No Centro de Ensino Fundamental (CEF) Arapoanga, a escritora Elise Feitosa era só sorrisos. Aos 13 anos, a estudante do Gama foi convidada a abrir a caravana literária do 3º Prêmio Candanguinho de Poesia Infantojuvenil, que deve percorrer escolas de todo o Distrito Federal nas próximas semanas. No pátio do colégio, a adolescente mostrava seu diferencial: olho no olho, recitava poemas e destacava a importância da leitura para alunos da sua idade e até mais velhos.
“A literatura é minha companhia, então, quero incentivar outros estudantes a terem a mesma oportunidade de conhecer os diferentes mundos que os livros nos apresentam”, conta, após receber abraços de meninas tocadas por sua história. Afinal, são poucos os que abrem mão das telas para apreciar bons livros.
As ações itinerantes do Prêmio Candanguinho visam justamente estimular a leitura e a criação poética desde a infância, aproximando os estudantes da palavra viva por meio do encontro com autores da capital.
Tentar concentrar-se em uma leitura é algo desafiador para os adultos, imagine para as crianças e adolescentes, que crescem entre celulares, tablets e computadores. Daí a importância, também, do incentivo dos pais e da escola, algo que Elise reconhece ter sido fundamental.
“Minha mãe sempre leu comigo, então, peguei gosto pelos livros desde cedo. Comecei com gibis e hoje sou fã de contos e poesias, gêneros que também gosto de escrever”, diz.
“Entre os meus colegas, percebo essa dificuldade de deixar as redes para se aprofundar em uma leitura. Quando estou lendo, me perco naquela história e até esqueço de responder as mensagens no celular. Na internet, existe muito julgamento; as pessoas sequer escutam umas as outras. Ler e escrever trazem experiências diferentes, são formas de identificação. E há gêneros para todos os tipos de gostos”, destaca.
As redes sociais, no entanto, não precisam ser inimigas, segundo a adolescente. “Muitas páginas incentivam a leitura, fazem resenhas e compartilham textos. Basta ter controle em frente às telas”, avalia.
Com seis livros publicados, Elise Feitosa, conhecida como Elisefefê, lançou o seu primeiro livro aos 10 anos. #Viralizei foi apresentado na 36ª Feira do Livro de Brasília, em 2022 e aborda de forma lúdica e sensível a pandemia de covid-19, narrada sob a perspectiva do próprio vírus.
Diferencial
Há duas décadas, o CEF Arapoanga desenvolve o projeto Café com Letras, que convida escritores para apresentarem diferentes obras à comunidade escolar. Durante o ano letivo, os alunos trabalham com os livros em sala — em formatos de poesia, teatro, dança, conforme suas interpretações — e expõem o resultado a esses autores.
“Esse bairro (Arapoanga, hoje região administrativa do DF) foi criado como um assentamento e tinha alto índice de violência. Então, por meio dos livros, quisemos dar a oportunidade aos estudantes de mudarem suas vidas e de suas famílias. Hoje, tenho cinco professores que, no passado, foram alunos da escola e quiseram retornar para cá. Isso nos orgulha muito”, explica o diretor do CEF Arapoanga, Jordenes da Silva.
Segundo a professora de produção de texto Carla Patrícia Soares, o fato de o ensino ser integral faz toda diferença. “Eles (os alunos) ficam distantes das telas e próximos aos livros”, diz. Ainda assim, nem todos trazem o hábito da leitura de casa.
“Percebo que quando os levo para escolher um livro, eles ficam indecisos e dispersos, mas creio que seja justamente por não haver esse contato tão frequente com os textos”, conta. O incentivo na instituição, no entanto, é constante.
A escola promoveu recentemente dois concursos relacionados à leitura, o Educação para a felicidade e o Escreva uma carta como se fosse um oceano. “Tivemos resultados magníficos, então, temos percebido que esse investimento na literatura tem surtido efeitos muito positivos”, completa a professora.
Um desses exemplos está na estudante Isabela Ferreira, 12, finalista com sua redação no concurso Educação para a felicidade. “Desde os cinco anos, tenho apego muito grande à leitura e à escrita. É um incentivo que começou em casa, tanto que não tenho celular e quando mexo na internet é por meio do aparelho da minha mãe; fico no máximo uma hora. Acho que as redes sociais podem ser muito perigosas para a nossa saúde mental. Já a leitura me torna mais inteligente. A palestra da Elise foi muito inspiradora”, comentou Isabela, que mantém um caderninho de poemas.
A irmã mais velha de Isabela, Júlia Ferreira, 14, segue o exemplo da caçula. Chegada em histórias de romance, ela compartilha ter o sonho de escrever um livro no futuro. “Sobre algo que tenha relação com a minha realidade”, adianta.
Em relação ao contato com as telas, conta: “normalmente, me rendo ao celular quando não tenho livros por perto. Mas, de forma geral, me dedicar à leitura é um prazer muito grande, principalmente quando posso trocar ideias sobre as histórias com meus colegas”.
