Durante o evento Democracia 40 anos, conquistas, dívidas e desafios, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira, Cidadania, Secretaria de Cultura e Economia Criativa, com apoio do Correio Braziliense, no Panteão, as mulheres puderam comemorar a redemocratização e pontuaram como a democracia ainda está longe da plenitude garantida na Constituição para as brasileiras. A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia frisou que o fim da ditadura permitiu que as mulheres pudessem continuar a denunciar as violências sofridas e lutar pela conquista de seus direitos perante a sociedade.
“Para nós, mulheres brasileiras, que sempre participamos das lutas pela Independência do Brasil, nem sempre tendo sido devidamente creditado às mulheres este front permanente de lutas, aquele momento marcava a retomada das nossas esperanças numa igualdade efetiva e eficaz, social e politicamente”, ressaltou. A ministra destacou que a sociedade continua permitindo violências e crimes contra as mulheres e que isso impede que 54% da população tenha acesso pleno à democracia.
“Por tudo isso, ainda estamos longe de termos chegado à margem de um Estado Democrático de Direito, o que é anunciado na Constituição, e que seja respeitado integralmente por todas as pessoas no nosso país. Somos, não apenas a maioria da população brasileira, mas a maioria do eleitorado brasileiro. Mas temos uma sub-representação nos cargos eletivos, uma sub-participação nos cargos do Judiciário, especialmente em tribunais, o que significa que ainda temos um longo caminho a percorrer na construção dessa sociedade, que não é justa quando mata suas meninas, quando violenta crianças, quando mata mulheres e não tem, sequer, uma resposta pronta e eficiente da sociedade”, frisou.
“Lobby do batom”
A ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Vera Lúcia destacou a importância do “lobby do batom”, uma aliança suprapartidária entre as 26 deputadas brasileiras durante a Assembleia Constituinte de 1987-1988, que tinha como objetivo ampliar os direitos da cidadania e os direitos das mulheres na Carta Magna.
“Os direitos estão garantidos na Constituição Federal, mas o Estado brasileiro permanece em dívida, tanto está em dívida que ainda temos esse horror de feminicídios que encampa números muito elevados sobre a violência contra as mulheres”, comentou. Para a ministra, “a prevalência do papel dos partidos políticos para a manutenção do estado democrático de direito”, é um desafio, já que ela não tem visto a movimentação de outros em comemorar este marco histórico e alguns defendendo o retorno da ditadura militar, o que ela considera “inaceitável”.
A deputada constituinte Luzia Ferreira não pôde deixar passar que, apesar de ter aumentado o número de mulheres parlamentar, a porcentagem ainda é pequena e que a sub-representação não impede as deputadas e senadoras de lutarem. “Ainda somos poucas no parlamento, aquela época menos ainda, mas isso não impediu que em uma grande articulação nacional, que o momento exigia, as mulheres conquistassem os seus direitos de cidadania”, pontuou.
Para Luzia, não apenas a democracia continuará a evoluir, mas também é necessário uma vigilância para que ela permaneça no Brasil. “O que nós assistimos, neste momento mais recente, é que a democracia também é ameaçada permanentemente. Não existe, portanto, que ela só vai crescendo, não é só a soma. Estamos vendo, ex-presidente José Sarney, que ainda precisamos unir os democratas, aqueles que clamam por justiça, que querem ver o país se desenvolver, incluindo o conjunto de seu povo, para defender as instituições que respaldam a democracia”, disse.
Outra deputada que participou da Assembleia Constituinte foi Maria de Lourdes Abadia, ex-governadora do Distrito Federal. Ela contou que as mulheres sequer tinham banheiro nas dependências da Câmara e do Senado. “Quando chegamos ao Congresso, não tínhamos banheiro e me lembro como se fosse hoje, que essa foi a nossa primeira luta. E conseguimos. Sigo e seguirei lutando pelo direito das mulheres”, comentou.
A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, apontou para o fato de que a democracia também permitiu a existência de seu povo, para além do reconhecimento feminino. Mesmo atribuindo à democracia a existência dos povos indígenas e a participação em espaços de liderança, Joenia mencionou que “os povos indígenas ainda são atropelados pelo Estado brasileiro”.
O mundo em alerta
A ex-presidente do Chile Michelle Bachelet ressaltou que os regimes democráticos continuam sob ameaça, enfrentando crises sociais, econômicas e políticas que exigem vigilância constante. “A crise climática, a perda da biodiversidade, a economia global instável e a polarização que vemos em nossas sociedades são desafios que exigem atenção urgente”, declarou.
Para Bachelet, a desinformação e o avanço da inteligência artificial sem regulamentação representam riscos crescentes para a governança democrática. “Por isso, é tão importante lembrar nossa história, daqueles anos sombrios em que milhares foram mortos e desapareceram”, defendeu.
Por Eduarda Esposito, Maiara Marinho e Vanilson Oliveira do Correio Braziliense
Foto: Mariana Campos/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense