Natural de Caruaru (PE), o ministro Wolney Queiroz costuma acordar com o cantar dos passarinhos quando está em seu sítio no interior pernambucano. Em Brasília, estranhou que, às 5h30, ainda esteja escuro na capital federal. Essas observações sobre o tempo ficaram muito claras assim que ele assumiu o Ministério da Previdência em maio. “Foram dias terríveis”, lembra Queiroz, que chegava tarde e saía cedo de casa para conter o escândalo da fraude do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) investigada na Operação sem Desconto da Polícia Federal.
Três meses depois, em meio à “operação gigante” para devolver o dinheiro roubado, até o momento, a 1,650 milhão de aposentados, o ministro se julga preparado para enfrentar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, que teve o relator definido na sexta-feira, o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO). A presidência do colegiado será do senador Omar Aziz (PSD-AM).
“Estou preocupado com o cenário político, que possa contaminar a CPMI. Mas estou animado do ponto de vista de que nós temos uma boa história para contar, favorável ao governo”, diz. Ele considera fundamental defender o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, em sua visão, é injustamente acusado de responsabilidade pelo escândalo dos saques indevidos de R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024 das contas de beneficiários, conforme investigações da PF e da Controladoria-Geral da União (CGU).
Queiroz também está otimista com outros avanços na pasta. Comemora a chegada de 500 médicos peritos, que, a partir de setembro, ajudarão a reduzir a fila para a concessão de benefícios. E quer mudar a imagem da Previdência, a fim de convencer os brasileiros mais jovens a contribuírem para um sistema de aposentadoria sólido e confiável. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista e confira no vídeo a íntegra:
Em que pé está agora a restituição dos valores das fraudes no INSS?
Hoje, 1,650 milhão de aposentados e pensionistas já receberam efetivamente tudo o que foi descontado deles. Nos últimos dias, superamos a marca de R$ 1 bilhão pagos. Não é pouca coisa. Esse contingente representa 75% dos aptos a receber. Ressarcir 1,650 milhão de aposentados, em parcela única, corrigido pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), significa uma operação gigante. É uma vitória.
Como o senhor avalia a participação dos aposentados nesse processo?
Das pessoas que entraram em contato para fazer ressarcimento, 28% o fizeram presencialmente nas agências dos Correios. De tudo que vi até agora, foi a coisa mais importante. Vamos ter que mudar a visão atual, para o que o povo está nos ensinando. Ele não quer saber do canal 135, não quer o aplicativo do Meu INSS. Ele quer apertar a mão.
Então, o aposentado prefere o contato pessoal porque quer mais segurança?
É segurança, sim. Mas também interação social, para falar de assuntos gerais com outras pessoas na mesma situação. A mensagem desse percentual de pessoas nas agências dos Correios mostra que o atendimento presencial tem que ser revisto no INSS. Eu já falei com o Gilberto (Waller Jr., presidente do INSS), e ele teve essa mesma sensação. E isso vai ter que mudar. Teremos de fazer algo estrutural.
Por quê?
As agências do INSS e da Previdência Social são enormes, porque comportavam um tamanho maior de servidores. O INSS já teve 40 mil servidores, quando foi criado, há 35 anos. Hoje, tem menos de 20 mil. Ele atendia a 20 milhões de pessoas e, hoje, paga 40 milhões de benefícios. Tinha 6,5 mil peritos médicos, e, agora, tem 3 mil. Na minha cidade, Caruaru, o INSS tem um prédio de quatro andares. Só funciona no térreo. No primeiro andar, tem um auditório. E o resto da agência não tem mais pessoas para ocupar. E isso, em muitas agências, é a realidade. Outras estão simplesmente desativadas. Temos de rever esse modelo.
Qual seria o modelo ideal?
Se fosse para começar do zero, optaríamos por pequenas estruturas, modernas, funcionais, confortáveis. Colocaríamos alguns caixas eletrônicos e uns totens para as pessoas tirarem dúvidas, e um pequeno grupo de funcionários que fizessem o atendimento presencial.
