Empossado para o biênio 2025-2027, o ministro Edson Fachin assume a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) com o desafio de conduzir processos de grande impacto social, além de pacificar os Poderes e frear os ataques à Corte por parte do governo dos Estados Unidos. Na avaliação de especialistas, a expectativa é de que, no cargo, o magistrado tente tirar o Supremo dos holofotes. O perfil discreto e ponderado também pode ser positivo diante da polarização política às vésperas das eleições presidenciais de 2026.
Fachin assume o comando do STF com um acervo de 3.135 processos sob sua responsabilidade. A maior parte é composta por recursos extraordinários, que somam 2.966 processos. Esses podem ser redistribuídos aos demais ministros, caso sejam aceitos. Outros 169 processos já iniciaram tramitação no STF e também aguardam análise da presidência.
Outro desafio é conduzir julgamentos sobre temas de grande impacto social e econômico, como o trabalho por aplicativos, a chamada “uberização”, que começou na semana passada. Na primeira semana como presidente da Corte, foi encerrada a fase de apresentação de argumentos por partes e terceiros interessados nas duas ações que discutem a natureza da relação de trabalho entre plataformas.
Após as manifestações, a análise foi suspensa. O ministro Edson Fachin afirmou que agendará a continuidade do julgamento em cerca de 30 dias, para que os integrantes do colegiado tenham tempo para refletir sobre os argumentos apresentados.
O analista político Melillo Dinis destaca o perfil discreto do novo presidente do STF como essencial para o tempo de polarização política e ataques ao Judiciário. “Ele tem muitos desafios. O primeiro é conseguir dar uma relativa tranquilidade para os trabalhos da Corte. Acompanhamos todo o período, especialmente final, da ministra Rosa Weber e todo início e gestão do ministro Luís Roberto Barroso. Foram tempos turbulentos — e, ao mesmo tempo, de muita exposição do Supremo Tribunal Federal”, ressalta.
Segundo Dinis, Fachin deve fazer uma tentativa de aproximar e criar pontes entre os Poderes. “Esse diálogo será firme e, ao mesmo tempo, objetivo, com decisões tomadas na perspectiva mais da Constituição do que da política. O outro aspecto é que o jeito afável dele pode dar uma maior unidade à Corte”, diz.
O STF deve continuar o andamento das ações de acusados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 — que culminaram na depredação dos prédios dos Três Poderes —, além de processos relacionados às emendas parlamentares e à lei da anistia.
Em seu discurso de posse, Fachin deu uma indireta sobre as discussões por anistia: “Em momento algum, titubearemos no controle de constitucionalidade de lei ou emenda que afronte a Constituição, os direitos fundamentais e a ordem democrática”. Ele ressaltou que “o país precisa de previsibilidade nas relações jurídicas e confiança entre os Poderes”. “Separação de Poderes não autoriza nenhum deles a atuar se distanciando do bem comum. Jamais deixaremos de dialogar com os Poderes e com a sociedade”, concluiu.
O novo presidente do Supremo também prometeu abordar pautas consideradas progressistas, como a superlotação carcerária, o racismo e a misoginia. Fachin ainda terá de enfrentar a ofensiva dos Estados Unidos contra o Supremo. No mês passado, em nova etapa das represálias ao país devido às punições e a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram revogados os vistos de entrada do advogado-geral da União, Jorge Messias, e de outras seis pessoas.
A gestão de Donald Trump sancionou a advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, além de outros integrantes da Corte, com base na Lei Global Magnitsky. No país, o STF também está sob a mira da oposição no Congresso. O grupo tenta limitar as atribuições do tribunal e ameaça avançar com pedidos de impeachment contra os ministros.
Para o advogado Leonardo Briganti, Fachin assume a presidência da Corte em um dos momentos mais turbulentos da sua história. “Procedente ou não, é constante a discussão de limitações às decisões monocráticas, discussões sobre excessos das decisões, impedimento de ministros e, mais recentemente, sobre as sanções que estes sofrem e podem sofrer por iniciativa de país estrangeiro, mais notadamente aplicação das sanções da Magnistsky”, observa.
