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Número de líderes negros em grupos de pesquisa no Brasil triplica, mas desigualdade persiste

Entre 2000 e 2023, a proporção de pesquisadores pretos e pardos na liderança de grupos...

Entre 2000 e 2023, a proporção de pesquisadores pretos e pardos na liderança de grupos de pesquisa no Brasil praticamente triplicou, passando de 8,1% para 22,6% — o equivalente a quase 15 mil dos 66 mil líderes cadastrados. O dado vem de uma análise conduzida por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG), com base no censo mais recente do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq.

Apesar do avanço expressivo, a sub-representação de pretos e pardos na liderança acadêmica ainda é evidente, como avalia o economista Tulio Chiarini, do Ipea, ao portal da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) : “Houve um crescimento expressivo, mas ainda há uma grande sub-representação em todas as regiões e áreas do conhecimento”. Segundo o IBGE, pessoas negras (pretas e pardas) são 55,5% da população brasileira.

Mesmo em regiões com maioria negra, como Norte (76%), Nordeste (72,6%) e Centro-Oeste (61,6%), a presença de líderes pretos e pardos é inferior à proporção demográfica: 44,4%, 37,7% e 24,2%, respectivamente. No Sudeste e Sul, os percentuais são ainda menores: 15,1% e 7,8%.

A presença negra nos grupos de pesquisa como um todo também aumentou: de 48,6% em 2000 para 89,6% em 2023. Ainda assim, Chiarini destaca que “persistem barreiras estruturais que impedem a ascensão a posições de liderança”.

A física Zélia Maria da Costa Ludwig, da UFJF, está entre as poucas mulheres negras que lideram grupos em áreas como física (apenas 4,4%). Desde 2008, ela coordena o grupo de pesquisa em materiais nanoestruturados e relata a dificuldade de obter infraestrutura básica e financiamento. “Como mulher negra, levei anos para montar uma base mínima. Tive acesso a oportunidades que a maioria das meninas negras não tem.”

Segundo dados compilados pelo Parent in Science (julho de 2023), apenas 0,8% dos bolsistas de produtividade do CNPq são mulheres pretas, e 4,8% pardas. Para Ludwig, “chegar ao topo da carreira exige muito”.

Embora o estudo não investigue causas diretas do aumento na liderança negra, políticas públicas são apontadas como fatores prováveis. O programa Reuni, de 2007, que expandiu vagas nas universidades federais e contratou cerca de 20 mil docentes, teria ampliado as oportunidades em regiões com maior população negra. No Nordeste, a liderança negra saltou de 22,3% para 37,7%; no Centro-Oeste, de 10,2% para 24,2%; no Norte, de 33% para 44,4%.

Lei de Cotas, implantada em 2012, também pode ter influenciado, embora seus efeitos plenos ainda estejam por vir. Entre 2005 e 2025, a proporção de bolsistas pardos do CNPq subiu de 14,1% para 27,5% na iniciação científica; entre os pretos, de 2,9% para 8,8%. No mestrado e doutorado, os números também cresceram de forma significativa.

Para a cientista social Carla Pereira Silva, do IFNMG, coautora do estudo, as ações afirmativas também incentivaram a autodeclaração racial. “Historicamente, houve dificuldades no reconhecimento racial. O processo de ‘tornar-se negro’, descrito por Neusa Santos Souza, reflete bem essa transformação.” Segundo o CNPq, vem diminuindo o número de pessoas que marcam “não declarado” e aumentando o de autodeclarados pardos.

Em 2000, homens negros eram 4,9% dos líderes; mulheres negras, 3,2%. Em 2023, os percentuais passaram para 12,2% e 10,4%. A presença feminina negra é mais forte em áreas como enfermagem (19,8%), farmácia (12,3%) e saúde coletiva (18,4%). Na medicina, os percentuais subiram de 2,4% para 7% (homens) e de 1,4% para 9,2% (mulheres). Em campos como ciência da computação e engenharia nuclear, a presença masculina negra também aumentou: de 4,9% para 17,3% e de 4,8% para 15,4%, respectivamente. Já entre as mulheres negras, nenhuma lidera grupos em engenharia aeroespacial ou naval.

Na sociologia, Carla Silva lidera o grupo Ponto de Vista, fundado por ela em 2019. Em 2023, mulheres negras eram 15,7% das líderes nessa área (contra 25,7% de mulheres brancas). “Sou líder porque criei o grupo. Mas o racismo estrutural está sempre presente”, afirma. Ainda assim, ela vê mudanças: “Políticas de diversidade começam a valorizar nossos olhares e abrir mais oportunidades.”

*Com informações da FAPESP

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense      

Foto:  Reprodução/Unsplash

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