E isso está sendo discutido no âmbito do ministério?
Isso é uma conclusão a que estamos chegando agora, com a parceria com os Correios.
O seu pai também foi lesado pelas fraudes no INSS?
Foi meu sogro. E ele já recebeu o ressarcimento dele. Foram R$ 1.035. Ele não sabia que tinha sido vítima. E eu perguntei para ele se ele já tinha sido descontado e foi olhar e descobriu.
Deve ter muita gente nessa mesma situação.
Nove milhões de pessoas tiveram descontos (ilegais) de algum valor em algum período. E 5,6 milhões acessaram o sistema do INSS para saber o que está se passando. Então, tem um contingente de, pelo menos, 3,4 milhões de pessoas ainda hoje que não sabem nem triscaram no assunto. Elas não entraram no aplicativo, não foram à agência nem ligaram no 135. Elas simplesmente ou não sabem ou não tiveram interesse de procurar para saber.
O que vai ser feito com esses casos em que a associação diz que houve autorização para o desconto, mas o segurado nega?
Nós vamos, com ajuda da Advocacia-Geral da União (AGU), procurar um ambiente jurídico, para poder fazer uma espécie de perícia, uma análise mais aprofundada desses casos. Não dá para colocar um software para fazer a verificação. Estou tranquilo, porque a parte mais difícil já conseguimos, que é começar a pagar os reembolsos. O governo não tem interesse em segurar o ressarcimento. Ele quer devolver o dinheiro a quem tem direito.
Qual a expectativa em relação à CPMI do INSS? Como o senhor vai trabalhar?
Bem, primeiro, vamos abrir todos os dados do ministério. Estamos nos preparando, ao longo desse período, para disponibilizar todos os dados que a CPI requisitar. É nosso dever constitucional e institucional fornecer as informações, mas pode ser feito com má vontade ou com boa vontade. Será feito com boa vontade. Queremos elucidar, dar transparência. O que for necessário para colaborar com o inquérito parlamentar, nós vamos fazer. Nós temos uma boa história para contar. Todos os sindicatos estão sendo investigados. Todas as associações tiveram os ACTs (Acordos de Cooperação Técnica) suspensos, e todos os dirigentes delas serão investigados.
O que precisa mudar nessa relação entre aposentados e associações?
Eu defendo que, se, que se for restabelecido o desconto em folha, deve haver o critério de revalidação (do contrato). E, com biometria, o que a gente já estabeleceu. Depois, tem de haver a aprovação anual, porque o aposentado pode querer fazer (a adesão) hoje, mas, depois, pode não querer mais. Então é preciso, um ano depois, ele voltar ao sindicato ou associação para dizer que continua querendo.
Não seria mais fácil deixar que o próprio aposentado decida e ele pague por conta dele sem necessariamente via desconto em folha?
Esse é um caminho.
O senhor considera que está claro para a população que esse escândalo não tem a ver diretamente com o governo Lula? A opinião pública entende desse jeito?
Não. Acho que continua sendo necessário esse esclarecimento. É muito injusto para o presidente Lula ter sido apontado como o responsável pela fraude ao INSS ou aos aposentados, porque não é nem o INSS mesmo que foi fraudado. Quem foi fraudado, roubado, foi o aposentado. Tenho procurado sempre fazer essa diferenciação, porque vem à tona um conceito de defesa da Previdência Social e do INSS. E eles precisam ser defendidos porque a Previdência é um sistema de proteção social único no mundo, com esse tamanho. E, para funcionar, tem que ter credibilidade. E para ter credibilidade, precisa ser bem entendido.
É preciso aprender a valorizar a Previdência?
