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terça-feira, abril 22, 2025

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Paisagem e identidade em Niemeyer

Por Luciana Saboia e Carolina Pescatori — professoras da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da...

Por Luciana Saboia e Carolina Pescatori — professoras da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB

A plasticidade do concreto armado e a monumentalidade das obras governamentais projetadas por Oscar Niemeyer em Brasília são reconhecidas como contribuições do movimento moderno brasileiro no século 20. Muito já foi discutido sobre a monumentalidade e leveza de volumes exuberantes e curvas traçadas pelas linhas modernas de Niemeyer.

Entretanto, o caráter de identidade em obras entre a escala do edifício e da paisagem não foi suficientemente analisado. Há uma indissociabilidade entre o projeto de arquitetura e o do urbanismo, como no caso do Instituto Central de Ciências na Universidade de Brasília (ICC), conhecido como “minhocão”, e por outro lado a arquitetura nada monumental dos equipamentos comunitários no caso da superquadra, onde há uma composição entre os espaços abertos e a arquitetura cotidiana de escolas, bibliotecas e igreja na primeira unidade de vizinhança do Plano Piloto.

O projeto do ICC, partido desenvolvido por Oscar Niemeyer em 1961, integrou os cinco institutos de ciências — matemática, física, química, biologia e geociências. O edifício-rua ou cidade-edifício ocupa a área central do campus da universidade com seus mais de 700m de comprimento. O edifício poderia representar uma obstrução mas, como contrapartida, permite ser atravessado em duas partes centrais e nas extremidades, o que garante a ligação entre, reforçado pelo jardim central ladeado por corredores-ruas. Jardim esse que se estende ao exterior de um campus-parque, como é caracterizado o território da UnB, um jardim naturalista projeto de extensão, o Jardim de Sequeiro, idealizado pelo professor Júlio Pastore.

A plataforma opera como uma grande base voltada para o interior mas, simultaneamente, conectada ao exterior pelos seus acessos centrais, dois amplos halls de entrada, e pelas extremidades norte e sul. A fim de ampliar a sua vocação ao social, a plataforma-jardim divide percursos pedonais e de veículos. Para isso, cria uma rua para veículos em seu subsolo que corta toda a edificação. Possibilita, assim, a interface entre um interior da edificação e o exterior de espaços coletivos abertos para paisagem, com a interpenetração de percursos, a ampliação de visuais e a invenção de um externalidade em continuum espacial com sobreposição em níveis.

Na paisagem urbana das superquadras, particularmente da SQS 308, vemos a criação de ‘micro-espacialidades’ entre os diferentes edifícios, que se articulam com o solo e com os elementos de paisagismo, compondo recortes e nichos de espaços abertos menores, onde nos sentimos acolhidos e somos convidados a experimentar e usar os espaços de maneira livre e não programada.

Assim, os amplos espaços da superquadra são articulados com a infraestrutura e com equipamentos urbanos que costuram os ‘vazios’ na paisagem. Esses intervalos, distâncias a percorrer, moldam o relevo com paredes (arrimos, taludes) e tetos (pilotis) e criam ritmos, percursos e marcações na paisagem onde predomina a horizontalidade.

Os equipamentos da quadra-modelo, especialmente a biblioteca e as escolas, estabelecem diferentes relações com essa generosa paisagem urbana. A biblioteca captura o exterior em seu interior com a abertura zenital que dá vida ao seu jardim, como uma caixa de luz que propicia introspecção e acolhimento. De forma análoga, o Jardim de Infância, elevado do nível do solo na fachada frontal e acessado por rampas laterais, recria o tradicional pátio interno escolar enquanto um jardim.

Esses vazios, espaços abertos e definidos em projeto deixam de ser espaços geométricos e abstratos para tornarem-se espaços livres que pertencem a uma paisagem própria. Perspectivas livres e espaços amplos sem determinação passam a ser definidos como paisagens que lutam por reconhecimento, que se abrem ao ‘devir’, como possibilidade de realização.

São paisagens potenciais que constroem territorialidades a partir da diversidade de apropriações ou não desses lugares. Essas paisagens se reconfiguram ao longo do tempo, formam-se em determinadas circunstâncias e podem dissolver-se logo em seguida. Outras narratividades urbanas a partir do projetado.

Por Opinião

Foto: Caio Gomez / Reprodução Correio Braziliense

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