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quinta-feira, abril 24, 2025

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‘Quem conhece, cuida’: sentimento que move moradores nos 65 anos de Brasília

Maior conjunto urbano moderno do mundo, Brasília encanta pela arquitetura arrojada e por sua fundação...

Maior conjunto urbano moderno do mundo, Brasília encanta pela arquitetura arrojada e por sua fundação que, de forma particular, uniu um pouco de todas as culturas do país, formando um espaço único. Não por acaso, diversos grupos da sociedade civil lutam pela preservação do patrimônio da cidade, que envolve, além de instrumentos legais, institucionais e financeiros, o compromisso da comunidade. Um exemplo de engajamento está nos amigos Jorge Henrique Cartaxo, 69 anos, e Lenora Barbo, 67.

“Mais do que responsabilidade do Estado, preservar a cidade inclui questões como cidadania, identidade e amor pelo lugar dos seus filhos e habitantes”, diz Cartaxo, que é diretor de relações institucionais do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF). Graduado em jornalismo, ele veio de Fortaleza, em 1978, para estudar na Universidade de Brasília (UnB) e aqui permaneceu. “Me formei, trabalhei, tive filhos e fiz toda a minha vida profissional e pessoal em Brasília, a melhor e mais bela cidade do país”, destaca.

Lenora, arquiteta e diretora do Centro de Documentação do IHG-DF, reforça que, semelhante a cidades como Paris, Florença, Amsterdã e Roma, a capital federal encanta pela beleza e acolhimento, mas se destaca, principalmente, por ser Patrimônio da Reserva da Biosfera, classificação dada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “É um título pouco conhecido e absolutamente oportuno e contemporâneo diante do crescente desafio climático”, pontua. 

Brasília também é reconhecida pela Unesco como Cidade Criativa do Designer, rede de localidades que atuam em cooperação para aprimorar as estratégias de desenvolvimento por meio de sete pilares da indústria cultural e criativa: design e artesanato, literatura, artes midiáticas, gastronomia, artes folclóricas, música e cinema. Vale lembrar que, desde 1987, a capital é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade, tornando-se o primeiro bem contemporâneo reconhecido pela organização. 

Valor da memória

Devido ao seu valor simbólico, material e financeiro, Cartaxo e Lenora defendem ser preciso entender que a preservação de Brasília não engessa nem prejudica a economia da cidade. Pelo contrário, amplia suas possibilidades. “As dimensões de arquitetura e urbanismo, paisagem natural e cultura são absolutamente extraordinárias para o desenvolvimento de qualquer economia”, ressalta Cartaxo. Daí a importância da educação patrimonial para as novas gerações. 

“A única capital razoavelmente preservada no Brasil é Brasília. As demais foram, de certo modo, descaracterizadas pela visão estritamente imobiliária do uso do espaço urbano. Você só ama e protege aquilo que você conhece. As novas gerações precisam se identificar com a memória, a história, os atores e a cultura da sua cidade”, explica Lenora, que se mudou para o DF em 1962. “Meu pai, Manuel Demósthenes, era um mudancista fervoroso que, na década de 1940, escreveu um livro sobre a importância da construção da capital no Planalto Central. Vivo nessa cidade que adotei como minha, pela qual me apaixonei desde que cheguei”, acrescenta.

Planejamento cuidadoso

A resposta para conciliar a preservação de Brasília com o inevitável processo de crescimento está no planejamento cuidadoso, na leitura atenta do seu território e na valorização da participação cidadã. É o que defende Ivelise Longhi, 69, arquiteta, urbanista e líder do Eixo de Desenvolvimento Urbano do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico do DF (Codese-DF).

“Brasília carrega um legado urbanístico raro, pois representa o modernismo e a utopia de um Brasil do futuro”, afirma. Para Ivelise, o desafio é preservar uma ideia — o plano, as escalas urbanas, o vazio, o traçado. “Isso exige uma abordagem técnica, contínua e consciente, que articule preservação com dinamismo urbano. Não se trata de congelar a cidade, mas de permitir que ela evolua sem perder sua identidade”, diz ela, que também integra o Conselho Diretor da UnB e o Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF (Conplan).

“Isso envolve educação patrimonial, que deve estar presente na escola, nos espaços culturais e, principalmente, na forma como ocupamos e cuidamos da cidade. Quem conhece, entende. E quem entende, cuida”, enfatiza. Das particularidades de Brasília, as que mais encantaram Ivelise, quando aqui chegou, foram a amplitude do céu, seus largos horizontes, a escala generosa dos seus espaços e a liberdade de brincar livremente nas áreas verdes da SQS 107, onde morou.

“Percebi que havia algo diferente aqui, incluindo a arquitetura moderna e até a lógica das ruas, com suas siglas em vez de nomes. Isso despertava minha curiosidade. Mais tarde, ao me tornar arquiteta e ingressar no serviço público do DF, esse olhar de encantamento se aprofundou, e passei a compreender a complexidade e a riqueza do projeto urbanístico de Lucio Costa”, conta a arquiteta.

Outro aspecto que a atrai é a diversidade cultural da capital, feita por brasileiros de todos os cantos, que trouxeram seus sotaques, suas tradições e histórias para formar uma identidade coletiva única. “Isso me dá um sentimento profundo de brasilidade. Brasília é, para mim, um lugar de profundo pertencimento. Brasília é, ao mesmo tempo, cenário e protagonista da minha vida”, afirma.

Por Letícia Mouhamad do Correio Braziliense

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press / Reprodução Correio Braziliense

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