérebro. O tratamento precisa considerar isso, com estratégias que combinem desintoxicação medicamentosa, acompanhamento psicológico e técnicas de neuromodulação”, afirma.

Embora a pesquisa não tenha acompanhado a reversão das alterações após a suspensão do uso abusivo de medicamentos, estudos anteriores sugerem que pelo menos parte das mudanças pode ser parcialmente revertida com tratamento adequado. Os autores destacam que a pesquisa deve servir de alerta tanto para médicos quanto para pacientes. 

“O abuso de analgésicos pode parecer uma solução de curto prazo, mas traz consequências profundas e duradouras para o cérebro”, diz Liu. “Esperamos que nossos resultados contribuam para políticas de saúde pública e protocolos clínicos mais efetivos no manejo da enxaqueca crônica que abusam de medicamentos”, concluiu Wang.

Biomarcador diagnóstico

“Analgésicos não tratam a enxaqueca de forma efetiva e, quanto mais remédios você toma, menos eles funcionam e mais dor você sente. É um quadro conhecido como cefaleia por uso excessivo de medicamentos. A pesquisa publicada no Journal of Headache and Pain fornece evidências sobre os mecanismos envolvidos na cefaleia por uso excessivo de medicamentos, sugerindo que disfunções no putâmen direito podem contribuir com as crises e com a dependência de analgésicos. Isso também indica que o funcionamento do putâmen pode servir como um biomarcador no diagnóstico e tratamento desse tipo de cefaleia” 

Tiago de Paula, neurologista especialista em Cefaleia, membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC).

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense       

Foto: Pexels/Divulgação 

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