A inclusão do ministro Alexandre de Moraes, pelo governo do presidente Donald Trump na lista de pessoas sancionadas pela Lei Magnitsky, foi entendida pelos Três Poderes da Republica como um ataque à soberania brasileira. Por meio de notas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), frisaram que a agressão ao magistrado é inaceitável. Mais: como as instituições brasileiras atuam de forma independente, sem que um Poder se imiscua no outro, é inconcebível que uma nação estrangeira tente fazer do Estado brasileiro uma entidade submissa a pressões e desígnios equivocados.
A nota do STF deixa claro que a Corte não cederá a nenhuma pressão no julgamento de Jair Bolsonaro e de outros réus na trama golpista, que tentou impedir a posse de Lula, em 2022. A observação faz referência ao fato de que, entre as justificativas do governo norte-americano para enquadrar Moraes na Magnitsky, está citado o fato de que o ex-presidente e seus seguidores estariam sofrendo uma “caça às bruxas”.
O STF destaca que “o julgamento de crimes que implicam atentado grave à democracia brasileira é de exclusiva competência da Justiça do país, no exercício independente do seu papel constitucional”. Acrescenta que “encontra-se em curso, perante o Tribunal, ação penal em que o Procurador-Geral da República imputou a um conjunto de pessoas, inclusive a um ex-presidente da República, uma série de crimes, entre eles, o de golpe de Estado”.
Segundo a Corte, “todas as decisões tomadas pelo relator do processo foram confirmadas pelo colegiado competente [1ª Turma do STF, onde Bolsonaro e os golpistas estão sendo julgados]. O Supremo Tribunal Federal não se desviará do seu papel de cumprir a Constituição e as leis do país, que asseguram a todos os envolvidos o devido processo legal e um julgamento justo”. E conclui frisando que “oTribunal manifesta solidariedade ao ministro Alexandre de Moraes”.
À saída do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, comentou a nota de apoio a Moraes e afirmou que a tomada de posição teve o cuidado de não aprofunda a crise com os EUA.”É uma nota tão sóbria quanto possível. A nossa preocupação não é escalar um conflito. Pelo contrário. Acho que o conflito faz mal para o país. Portanto, é uma nota que esclarece que o Supremo cumpriu seu papel dentro da Constituição e das leis, com o devido processo legal”, explicou.
Moraes não tem nenhuma conta bancária ou bem imóvel no território norte-americano, que poderiam ser alcançados pela Magnitsky. Além disso, ele está com o visto de entrada nos Estados Unidos vencido há dois anos. Mas, mesmo assim, em 19 de julho, o Departamento de Estado suspendeu a permissão dele e de mais sete integrantes da Corte de entrarem nos EUA.
A sanção ao ministro tem validade imediata, a partir da inclusão na lista da lei. As transações financeiras quer Moraes corre risco de ser impedido de fazer incluem as realizadas com instituições bancárias, operadoras de cartão, empresas de tecnologia e plataformas de redes sociais. Embora a Magnitsky não tenha validade jurídica no Brasil, instituições financeiras brasileiras com operações ou vínculos com bandeiras de cartão de crédito norte-americanas podem encerrar relações com Moraes para evitar penalidades secundárias.
Ao anunciar a sanção a Moraes, o secretário de Estado, Marco Rubio, em publicação no X (antigo Twitter) disse que tratava-se de uma advertência ao ministro. “Que este seja um aviso para aqueles que atropelam os direitos fundamentais de seus compatriotas— as togas judiciais não podem protegê-los”, salientou, em tom ameaçador.
Já o secretário do Tesouro, Scott Bessent, foi mais além e disse que o magistrado era responsável por um processo de “censura” no Brasil. “Moraes responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”, observou.
Defesa
Lula saiu em defesa de Moraes: “O Brasil é um país soberano e democrático, que respeita os direitos humanos e a independência entre os Poderes. Um país que defende o multilateralismo e a convivência harmoniosa entre as Nações, o que tem garantido a força da nossa economia e a autonomia da nossa política externa. É inaceitável a interferência do governo norte-americano na Justiça brasileira. O governo brasileiro considera injustificável o uso de argumentos políticos para validar as medidas comerciais anunciadas pelo governo norte-americano contra as exportações brasileiras. O Brasil tem acumulado nas últimas décadas um significativo déficit comercial em bens e serviços com os Estados Unidos. A motivação política das medidas contra o Brasil atenta contra a soberania nacional e a própria relação histórica entre os dois países. O Brasil segue disposto a negociar aspectos comerciais da relação com os Estados Unidos, mas não abrirá mão dos instrumentos de defesa do país previstos em sua legislação. Nossa economia está cada vez mais integrada aos principais mercados e parceiros internacionais”, disse.
Antes da manifestação conjunta do STF, o único ministro a publicar apoio a Moraes foi Flávio Dino. “Minha solidariedade pessoal ao ministro Alexandre de Moraes. Ele está apenas fazendo o seu trabalho, de modo honesto e dedicado, conforme a Constituição do Brasil. E as suas decisões são julgadas e confirmadas pelo Colegiado competente (Plenário ou 1ª Turma do STF). Lembro a Bíblia — ‘Isaías 32: …o homem nobre faz planos nobres, e graças aos seus feitos nobres permanece firme”, escreveu, na conta que mantém no Instagram.