Não existe uma educação previdenciária no Brasil. Precisamos explicar o sistema e reforçar a credibilidade dele. Porque essa credibilidade de que há um sistema robusto, sólido, permanente, perene, vai fazer o jovem brasileiro se sentir estimulado a contribuir com esse sistema. Principalmente hoje em dia, com esse negócio de Microempreendedor Individual (MEI), que todo mundo se acha empreendedor. Atualmente, a pessoa quer só resolver o seu mês, e não o MEI. As pessoas querem resolver o problema do momento. Só que, tem uma hora que ele vai precisar ter alguém por ele. Se o governo não se preocupar com isso, fatalmente, vai ter que se preparar para receber todo esse contingente na assistência social. Ou seja, eles não vão pagar nada durante a vida e, quando tiver um momento de necessidade, eles vão ter que ir para a assistência social receber um salário mínimo, no BPC, no Bolsa Família, qualquer coisa.
Voltando à CPI, qual a sua avaliação sobre o ex-ministro Carlos Lupi e o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto, que foram afastados do cargo após o escândalo?
Eu não vou me referir aqui ao ex-presidente do INSS, porque acredito que ele será ouvido na CPMI, assim como o ex-ministro Lupi. Eles terão a oportunidade de se defender. Eu não tenho procuração de nenhum dos dois para defendê-los. O Stefanutto, eu o conheci quando ele chegou para ser o presidente do INSS. O ex-ministro Lupi é alguém com quem eu lido há mais de 30 anos, porque eu tenho um partido só na minha vida. Ele também vai fazer sua defesa. E eu acredito plenamente na história dele. Mas considero muito injusto que isso seja debitado ao governo e ao INSS.
Por quê?
Primeiro, foi o governo que encontrou a fraude, que estancou os descontos e que devolveu o dinheiro. E, muito menos, o presidente da República deve ser responsabilizado pessoalmente nas pesquisas. Temos que tirar o INSS e a Previdência Social desse tipo de manchete, porque isso abala a credibilidade, o crédito da instituição de proteção social, que é o que devemos procurar cuidar. Eu tenho uma linha muito clara, hoje, de que foi um grupo que entrou no INSS, com os Acordos de Cooperação Técnica, e que, eventualmente, pode ter contado com a colaboração de funcionários do INSS.
Essas pessoas já foram identificadas e presas?
Tem um grupo que foi afastado das funções. As investigações prosseguem para que eles possam ser ou não responsabilizados. E isso não é, digamos, minha alçada. As pessoas me perguntam: quando é que alguém vai preso? Eu respondo: meu amigo, isso é com Andrei (Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal). Não é uma coisa que eu possa responder.
A Câmara vive um momento muito tenso, com a questão da anistia, o tarifaço, a discussão sobre a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Isso pode contaminar esse processo de início da CPMI?
Sim. Eu sempre tive preocupação com isso, desde a minha ida ao Senado. Eu tinha uma semana como ministro, e me perguntavam se eu era contra ou a favor da CPMI. Eu disse, olha, do ponto de vista do que é uma CPI, eu sempre sou a favor porque eu passei 24 anos defendendo a CPI, porque ela é um instrumento do Parlamento. Então, eu não posso, agora que estou no Executivo, dizer que ela não serve. Mas já vi CPIs muito ruins, que não chegaram a um objetivo, que foram improdutivas e até nefastas. E qual é a medida do ruim e do bom? É o ambiente político do momento. E o ambiente político do momento tem tudo para atrapalhar o que seria uma boa CPI, porque estamos vivendo em ambiente de guerra, belicista, beligerante, a primeira vítima vai ser a verdade. Então, vai ser muito difícil lidar com uma comissão parlamentar de inquérito num ambiente de tensionamento político que tem se escalado. E imagino que o clima lá na CPI vai ser muito tenso, muito pouco, digamos assim, litúrgico. A liturgia do Parlamento não parece que vai ser uma coisa ali presente na CPI, por conta, justamente, desse tensionamento.
