O líder do PL na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou nesta segunda-feira (14/4) um requerimento de urgência à Presidência da Casa para votação do projeto de lei que prevê a anistia a pessoas que participaram de atos contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de 30 de outubro de 2022 em diante.
Na prática, o projeto prevê que a anistia se aplicaria a todas as pessoas envolvidas nos atos de 8 de janeiro de 2023 e, segundo especialistas, também poderia anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por sua suposta participação em uma trama golpista após sua derrota nas eleições de 2022.
Cavalcante, presidente da sigla de Bolsonaro, é um dos principais aliados do ex-presidente.
Em seu perfil no X, ele disse que teria antecipado sua estratégia em relação ao pedido de urgência em razão da suposta pressão do governo federal para tentar impedi-lo de obter apoio à iniciativa.
“Acabo de protocolar o requerimento de urgência do PL da Anistia com 264 assinaturas. Diante da pressão covarde do governo para retirada de apoios, antecipei a estratégia. Agora está registrado e público: ninguém será pego de surpresa”, disse Cavalcante em sua página.
O número de 264 apoios é superior às 257 assinaturas para a eventual aprovação do projeto de lei.
Se aprovado, o requerimento de urgência deverá acelerar a tramitação do projeto fazendo com que ele seja posto em votação sem ter que passar por todas as comissões normalmente previstas.
Ainda não há previsão, no entanto, sobre quando o requerimento de urgência será votado.
Em sua página no X, o ex-líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), disse que a decisão sobre a tramitação do requerimento ainda precisa passar pela decisão do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB).
“O requerimento de urgência para o Projeto de Lei de Anistia não garante sua imediata tramitação. Há mais de mil requerimentos apresentados. Cabe ao presidente da Casa decidir o que será pautado”, disse Guimarães.
O projeto de anistia tem sido alvo de uma disputa política acirrada entre governo e oposição há quase dois anos. De um lado, a oposição, liderada pelo PL, vem defendendo a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro.
A alegação mais recente do grupo é a de que as penas dadas às centenas de pessoas condenadas pela invasão das sedes dos Três Poderes seriam altas demais.
Do outro lado, integrantes do governo Lula e parte de sua base aliada vêm se posicionando contra a medida.
Na semana passada, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), chegou a dizer que o Congresso poderia discutir a aplicação das penas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro, mas afirmou ser contra a anistia a pessoas que teriam comandado o suposto plano de golpe de Estado.
“Falar sobre anistia ou mediação de pena, ou redução de pena, enfim, em relação a algumas pessoas do 8 de janeiro, eu acho que é plenamente defensável do ponto de vista de muitos parlamentares que estão ali”, disse a ministra.
“Talvez a gente até tenha que fazer essa discussão mesmo no Congresso. Agora, o que não pode acontecer é uma anistia daqueles que conduziram o processo do golpe no país.”
O que diz o projeto
O projeto da anistia foi protocolado em novembro de 2022 e, inicialmente, buscava conceder anistia a manifestantes que participaram de protestos realizados em 30 de outubro, logo após a derrota de Bolsonaro no segundo turno das eleições daquele ano.
Naquela data, apoiadores inconformados com a vitória de Lula bloquearam rodovias em várias regiões do país, impedindo o tráfego de pessoas e veículos, o que resultou em diversas prisões.
No ano seguinte, em 2023, o texto foi alterado por parlamentares para também incluir na anistia os participantes dos atos do 8 de janeiro. Em linhas gerais, a proposta estabelece:
- Anistia para todos os que apoiaram, financiaram ou participaram, direta ou indiretamente, das ações ocorridas em 8 de janeiro de 2023, incluindo atividades relacionadas antes ou depois dos atos;
- Benefício a quem promoveu mobilizações em redes sociais em apoio às manifestações;
- Aplicação da anistia tanto para condenados quanto para aqueles que ainda estão sendo processados, com a extinção das penas para os já sentenciados;
- Alterações no Código Penal, como a exigência de comprovação de violência grave contra pessoas nos casos em que há acusação de tentativa de abolir o Estado democrático de direito;
- Preservação dos direitos políticos de investigados ou condenados;
O texto chegou a ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados em 2023, mas não chegou a ser votado.
Como o projeto beneficiaria Bolsonaro
Apesar do discurso oficial da oposição de que o projeto não tem como objetivo o benefício direto de Bolsonaro diante da possibilidade de uma eventual condenação pelo STF, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que, do jeito que está, o projeto deverá, sim, beneficiar Bolsonaro.
Isto se daria por conta de dispositivos como um inciso do primeiro artigo do projeto: “§ 3º Fica também concedida anistia a todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 08 de janeiro de 2023, desde que mantenham correlação com os eventos acima citados”.
Na prática, o texto diz que as pessoas que participaram de eventos antes ou depois de 8 de janeiro de 2023 que tenham conexão com os atos daquele dia também seriam alvo da anistia.
“Do jeito que está colocado, o projeto de anistia abre margem jurídica para beneficiar o ex-presidente”, disse o professor de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Davi Tangerino à BBC News Brasil em março deste ano.
O professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini apontou que um outro trecho do projeto que abriria brechas para beneficiar Bolsonaro. Trata-se do inciso primeiro do artigo 1º do projeto.
“A anistia de que trata o caput compreende os crimes com motivação política e/ou eleitoral, ou a estes conexos, bem como aqueles definidos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal”, diz o trecho.
Na avaliação do professor, a utilização do termo “conexo” possibilita a inclusão de Bolsonaro no rol de beneficiados pela medida.
“Dessa forma, quaisquer atos que tenham vínculo com 8 de janeiro estariam passivos de anistia. Isso permitiria, em tese, anistiar Bolsonaro”, disse Bottini à BBC News Brasil.
Por BBC Geral
Foto: BBC Geral / Reprodução Correio Braziliense