Em publicação no X, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), repudiou o uso da Magnitsky, apesar de não citar Moraes ou a lei. “A democracia brasileira é sustentada por Três Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — que devem atuar com independência e harmonia, como estabelece a Constituição. Como país soberano, não podemos apoiar nenhum tipo de sanção por parte de nações estrangeiras dirigida a membros de qualquer Poder constituído da República. Isso vale para todos os parlamentares, membros do Executivo e ministros dos Tribunais Superiores. Reafirmo que a Câmara dos Deputados será sempre espaço de diálogo e equilíbrio na defesa da institucionalidade e do Brasil, sobretudo em tempos desafiadores”, diz o texto. O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP, não se manifestou.
Arbitrariedade
Da parte do governo federal, as manifestações de apoio ao ministro foram de caráter pessoal, mas todos ressaltando a agressão à soberania brasileira por parte do governo Trump. O advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, divulgou nota afirmando que a aplicação da Magnitsky é “arbitrária e injustificável” e representa “um grave e inaceitável ataque à soberania do nosso país”. Afirmou, ainda, que o governo adotará “todas as medidas adequadas” para salvaguardar a autonomia do Judiciário brasileiro.
“A existência de uma Justiça independente é pilar essencial de qualquer democracia e nós, brasileiros, jamais admitiremos sofrer assédio político contra quem aqui cumpre seu dever constitucional. Não nos curvaremos a pressões ilegítimas, que tentam macular a honra e diminuir a grandeza de nossa nação soberana. (…) Soberania não se negocia!”, frisa Messias.
A ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, classificou o ato contra Moraes como “violento e arrogante”. Para ela, a medida seria resultado de um esforço da família Bolsonaro para descredibilizar instituições brasileiras. “Mais um capítulo da traição da família Bolsonaro ao país. Nenhuma nação pode se intrometer no Poder Judiciário de outra”, escreveu.
Outros ministros — como o a Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo; o de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho; e do Previdência Social, Wolney Queiroz — também emitiram notas se solidarizando a Moraes.
O que é a Lei Magnitsky
É uma legislação dos Estados Unidos que permite ao governo norte-americano impor sanções a indivíduos estrangeiros acusados de corrupção ou de graves violações de direitos humanos em qualquer parte do mundo. Alei foi criada em 2012 para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que investigou um grande esquema de corrupção. Ele foi preso, torturado e mortona prisão de Butyrka, em Moscou, após denunciar o caso e ficar 358 dias detido.
Em 2016, o alcance da lei foi ampliado, transformando-a em uma ferramenta global. Desde então, a lei é usada como um instrumento de política externa pelos EUA para pressionar governos e autoridades ao redor do mundo.
Entre as sanções da Magnitsky estão: 1) Congelamento de bens — Todos os ativos da pessoa nos EUA ou sob a jurisdição americana são bloqueados; Proibição de viagens — A pessoa é impedida de entrar no território norte-americano; e 3) Restrições financeiras e comerciais — Cidadãos e empresas americanas são proibidos de realizar transações financeiras ou comerciais com a pessoa sancionada. Isso pode incluir o uso de serviços bancários, plataformas digitais e até mesmo cartões de crédito emitidos por empresas sediadas nos EUA.
A aplicação da Magnitsky não depende de um processo judicial. A decisão de impor as sanções é uma medida administrativa da Casa Branca, por meio dos departamentos do Tesouro e de Estado.
Vários países, incluindo o Reino Unido, Canadá e membros da União Europeia, criaram legislações semelhantes.
Alguns dos enquadrados na Lei Magnitsky
Primeiro Comando da Capital (PCC) — facção criminosa transnacional, criada nos presídios de São Paulo;
Ciro Daniel Amorim Ferreira — acusado de chefiar um grupo supremacista branco no Brasil;
Horacio Cartes — o ex-presidente do Paraguai e suas empresas são acusados de corrupção e de atacar as instituições democráticas do país;
Emmerson Mnangagwa — presidente do Zimbábue, acusado de envolvimento com redes de contrabando de ouro e diamantes;
Harry Varney Gboto-Nambi Sherman — político da Libéria, acusado de oferecer subornos a juízes envolvidos em seu julgamento por um esquema de suborno;
Ly Yong Phat — empresário do Camboja acusado de graves abusos contra os direitos humanos relacionados ao tratamento de trabalhadores traficados e submetidos a trabalho forçado em centros de golpes on-line;
Ramzan Kadyrov — chefe checheno acusado de abusos contra os direitos humanos;
Wan Kuok Koi — acusado de chefiar uma das maiores organizações criminosas chinesas do mundo, envolvida em tráfico de drogas, jogos de azar ilegais, extorsão, tráfico de drogas;
Yahya Jammeh — ex-presidente da Gâmbia é acusado de tortura, assassinatos políticos e outras violações de direitos humanos em seu regime;
Ángel Rondón Rijo — empresário e lobista dominicano foi sancionado por envolvimento em corrupção, atuando como operador financeiro da então construtora Odebrecht e direcionando propinas a funcionários dominicanos em troca de projetos;
Min Aung Hlaing — comandante-chefe das Forças Armadas de Mianmar é acusado de perseguição à minoria Rohingya e a repressão violenta contra manifestantes pró-democracia;
Carrie Lam — ex-chefe do Executivo de Hong Kong foi sancionada por restringir liberdades civis;
Elena Anatolievna Lenskaya — juíza russa foi sancionada por ter ordenado a prisão preventiva de um opositor do regime de Vladimir Putin que denunciou crimes de guerra cometidos pela Rússia na Ucrânia.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Fellipe Sampaio /STF