27.5 C
Brasília
quinta-feira, abril 24, 2025

Outros posts

Perícia vai revelar quem postou vídeo do desafio do desodorante

O laudo do celular de Sarah Raíssa Pereira, 8 anos, sairá nesta semana....

O laudo do celular de Sarah Raíssa Pereira, 8 anos, sairá nesta semana. A criança morreu em 13 de abril, após inalar desodorante, supostamente incentivada por um desafio postado em uma rede social. O Correio apurou que a expectativa é de que a perícia do aparelho revele quem postou o vídeo assistido pela criança e por meio de qual rede social ela teve acesso ao conteúdo. Essas informações serão importantes para que as autoridades cheguem ao criador do desafio que tirou a vida de Sarah.

Consultada sobre quais informações uma perícia no celular de Sarah pode obter, uma fonte ouvida pelo Correio explicou que, dependendo da rede social usada pela criança, talvez não se consiga recuperar dados acessados por ela. “Tem plataforma, por exemplo, que é terra de ninguém. Não conheço quem tenha conseguido IP de telefone de usuário com a colaboração deles. Mas, se for plataforma com representantes legais no Brasil, elas costumam colaborar com as investigações”, afirmou a fonte. 

A morte de Sarah é investigada pela 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Centro). Procurado pela reportagem, o delegado-chefe, João Ataliba, disse que não vai comentar o caso até que se encerrem as investigações. 

A tragédia que tirou a vida de Sarah não é um caso isolado. Em Pernambuco, Brenda Sophia de Santana, 11, morreu em março, também depois de inalar desodorante aerossol. Adrielly Gonçalves, 7, faleceu em São Paulo, pelo mesmo motivo, em 2018.

Ao Correio, Maria Fabiana Pereira, mãe da menina, disse que, neste momento, a família optou por não falar mais da tragédia. “Nosso intuito era alertar o maior número de pessoas possível e acho que conseguimos. Agora, precisamos viver nosso luto”, enfatizou.

A família também está em processo de mudança. “Agora, só vamos mesmo falar com os policiais para descobrir e pronto”, adiantou.

Monitoramento

A coordenadora do Grupo de Trabalho de Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Evelyn Eisenstein, enfatiza que os chamados desafios se aproveitam de uma sensível lacuna psicológica presente nos jovens. A pediatra alerta para os perigos associados a esse tipo de conteúdos que se espalham pelas redes sociais. “Todo adolescente se acha invulnerável e não percebe os próprios limites. Com isso, a variedade de desafios perigosos os expõe não só a riscos físicos, mas psicológicos.”, explicou. 

Questionada sobre a idade apropriada para o uso de telas, a especialista destaca que o critério ultrapassa a simples faixa etária. “Além do uso precoce, com menos de 2 ou 3 anos de idade, e excessivo e prolongado — de quatro a cinco horas por dia — é prejudicial à saúde de crianças e adolescentes”, comenta. Para a especialista, a falta de habilidade de entender esse universo dificulta o acompanhamento. “Muitos pais não têm o que nós chamamos de letramento digital, não conseguem exercer essa mediação”, avalia.

No entanto, além da intervenção parental nessas situações, Evelyn defende a responsabilização das plataformas. “Estamos fazendo pressão pela SBP para a regulação das redes e aprovação do PL 2628, que já foi aprovado pelo Senado e ainda está demorando na Câmara”, disse, acresentando que a regulação deve responsabilizar não só pais e governo, mas também as big techs.

Mobilização

O projeto mencionado pela representante da SBP foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) em 2022 e dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. A matéria foi aprovada no Senado e tramita na Câmara Federal.

Mas a morte de Sarah Raíssa repercutiu no Congresso Nacional com novos desdobramentos. Após a tragédia, parlamentares se mobilizam para que isso não se repita.

No Senado, Leila Barros (PDT-DF) apresentou o Projeto de Lei nº 1.698/2025, com o objetivo de criminalizar a indução, instigação ou auxílio a desafios perigosos no ambiente digital. A proposta, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, detalha as condutas que seriam consideradas criminosas, como induzir, instigar, auxiliar, promover, divulgar ou facilitar, por qualquer meio, inclusive, internet, redes sociais ou aplicativos, a participação de criança ou adolescente em desafios, práticas ou condutas que representem risco à sua saúde ou à sua segurança. 

“Ao tipificar penalmente a indução, instigação e promoção desses desafios, o projeto cria um arcabouço jurídico específico para responsabilizar os envolvidos. A internet não pode continuar sendo uma terra sem lei, onde conteúdos perigosos circulam livremente e impactam diretamente o bem-estar de nossas crianças”, destaca a senadora ao Correio.

A pena prevista para a infração, de acordo com o texto, é de reclusão de um a cinco anos e multa. A proposta também estabelece agravantes para situações específicas, como o envolvimento de consumo de substâncias tóxicas, a ocorrência de automutilação ou lesão corporal grave, e a configuração de desafios extremos com potencial de causar severos traumas físicos ou mentais, com penas que podem variar de dois a oito anos de reclusão e multa. 