Se já há um ambiente hostil nas comissões permanentes, como aconteceu com os ministros Marina Silva e Fernando Haddad, imagine em uma CPMI…
Pois é. Eu falei no Senado e falei na Câmara que a minha preocupação era que acontecesse isso. E, aí, você fica só numa disputa de narrativa. Esse processo vai paralisar uma parte do INSS, uma parte do ministério, para estar levantando documentos, respondendo, prestando atenção, assistindo a depoimento. E, no final das contas, você não vai efetivamente ter um ganho para sociedade. Por melhores que sejam os investigadores do Congresso, eu não me convenço de que algo será descoberto fora do que a CGU e do que a Polícia Federal já descobriram. O que pode haver é você trabalhar com esses dados de forma a divulgá-los mais para um lado, mais para o outro.
O escândalo mostrou um problema evidente com as associações. Qual é o plano para disciplinar isso, de modo a proteger o aposentado?
Eu vejo três caminhos hoje. Se eles forem cumpridos, conseguiremos blindar 99% das fraudes no ambiente atual. Se tivermos biometria no ato de se associar; revalidação anual; e uma fiscalização, por parte do INSS, do tipo de trabalho que é prestado pelas associações, pelo menos, essas fraudes vão desaparecer, porque você vai ter alguém fiscalizando.
Tudo isso pode ser feito no âmbito do ministério? Ou passa também pelo Legislativo?
O desconto em folha foi estabelecido em 1991, pelo Congresso Nacional. Se o governo quiser restabelecer o desconto em folha, hoje, ele pode. Não precisa consultar ninguém, porque já está previsto em lei. O que o INSS fez, por determinação do ministério, foi suspender todos os ACTs (Acordos de Cooperação Técnica). Ele pode restabelecer esses ACTs com outros critérios ou simplesmente não ter. Não vamos mais fazer e vai haver uma relação privada entre o associação e o associado ou aposentado que quiser se associar.
O Brasil está envelhecendo. Preocupam os números da Previdência?
Preocupam. Mas não podemos considerar o envelhecimento como uma coisa ruim. É uma conquista civilizatória. Algo muito bom, estamos vivendo mais.
Esse é um dos principais problemas do nosso sistema de Previdência. Hoje, tem cada vez mais aposentados recebendo por um período maior do que de contribuição. A conta não vai fechar nunca…
É verdade. Nós entendemos e temos essa preocupação com essa conta. É um desafio não só para o Brasil, mas para o mundo. Na tradição brasileira, existe um olhar mais humano. Tome-se, por exemplo, o SUS. Com essa complexidade e esse tamanho, só tem no Brasil. Esse olhar de proteção social precisa ser mantido. Mas nós precisamos encontrar uma fórmula que ele (o sistema previdenciário) se sustente. A fórmula que eu vejo, inicialmente, é incluir mais pessoas no mercado de trabalho formal para incrementar essa base de quem paga para quem já não pode trabalhar. Mas como fazer isso num ambiente onde cada vez mais as pessoas querem empreender individualmente? Ser celetista hoje está fora de moda. Ter carteira de trabalho, que antes era uma conquista, hoje está fora de moda.
Como atrair essas pessoas para o sistema de Previdência?
É um desafio para o governo. E eu quero encarar esse desafio; quero fazer propaganda da aposentadoria, do sistema previdenciário brasileiro. Mas, para fazer essa propaganda, primeiro tem que blindar esse sistema de fraudes e de corrupção. Isso é importante para que a pessoa se sinta atraída e pague para se aposentar lá na frente. Hoje, tem 60 milhões de pessoas que contribuem para se aposentar um dia. É preciso ter mais gente contribuindo para que ele possa ser mais longevo, com potência para pagar a aposentadoria. Eu não tenho ainda uma fórmula totalmente desenhada. Mas é uma prioridade minha deixar um desenho que possa ser um legado de sustentabilidade.
E as outras coisas do ministério? Concurso?
Só notícia boa, graças a Deus. Nossa, chega respirei agora (risos). Que alegria! A gente fez um concurso de perito médico federal aqui, depois de 15 anos. Conseguimos autorização para chamar os 500 peritos.
Quando eles começam a trabalhar?