“É nesse contexto que o novo presidente do Supremo Tribunal se encontra e, fatalmente, torna ainda mais desafiador o exercício de tal função, a começar por sua capacidade de convencer seus pares a saírem da cena política, da exposição midiática, vertendo seus comentários, exclusivamente, para os autos dos processos. Talvez este seja o maior desafio do ministro: compatibilizar seu perfil discreto com pares que comentam temas e situações por redes sociais ou outros meios de comunicação”, completa Briganti.
O advogado Luciano Ramos Volk avalia que Fachin inaugura um novo ciclo de liderança em um momento de alta complexidade institucional. “Após uma década de transformações intensas na relação entre os Poderes, a Corte chega ao biênio 2025-2027 diante de múltiplos desafios: reconstrução de confiança pública, gestão de grandes temas de repercussão nacional e consolidação de um equilíbrio delicado entre técnica jurídica e pressão política”, diz.
Volk destaca a trajetória pessoal e profissional de Fachin — marcada pela combinação entre densidade acadêmica, atuação social e rigor técnico. “Isso permite antever uma presidência de caráter institucionalista, reflexivo e prudente, mas também capaz de firmeza nos temas que tocam a integridade da Constituição”, elogia.
O advogado Wilton Gomes partilha do mesmo entendimento. “Em seu próprio discurso de posse, o novo presidente fez questão de consignar quais serão suas prioridades: alimentar a confiança pública no Judiciário, resultante da busca pela segurança jurídica como base das determinações judiciais; preocupações com valores atrelados à sustentabilidade, igualdade e respeito à pluralidade e diversidade; a transformação digital contribuindo para aumentar o acesso da população ao Judiciário; e, também, a celeridade nas decisões necessárias para o bom andamento do país e das instituições”, conclui.
Perfil
Antes do Supremo, Luiz Edson Fachin atuou como advogado, procurador jurídico, procurador-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e procurador do Estado do Paraná. Formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fachin tem mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorado no Canadá. Foi professor titular de direito civil da UFPR de 1999 até sua nomeação para o STF, em 2015. Foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de fevereiro a agosto de 2022.
Indicado pela então presidente Dilma Rousseff, Fachin enfrentou uma das mais longas e duras sabatinas no Senado. Foram 11 horas de audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde ele foi aprovado por 20 votos favoráveis e sete contrários. Ele ocupou a vaga deixada por Joaquim Barbosa. Na ocasião, tentou se descolar de suposto vínculo com o PT.
Na vida pessoal, Edson Fachin é discreto, mas costuma exaltar a família, sempre que tem oportunidade. Ele também não esconde a origem humilde e o fato de ter começado a trabalhar cedo.
“Como tantas mulheres brasileiras, minha mãe contou com a educação como caminho de transformação. Fui para a cidade grande estudar, sem passagem de volta. E, hoje, estou aqui. Da escola rural em que recebi das mãos de minha mãe as primeiras letras ao me alfabetizar, guardo o melhor da minha formação: a fidúcia e o compromisso”, disse durante o discurso de posse da presidência do STF.
Saiba quais são as pautas que devem marcar o STF nos próximos dois anos
- Trama golpista
O julgamento sobre a denúncia que investiga a tentativa de golpe de Estado para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder ocorre na Primeira Turma do STF. No entanto, no papel de presidente da Corte, Fachin deve trabalhar para garantir o apoio institucional ao andamento dos processos.
- Denúncia contra Eduardo Bolsonaro
O filho do ex-presidente é suspeito dos crimes de coação no curso do processo e obstrução de investigação. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, solicitou ao STF a apuração de uma suposta atuação do político para incitar o governo dos Estados Unidos a adotar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes no país.
- 8 de janeiro
O STF também segue analisando ações de acusados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 — que culminaram na depredação dos prédios dos Três Poderes.
- Uberização
O julgamento discute o reconhecimento de vínculo trabalhista entre motoristas, entregadores e plataformas digitais. O STF analisa dois processos. O primeiro é uma ação da Rappi Brasil, que questiona decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculo com um entregador. O segundo é da Uber Brasil, contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que estabeleceu a relação de emprego com um motorista.
- Emendas parlamentares
Outro desafio do novo presidente será lidar com os processos que discutem a execução de emendas parlamentares. O relator é o ministro Flávio Dino, que solicitou os pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da PGR.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Rosinei Coutinho/STF