Em casos mais graves, que resultem em morte e se evidencie que o agente não teve a intenção de causar o óbito nem assumiu o risco, a pena prevista é de seis a 12 anos de reclusão, além de multa. “Embora o Código Penal já contemple o induzimento ao suicídio e à automutilação, e haja regras gerais sobre crimes cibernéticos, ainda falta uma legislação clara, que trate especificamente dos desafios perigosos propagados nas redes sociais”, completa Leila. O projeto será analisado pelas comissões temáticas do Senado antes de seguir para votação em Plenário.

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) formalizou um pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com o objetivo de investigar e coibir crimes contra crianças e adolescentes no ambiente on-line. A parlamentar enfatiza a urgência de combater a impunidade desses crimes. “Além de realizar o inquérito e acompanhar investigações para enfrentar a impunidade de criminosos, a comissão vai formular e oferecer propostas legislativas e de políticas públicas para prevenção destes crimes”, explica. Até o fechamento da edição, o requerimento havia conseguido 115 das 172 assinaturas necessárias.

Alertas de perigo

Muitas vezes, o sofrimento não é visível de imediato. Por isso, é importante que familiares, professores e amigos estejam atentos a mudanças no comportamento, principalmente se vierem acompanhadas de marcas físicas ou relatos de experiências negativas na internet. É o que recomenda o psiquiatra Pedro Leopoldo, do Hospital Brasília Águas Claras, da Rede Américas.

“Sempre oriento que, ao perceber qualquer sinal, o mais importante é acolher sem julgar, mostrando apoio e disposição para ouvir. Conversar aberta e calmamente, demonstrando preocupação e carinho, pode ser o primeiro passo para ajudar”, explica o especialista. Ele acrescenta que, em muitos casos, o acompanhamento profissional é fundamental para evitar consequências maiores e para que o jovem e a criança encontrem outras formas de lidar com suas emoções.

O psiquiatra enumera comportamentos que podem sinalizar que eles estão em perigo por causa das redes sociais:

Sinais físicos

» Marcas de cortes;

» Arranhões;

» Queimaduras ou machucados repetidos, especialmente em lugares normalmente cobertos pelo corpo, como braços, coxas ou barriga;

» Uso frequente de roupas compridas, mesmo em dias quentes (para esconder as lesões);

» Manchas de sangue em roupas, lençóis ou outros objetos pessoais.

Sinais emocionais e comportamentais

» Mudanças bruscas de humor: aumento de irritabilidade, tristeza ou apatia;

» Isolamento social, evitando contato com familiares e amigos;

» Evitar situações em que precise expor o corpo, como praia, piscina ou vestiários;

» Desinteresse por atividades que antes gostava, incluindo brincadeiras, esportes ou encontros com amigos;

» Baixa autoestima, discurso autodepreciativo ou frases do tipo “ninguém se importa”, “não sou bom o suficiente” e “queria sumir”;

» Buscar ficar sozinho em lugares fechados, como banheiro ou quarto, por longos períodos;

» Dificuldade para dormir, pesadelos frequentes ou alteração nos hábitos de sono;

» Alterações na alimentação,
como perda de apetite ou compulsão alimentar.

Sinais virtuais

» Participação em grupos secretos ou páginas voltadas para automutilação ou desafios perigosos;

» Pesquisas frequentes na internet sobre temas como dor, automutilação ou desafios virais;

» Apagar históricos de conversas e navegação no celular ou computador;

» Receio ou irritação excessiva quando alguém tenta ver seus dispositivos eletrônicos.

Sinais sociais e escolares

» Queda no rendimento escolar sem motivo aparente;

» Falta de interesse em ir à escola ou participar de outras atividades sociais;

» Relatos de bullying, rejeição ou conflitos com colegas.

Artigo

O impacto na saúde mental

Por Por Lívia Beraldo de Lima, médica psiquiatra do Hospital Sírio-Libanês

Entre os fatores que impactam a saúde mental dos adolescentes está o desejo de maior autonomia, a pressão para se adequar a um grupo social e o maior acesso e uso de tecnologias. O uso das redes sociais também desempenha um papel crucial. O Brasil é o país com o maior número de consumidores de redes sociais no mundo, com 131,5 milhões de usuários, de acordo com o levantamento Tendências de Social Media 2023.

Embora as plataformas ofereçam oportunidades de conexão e informação, elas também têm sido associadas ao aumento de transtornos mentais entre os jovens. Nas redes sociais, padrões inalcançáveis promovem comparações que podem resultar em baixa autoestima, depressão e insegurança.

Apoio emocional é crucial. Pais, educadores e familiares devem ficar atentos aos sinais de que algo não está bem. Criar um ambiente acolhedor e seguro no qual os jovens possam expressar seus sentimentos é essencial para prevenir que problemas menores evoluam para quadros mais graves. A comunicação aberta promove um espaço seguro para que o adolescente possa compartilhar suas angústias e buscar ajuda sem medo de julgamentos.

Ao observar qualquer sinal de sofrimento ou mudança de comportamento significativa, a família deve buscar apoio profissional. O primeiro passo pode ser uma consulta com um pediatra, hebiatra, psicólogo ou psiquiatra. O tratamento é baseado no quadro clínico e pode incluir ou não o uso de medicação, mas o mais importante é iniciar o acompanhamento adequado o quanto antes.

Por Mila Ferreira, Carlos Silva e Adriana Bernardes do Correio Braziliense

Foto: Caio Gomez / Reprodução Correio Braziliense

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp