Tetraplégica desde os 10 anos, Letruska Antunes, 46, encontrou na arte, uma forma de superar as limitações físicas que a vida lhe impôs. A pintora utiliza a boca para segurar os pincéis e pintar seus quadros. Mesmo com uma lesão medular grave, conseguiu realizar sonhos e ser reconhecida pelo seu trabalho. Na última sexta-feira, a exposição Letruska: Expressão, vida e arte contou com 22 de suas obras, que estão na ala térrea do Hospital Sarah, na Asa Sul. Em seus quadros, é possível perceber que a artista expressa, com ternura, a paixão que tem pela vida.
Letruska, ou Tuka, como é chamada pela equipe, pinta desde os 15 anos. Ela começou a participar de oficinas de pintura durante o processo de reabilitação no hospital, Tuka afirma que a pintura foi o método que encontrou para representar como enxerga a vida. “Pintar é um momento único, uma terapia. Esqueço dos meus problemas e consigo sentir Deus enquanto estou pintando”, diz. Em suas obras, sempre procura representar seus sentimentos utilizando a natureza.
Atualmente, ela também participa do projeto Arte e Reabilitação do hospital Sarah. A neurocientista Lúcia Willadino Braga, presidente da rede Sarah, explica como funciona esse método de reabilitação. “Nós trabalhamos como uma reabilitação ecológica, uma metodologia que foge um pouco da clínica e foca em atividades que o paciente pode levar para o cotidiano”, comenta. Lúcia acredita que esse iniciativa permite que os pacientes consigam se expressar e explorar novas capacidades físicas e mentais utilizando a arte.
Inspiração
Ao longo de três décadas, Letruska pintou inúmeros quadros. O seu primeiro, uma pizza de calabresa, representa uma meta quase impossível que foi atingida. “Eu nunca tinha pintado nada e pensava que não iria conseguir fazer. Quando o vi pronto, me deu muito orgulho. Foi uma realização muito grande”, afirma. As pinturas, que começaram como um exercício de reabilitação e terapia, se transformaram em profissão. Atualmente, ela integra a equipe de funcionários do Grupo Pintores de Boca — organização criada pelo pintor alemão Erich Stegmann, que também pintava segurando os pincéis com a boca, em 1956 — e recebe um salário pelas obras produzidas.
A principal “musa” para sua arte é a natureza, sempre muito coloridas e ricas em detalhes, as telas pintadas por Letruska são como uma extensão de seus sentimentos. À reportagem, ela explica que foi uma escolha poética utilizar bastante cores, que é desse modo que decidiu levar a vida. “Enxergo a minha vida com muitas cores. Uma das coisas que mais amo fazer é misturar as cores e colocar na minha arte. Faço isso para mostrar como amo estar viva”, ressalta.
O talento descoberto por Tuka é exemplo para outros pacientes do hospital. Fernando Scatolin, coordenador do Programa de Neurorreabilitação em Lesão Medular da instituição, afirma que a arte possui um papel fundamental para na recuperação da autoconfiança dos pacientes. “Esse processo é sobre enxergar os potenciais remanescentes do paciente. Não focamos no que foi perdido, e sim no que aquele paciente tem de potencial para o futuro”, disse.
Professora de artes do projeto, Mirelle Viana explica que, assim como Letruska, outros pacientes podem experienciar vivências que os ajudam no processo de recuperação. “A intenção é apresentar novas técnicas e reflexões para essas pessoas. Mostramos experiências de outros pacientes para inspirar essas pessoas”, comentou. O projeto tem um amplo escopo, sendo realizado de acordo com os interesses e aptidões de cada paciente, podendo integrá-los à artes plásticas, literatura, fotografia, filmagens e outras.
Reencontro
A sessão de abertura da exposição, que teve organização da própria pintora, contou com uma presença muito especial, o ex-presidente José Sarney, que sempre esteve presente na vida de Letruska. “Ele me conheceu quando cheguei ao hospital. Desde então, é como se ele fosse um pai”, comenta. Na exposição, o reencontro emocionou a pintora. “As palavras que ele me disse foram maravilhosas. Ele é uma pessoa muito querida por mim e foi muito importante a presença dele”, afirma a artista.
No último fim de semana, ela terminou de pintar quatro quadros que irão para a Suíça. Atualmente, se define como uma artista realizada, entretanto, não pensa em parar por agora. “Hoje posso falar que sou uma profissional, ter meu trabalho reconhecido e comentado é muito lindo”, garante. Com os olhos brilhando de orgulho, enquanto contava sobre suas obras, Letruska tem uma mensagem que gostaria de enviar para o mundo todo. “Nunca deixe de acreditar, os sonhos sempre podem se realizar”. Como principal objetivo para o futuro, Letruska espera realizar várias outras exposições.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press