Para Júlia, se não houver um controle das telas por parte dos pais, muitas crianças e adolescentes terão um acesso ainda mais dificultado aos livros. “São objetos caros também, mas muitos não têm o hábito de procurar obras gratuitas pela internet, porque existem várias. A leitura abre caminhos”, pondera. O incentivo da estudante Maria Isabel Dias, 15, também veio da irmã. “Cresci cheia de curiosidade pela estante de livros que ela tinha”, recorda.
Leitura e escrita são, para Maria Isabel, hábitos totalmente relacionados. “Ler nos ajuda a ter vocabulário para escrever bem. E criar histórias é algo que estimula minha criatividade”, relata. A adolescente, que deseja trabalhar com cinema ou dar aulas, conta que tenta se policiar quanto ao tempo de tela. “Realmente é algo que vicia, mas acho que se a pessoa realmente quiser se distanciar desse universo (das telas), ela consegue. A leitura é uma ótima saída”, completa.
Risco das telas
O pediatra e intensivista pediátrico Clodoaldo Abreu explica que o uso excessivo de telas pode trazer impactos reais para o corpo e para a mente das crianças, como o atraso no desenvolvimento da linguagem e da atenção e o aumento da ansiedade, irritabilidade e sintomas depressivos.
O sedentarismo e ganho de peso, ocasionados pela redução da atividade física, também são riscos. Dificuldade para adormecer, sono de má qualidade, fadiga visual e dores cervicais devido às posturas inadequadas completam a lista.
O médico ainda destaca que ler com um adulto fortalece vínculos afetivos e constrói um ambiente emocionalmente seguro. Entre as estratégias sugeridas para equilibrar o uso de telas com o hábito de leitura, estão: a definição de horários específicos sem telas, como durante as refeições e antes de dormir; a criação do hábito de leitura diária, com livros adequados à idade e aos interesses da criança; e o incentivo por parte dos pais. “Mais importante do que proibir é ensinar o uso consciente e equilibrado da tecnologia, preservando o desenvolvimento pleno da infância”, reforça Abreu.
Diana Freitas, mãe de Pedro, 3, sempre estimulou o filho a ler conteúdos apropriados à idade do pequeno. A funcionária pública afirma que ela mesma possui o hábito de leitura, costume reproduzido pelo filho. “Sempre que ele me vê com livro, vai buscar o dele. Antes de dormir tem a oração e a leitura de um livrinho”, compartilha.
Para a mãe, o maior desafio para manter o filho mais próximo da literatura é a oferta de praticidade que as telas apresentam. “É muito mais fácil. Você liga e aquilo já o consome. O livro exige mais atenção e mais tempo”, observa.
A neuropsicóloga Juliana Gebrim destaca os benefícios que a leitura traz à infância: fortalecimento da memória de trabalho, estímulo da imaginação e melhora significativa do vocabulário e da capacidade de compreensão. “As crianças que leem com frequência tendem a ter melhor desempenho escolar, maior criatividade além de desenvolverem habilidades sociais e emocionais importantes, como empatia”, explica.
O que é o Candanguinho
O projeto é uma resposta direta ao grave cenário de leitura entre jovens. “Hoje, a primeira coisa que a grande maioria dos pais dão a uma criança é um tablet. Então, não temos lares leitores. Pesquisas recentes mostram um panorama alarmante: apenas 28% das crianças e adolescentes do DF têm o hábito de leitura semanal, enquanto 38% dos adolescentes brasileiros nunca leram um livro por iniciativa própria”, enfatiza o coordenador-geral do Candanguinho, Marcos Linhares.
Essa crise, segundo ele, é mais severa entre estudantes da rede pública, que têm acesso três vezes menor a livros em comparação aos de famílias com maior poder aquisitivo. Daí entra em cena o Prêmio Candanguinho, “que é mais que um concurso, é uma estratégia de transformação social”, reforça Linhares.
Confira o cronograma da premiação:
3º Prêmio Candanguinho de Poesia Infantojuvenil
» Inscrições: De 23 de maio a 31 de agosto
Categorias de estudantes:
» Crianças de 6 a 12 anos
» Adolescentes de 13 a 17 anos
» Crianças e adolescentes com deficiência (6 a 17 anos)
Valor total dos prêmios: R$ 90 mil (R$ 15 mil, R$ 10 mil e R$ 5 mil por categoria)
Premiação: 7 de novembro, na Sala Martins Pena
Abrangência: Crianças e adolescentes residentes
no DF e RIDE
Publicação: Coletânea com 90 poesias premiadas em formatos acessíveis (impresso, Braille, digital e audiobook)
Informações e regulamento: premiocandanguinhopoeta.com.br/
Instagram/Facebook: @premiocandanguinhopoeta
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Machado
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Ed Alves CB/DA Press