“Apolo”. Na mitologia grega, o Deus solar. Inspirador dos artistas e dos poetas. Esse também é o título dado ao documentário que coloca as atrizes Tainá Müller, 43, e Isis Broken, 30, como cineastas estreantes.
Juntas, elas assinam a direção do projeto que tem a primeira exibição neste sábado (4), na Estação Gávea, às 19h15, durante a edição 2025 do Festival do Rio. Em cena, o público acompanha a relação entre Isis e o companheiro, Lourenzo Gabriel – ambas pessoas trans – durante a gestação do filho, Apolo, concebido naturalmente na pandemia.
Na época, eles usaram as redes sociais para denunciar e pedir apoio diante da série de preconceitos e violências enfrentadas na sociedade, além de negligências e o despreparo de equipes e profissionais de saúde que não sabem acolher nem lidar respeitosamente com um pai parturiente, com um pai trazendo seu filho ao mundo.
O caso, divulgado em mídias alternativas, chegou até Tainá, que além do apoio, também propôs documentar a realidade invisibilizada de um casal transcentrado.
“Fiquei muito preocupada porque eles falavam que o Lorenzo não estava conseguindo ter o atendimento médico por ser uma pessoa trans, que o sistema não conseguia ler essa situação. Um homem trans, com o seu nome social, garantindo por direito desde 2014, não estava sendo atendido”, conta Tainá à CNN.
Depois disso, a atriz entrou em contato com Broken, que resultou em uma conexão imediata. Ali, surgiu a ideia de unir os desejos. “[Era] uma maneira consistente de ajuda para resolver a situação e, ao mesmo tempo, documentar de forma que casos similares não se repitam no futuro. Foram quatro anos de trabalho em cima desse filme, e agora finalmente vai nascer, literalmente”, celebra.
Sensibilidade ao explorar diferentes configurações familiares
Mais que urgência e sensibilidade, o grande fôlego de “Apolo” também se justifica pelo ineditismo do tema. “Tem um fator quase transcendental nesse filme. O Apolo aconteceu ‘sem querer’. Os relatos de gestações trans geralmente contam com tratamento. O homem que está se hormonizando com testosterona, precisa parar e preparar aquele útero para receber essa criança. E o Apolo veio quase que de forma milagrosa”.
“Nós aproveitamos tudo isso. Até porque eles têm uma questão muito ligada com a espiritualidade. Eu brinco que essa colagem é um álbum cinematográfico de bebê”, diz Tainá.
Embora o longa seja sobre duas pessoas trans, a história pretende ir além. É sobre a construção familiar de uma família brasileira. “Existe uma ruptura de laço que se reestabelece durante a feitura de todo o projeto. Tem muita cura familiar ali”, acrescenta.
Um dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado em janeiro, apontou que o Brasil se mantém como um dos países mais letais para a comunidade. Ainda que o levantamento indique uma redução de 16% em relação a 2024, pelo 16º ano consecutivo o país lidera o ranking dos que mais assassinam pessoas trans e travestis no mundo.
A crueldade por trás do dado foi um dos motivos que fez a atriz querer levar o documentário para frente. “Acho que quando uma criança nasce, ela está trazendo vida. E acho que num contexto de morte, o maior antídoto é justamente a vida. A gente está falando de vida, de esperança, da possibilidade dessa família existir.”
“Minha vontade não é de entrar em um embate, mas de mostrar a luz disso. A Isis, no filme, conta que gostaria que o filho dela fosse uma criança luminosa e não iluminada, que viesse para iluminar um caminho de esperança, e acho que é nesse sentido que a gente trabalho”, adiciona.
Apolo é um parto na maior sala de partos cinematográficos do Brasil.Tainá Müller
Se em trabalhos como “Bom dia, Verônica”, da Netflix, Tainá era responsável por potencializar a sua personagem, em “Apolo” todos os esforços foram centralizados no roteiro, narrativa, parte técnica e entendimento enquanto aliada real.
“Cheguei [pensando] que tinha certa sabedoria. Eu não vivo, mas como aliada me interesso e sei muita coisa. Mas, não, o filme traz questões que, talvez, nunca tivessem vindo à cabeça. Eu falo que o que mais aprendi foi sobre o erro da gente achar que a pessoa trans nasceu no corpo errado. E tem essa frase muito linda da Isis falando no filme: ‘Eu não nasci num corpo errado. O meu corpo é potente, ele fez um filho’.”
“O aprendizado maior é celebrar a diversidade do universo como uma manifestação legítima e não ver sob a perspectiva binária de que isso está certo, isso está errado. Isso veio invertido ou está fora da normalidade. O universo se manifesta de uma forma muito mais diversa do que a nossa cabeça binária e dualista consegue ver”, conclui.
Por Revista Plano B
Fonte CNN Brasil
Foto: Milena Seta