Agora, em setembro. Eles virão fazer treinamento em Brasília. São médicos jovens e muito bem preparados. Estou muito animado com essa turma que está chegando. Nós vamos colocar 92% desses peritos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, regiões onde temos os piores índices. Em dois ou três meses, haverá um impacto enorme na fila. E a gente fez o seguinte: ao invés de espalhar os peritos por mais lugares, a gente preferiu concentrar. Em vez de botar um perito em cinco cidades, por exemplo, a gente preferiu botar três em uma, dois em outra.
Por quê?
Porque quando você tem uma fila com apenas um perito, se ele, por qualquer razão, não vai, você complica aquela fila. Faz um represamento e desorganiza tudo. Foi outra coisa que aprendi aqui logo quando cheguei ao Ministério da Previdência. Como tem uma fila de atendimento e ela, digamos, está prevista para 60 dias, se não tiver atendimento hoje, o que você faz com essas pessoas? Não é possível botar para amanhã, porque amanhã já tem gente. Então, essas pessoas vão para o fim da fila. É muito cruel, desumano. Então, essa fila não pode cair. O atendimento não pode ser interrompido, nem por falha do sistema nem por questão de pessoal. Colocando três peritos, se um está doente ou falta, você bota os dois para cobrir.
E a prova de vida? Qual sua avaliação?
Estou querendo modernizar. Vou dar um spoiler. O formato não ficou de pé ainda, mas uma ideia que eu tenho é que a gente possa fazer uma prova de vida por vídeo. Isso vai facilitar ainda mais a identificação do aposentado, para ele não precisar se deslocar para a audiência. Teremos de mudar o modelo dos call centers que funcionam hoje.
Estão com problemas nos call centers?
Há muita reclamação do 135 da Previdência, sobre demora. Eu fui visitar um deles, por coincidência, na minha cidade, em Caruaru. Só tem três call centers no INSS. Um deles é em Caruaru — e não tem nada a ver comigo, né? Está lá há 20 anos (risos). É uma coincidência absurda, né? E não é uma crítica aos atendentes. O modelo é arcaico, e eu não posso mais reclamar disso, entendeu? Eu tenho é que fazer um modelo novo, que funcione melhor, que seja mais moderno. Estou aplicado nesse assunto para a gente conseguir modernizar.
Na sua avaliação, qual a percepção do brasileiro sobre a Previdência?
Eu estava conversando com as pessoas aqui do ministério. Quando a gente fala de Previdência Social e de INSS para o cidadão comum, ela é vista como uma coisa arcaica, atrasada. E eu não posso me render a isso. Eu digo: ‘Meus amigos, vamos ter que encontrar um jeito de fazer uma linguagem moderna, uma coisa que comunique melhor’. E não pode ser só retórica; tem que ser mais eficiente no atendimento, que seja mais resolutiva. Tem que ser um modelo que passe uma imagem melhor da Previdência.
A turbulência pela qual o senhor passou na chegada ao ministério pode se repetir na CPMI?
Esses momentos não podem se assemelhar de jeito nenhum. Deus me livre! (risos). Olha, os primeiros 30 dias aqui foram, assim, terríveis. Um amigo de muitos anos veio me visitar aqui, hospedado na minha casa. Ficou uns dois dias. Viu-me pouco, porque eu chegava tarde, ele já estava dormindo. Quando eu saía de manhã, ele ainda estava dormindo, porque, aqui em Brasília, é diferente de Pernambuco. Aqui, às 5h30, ainda está de noite. Não sei como é que as pessoas caminham às 6h. Está escuro, né? Em Caruaru, eu moro no sítio. Às 4h, 4h30, os passarinhos já estão cantando. Aqui, se eu quiser sair às 6h30, eu acordo antes dos passarinhos (risos).
E o amigo?
