A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre se Jair Bolsonaro burlou as medidas restritivas a ele impostas, foi recebida com receio pelos apoiadores do ex-presidente, pois a veem como deliberadamente dúbia. O magistrado afirma que Bolsonaro não está proibido de falar com a imprensa ou de se pronunciar, mas trechos especialmente selecionados não podem ser reproduzidos pelas redes sociais dele nem de terceiros — caso contrário, será preso por violar as regras a que está sujeito. Na prática, isso pode levá-lo a manter-se em silêncio e a evitar se manifestar em público.
Moraes, inclusive, dirige-se diretamente na decisão ao deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), apontando-o como um braço daquilo que classificou como “milícia digital” que age nas redes sociais com o intuito de atacar o STF e as instituições do Estado brasileiro. O ministro observa que tudo aquilo que se relaciona ao ex-presidente é rapidamente replicado, sendo que alguns cortes especialmente contundentes à institucionalidade são reproduzidos e divulgados ainda mais velozmente, com o objetivo de induzir setores da opinião pública.
“Em momento algum Jair Messias Bolsonaro foi proibido de conceder entrevistas ou proferir discursos em eventos públicos ou privados, respeitados os horários estabelecidos nas medidas restritivas. A explicitação da medida cautelar imposta no dia 17/7 pela decisão do dia 21/7, deixou claro que não será admitida a utilização de subterfúgios para a manutenção da prática de atividades criminosas, com a instrumentalização de entrevistas ou discursos públicos como ‘material pré-fabricado’ para posterior postagens nas redes sociais de terceiros previamente coordenados”, observa o ministro.
Ainda segundo Moraes, são esses cortes das aparições do ex-presidente, replicados por aquilo que chamou de “milícias digitais”, que induziram o presidente norte-americano Donald Trump a uma interpretação equivocada do processo a que Bolsonaro responde no STF — cujo efeito foi a imposição de um tarifaço às exportações brasileiras para os Estados Unidos — por chefiar uma organização que tentou dar um golpe de Estado no Brasil.
“Obviamente, não seria lógico e razoável permitir a utilização do mesmo modus operandi criminoso com diversas postagens nas redes sociais de terceiros, em especial por ‘milícias digitais’ e apoiadores políticos previamente coordenados para a divulgação das condutas ilícitas que, eventualmente, poderiam ser praticadas por Jair Messias Bolsonaro, sejam em entrevistas, sejam em atos públicos, mas sempre com a finalidade de continuar a induzir e instigar chefe de Estado estrangeiro a tomar medidas para interferir ilicitamente no regular curso do processo judicial, de modo a resultar em pressão social em face das autoridades brasileiras, com flagrante atentado à soberania nacional”, salienta Moraes.
Zona cinzenta
O próprio Eduardo observou, em publicação no X (antigo Twitter), que a decisão do ministro não libera seu pai para dar entrevistas e fazer pronunciamentos públicos. “Moraes diz que meu pai pode dar entrevistas, desde que não sejam ‘instrumentalizadas’ por mim. Ou seja, ele está dizendo que se eu falar sobre a entrevista que meu pai der ele irá prendê-lo, por atos que eu pratiquei”, disse.
Em outra publicação também no X, Eduardo acrescentou: “Ausência de clareza é clareza de arbitrariedade. A linguagem truncada de Moraes não é sem propósito. Se ninguém sabe o que se pode ou não fazer, então Moraes poderá selecionar por qual conduta prender Bolsonaro e em qual momento”, observou.
Outro que se manifestou sobre a decisão do ministro foi o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcanti (RJ). Em publicação também no X, ele observa: “Alexandre de Moraes recuou? Não. Ele apenas tentou encobrir a censura grosseira que havia imposto. Mas a pergunta é inevitável: se não havia motivo, por que tornozeleira? Por que toque de recolher? Por que restrição de viagens? E agora diz que ‘descartou a prisão?’ Isso é disfarce”.
Para André Marsiglia, advogado e professor de direito constitucional, Moraes manteve a proibição de Bolsonaro de se manifestar. Em publicação também no X, ele frisa que “Moraes, na prática, mantém a censura a Bolsonaro”. “O entendimento é que, se terceiros — classificados como ‘milícias digitais’ — utilizarem trechos de entrevistas ou discursos ‘em favor de Bolsonaro’ ou ‘contra o Estado’, o ex-presidente poderá ser preso. Como Bolsonaro não tem qualquer controle sobre esse uso, falar em público se converte, na prática, em um enorme risco jurídico. Esse é o chamado chilling effect (efeito inibidor): situação em que a autoridade não censura de forma expressa, mas cria um cenário de intimidação e constrangimento. A decisão de Moraes não oferece a Bolsonaro qualquer segurança jurídica para se manifestar”, explicou.
Apesar da dubiedade da decisão, conforme enxergada por bolsonaristas, o ministro não viu como infração deliberada o fato de Bolsonaro ter mostrado a tornozeleira eletrônica, na segunda-feira, e fazer um breve pronunciado, na passagem pela Câmara dos Deputados (leia mais na página 3 sobre o flagrante registrado pelo Correio). “Por se tratar de irregularidade isolada, sem notícias de outros descumprimentos até o momento, bem como das alegações da defesa de Jair Messias Bolsonaro da ‘ausência de intenção de fazê-lo, tanto que vem observando rigorosamente as regras de recolhimento impostas’, deixo de converter as medidas cautelares em prisão preventiva, advertindo ao réu, entretanto, que, se houver novo descumprimento, a conversão será imediata”, observa o ministro, fazendo uma advertência: “Como diversas vezes salientei na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, a Justiça é cega, mas não é tola”.
Ainda que o ministro tenha considerado que o ato na segunda-feira tenha sido “isolado”, e que não seria suficiente para prendê-lo, Bolsonaro deu a entender que não quis correr riscos ao manter distância dos jornalistas e evitou falar em público. Ontem de manhã, participou de um culto evangélico, em Brasília, e ao tomar conhecimento do despacho de Moraes ao embargo de declaração impetrado por seus advogados, na terça-feira, ajoelhou-se e chorou. Em imagens divulgadas nas redes sociais da igreja, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro aparece pregando no púlpito, enquanto o ex-presidente — cuja tornozeleira era perceptível sob a calça — está sentado ao lado do senador Magno Malta (PL-ES).
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press