Na outra semana, ele falou: “Que horror! Deus me livre! Não quero mais voltar à tua casa nem tão cedo”. Eu falei: “Por quê?”. Ele disse: “Rapaz, o clima está pesado demais!” Eu estava dentro daquele negócio, não estava nem percebendo. Foram momentos terríveis. Agora, passou. Eu acho que não vai acontecer nem 10% daquilo. Porque eu tenho uma boa história para contar. Tenho muita segurança nos dados, no momento que estamos vivendo, agora, no ministério e no INSS, e no que aconteceu para trás. Tenho um desenho muito favorável.
Ainda mais porque o senhor conhece o ambiente parlamentar.
Na verdade, quem conhece o ambiente parlamentar sabe que ninguém conhece. Mas aqui eu vou ter que deixar a modéstia um pouco de lado. Quando eu fui para o Senado, foi uma experiência muito desafiadora.
Por quê?
Porque eu sempre estive do outro lado do balcão. Eu era o deputado, que inquiria, que acusava o sujeito que estava depondo. No Senado, eu estava havia pouquíssimo tempo como ministro. Era uma situação muito delicada, porque eu não estava habituado ainda. Eu não vou fingir o costume de ser ministro de Estado. Ninguém consegue fingir que estava habituado a ser ministro se é a primeira vez que está no cargo. Depois, boa parte da tropa de choque do governo estava na China (em visita oficial). E a gente não tinha todos os dados da investigação, como tem hoje. Não tinha aquela linha do tempo, uma parte daquilo ainda não estava colocada.
E o que aconteceu?
Eu me socorri de quê? Eu encontrei pessoas que já me conheciam. Boa parte dos senadores foram deputados comigo. Então houve um respeito à minha trajetória. Por isso, que eu deixo a modéstia um pouco de lado para dizer o seguinte: pesou muito, naquele momento, a pessoa que eu sou e que eu construí. Isso depôs a meu favor. As pessoas encontraram ali uma pessoa que elas conheciam. Sabiam que não era um picareta que estava ali.
Agora é outro momento?
Ah, sim. Agora, eu já estou sentado na cadeira de ministro. Naquele dia, eu ainda não estava. As pessoas apostavam que eu não ficava 15 dias, outras, que eu não ficava um mês.
Está otimista, então?
Estou preocupado com o cenário político, que possa contaminar a CPMI. Mas estou animado do ponto de vista que nós temos uma boa história para contar, favorável ao governo.
O que pretende dizer?
Vou defender o presidente Lula, porque sempre vi nele alguém que não queria proteger ninguém e se preocupou verdadeiramente com os aposentados. Na primeira quinzena como ministro, reuni-me com ele lá no Alvorada. Foi uma reunião longa, com muitas pessoas participando. E vi o presidente indignado com o que aconteceu, triste por ter sido com o contingente que ele sempre protegeu. Eu senti isso nele, de forma sincera. E ele disse: “Olha, cuide dos aposentados. A gente tem que proteger essas pessoas. Vamos devolver esse dinheiro para eles. O governo vai ter que encontrar um jeito de devolver o dinheiro. Depois que cada real for pago aos aposentados, a gente vai buscar dos fraudadores”.
Isso o marcou?
Essa experiência com o presidente me marcou muito, pela sinceridade dele. Isso dá segurança para a gente tocar o processo aqui, sabendo que tem um respaldo dele. Acho muito injusto ele ser culpado nas pesquisas. Tenho o dever de virar essa chave. A CPMI pode ser um bom momento para isso, para a gente contar essa história.
O cenário político vai ficar cada vez mais conturbado. Será possível trabalhar no primeiro semestre de 2026?
O governo estará fazendo as entregas. Isso vai fortalecendo. Tem muita coisa sendo feita. Não tem comparação. Acontece que governar com um país dividido é muito difícil. Você não convence com trabalho. Não há nenhum argumento que sensibilize o outro lado. É um governo que tem muita entrega, então, eu estou muito animado. Para furar a bolha, é difícil. Mas o governo está num bom momento.
A crise com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode influenciar em algo?
A defesa da soberania nacional pode nos aproximar mais de outras camadas com as quais a gente perdeu a conexão.
O tarifaço uniu o Brasil?
Não tanto quanto deveria unir. Eu acredito que ninguém poderia ficar contra. Eu não sei como tem setor da sociedade que se posiciona contra, comemorando as sanções. Aquela frase do Eduardo Bolsonaro dizendo que, se for preciso, vamos queimar a floresta inteira. O que é queimar a floresta inteira? Significa: “Vamos acabar com o Brasil.” Trocando em miúdos, está dizendo o seguinte: ou anistia meu pai, ou acaba tudo. É uma frase revoltante. Eu não sei como as pessoas estão anestesiadas a ponto de escutar uma frase daquela sem se indignar.
O senhor consegue ver o Brasil voltando a negociar com os EUA?
Consigo, porque é interessante para os Estados Unidos. Eles são superavitários na relação comercial com o Brasil. Nós temos uma relação comercial de 200 anos com os Estados Unidos, sempre foi bem-sucedida. Eu quero escrever a biografia de Álvaro Lins, que é de Caruaru. Foi um crítico literário e diplomata. E lendo as coisas sobre ele, eu comecei a conhecer um pouco de diplomacia. E vi como as coisas na diplomacia são sutis, lentas, criteriosas. O que o presidente Donald Trump fez com essas tarifas, não só contra o Brasil, é uma afronta à diplomacia e às boas relações que são mantidas com as nações há centenas de anos. Mas eu acredito no bom senso. Acredito que, em alguma medida, o presidente vai ser cobrado pelos interesses norte-americanos.
Como o senhor pretende diminuir a fila do INSS? Os novos peritos estão chegando, mas há problemas com o aplicativo Meu INSS. Como estão olhando isso?
Eu tenho me reunido muito com Rodrigo Assumpção (presidente da Dataprev), porque tenho recebido reclamações do sistema. E o guardião do nosso sistema é a Dataprev. A Dataprev tem se esforçado para nos atender, mas, efetivamente, há muitas críticas em vários estados. É preciso aprimorar o sistema. Mas esse formato dos peritos que nós vamos fazer agora já vai ajudar muito, o enfrentamento da fila. Tenho esperança de que, até o final do ano, a gente possa colocá-la num nível aceitável.
Que seria de quanto? Abaixo de 1 milhão?
Abaixo dos 40 dias de espera. Não pode ser por número. Tem que ser pelo Tempo Médio de Espera de Atendimento, porque nós recebemos 1,3 milhão de novos pedidos por mês. É uma fila que não tem fim. Então, é preciso estabelecer um tempo médio que seja aceitável. O TCU estabeleceu 45 dias. Se você deixar abaixo de 45 dias, pode ter 10 milhões de requerimentos novos, se tiver rodando abaixo de 45 dias, significa que não tem estoque. É um fluxo gigante, mas é um fluxo. Logo, o desafio nosso é colocar a fila para rodar dentro dos 45 dias. Hoje, está com 51 dias. É um nível bom? Não é, porque tem lugares em que em três dias a pessoa recebe a resposta, mas tem lugares que são 100, 90, 80 dias… A meta é ficar abaixo dos 45. A gente chegou a 39 dias, mas subiu, porque tivemos oito meses de greve dos peritos no ano passado.
Alguma ação específica com os servidores do INSS?
Estou querendo fazer aproximação com os servidores do INSS. Quero me reunir, assim, com 2,5 mil servidores. Quero fazer uma reunião grande, um seminário de um dia, para mobilizar. Vamos fazer em São Paulo neste primeiro momento, mas quero falar com todos. Eles estão muito fragilizados. Tem servidor que não usa crachá do INSS, porque é hostilizado na garagem, no restaurante. Quero ajudar a reanimar esse povo, aumentar a autoestima deles. Então eu acho que esse conjunto de iniciativas vai ter resultado. Espero que a CPI não me atrapalhe.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Ed Alves CB/DA Press