Pessoas com diabetes, em geral, podem desenvolver doença renal com complicações fatais. Pesquisadores do Departamento de Nefrologia da Faculdade de Medicina da Universidade Juntendo, em Tóquio, descobriram que dois marcadores sanguíneos simples são capazes de prever de forma independente quem apresenta risco elevado de declínio da função renal e morte precoce. A diferença estimada na taxa de filtração glomerular e no fator de diferenciação do crescimento-15 são descobertas que ajudam na identificação de pacientes vulneráveis, abrindo chances para tratamentos que retardam a progressão da doença, melhorando a qualidade de vida.
“Atualmente, a TFGe e a albumina urinária, usadas na prática clínica de rotina, não são suficientes para prever com precisão os desfechos renais em indivíduos com diabetes”, afirmou Tomohito Gohda, professor associado do Departamento de Nefrologia da Faculdade de Medicina da Universidade Juntendo, no Japão. “O desenvolvimento de novos biomarcadores que complementam esses marcadores existentes pode permitir a identificação mais precoce e conveniente de pacientes com alto risco de progressão da doença renal e mortalidade.”
O estudo publicado no Journal of Cachexia, sob coordenação de Gohda, mostra os dois marcadores sanguíneos identificados. No artigo científico, os pesquisadores mencionam a diferença estimada da taxa de filtração glomerular (TFGeDiff) e os níveis do fator de diferenciação do crescimento-15 (FDG-15), que na forma apresentada podem prever de forma independente a progressão da doença renal e a mortalidade em pessoas com diabetes.
As complicações renais no diabetes costumam progredir silenciosamente, colocando os pacientes em risco antes do aparecimento de quaisquer sintomas. Identificar quem está sob ameaça de declínio rápido da função renal ou morte precoce tem sido um desafio para a medicina, que segue utilizando marcadores tradicionais como creatinina sérica e albumina urinária, que nem sempre antecipam eventuais sinais de complicações renais.
Experiência
A equipe de pesquisa analisou dados de 638 adultos japoneses que vivem com diabetes mellitus. Os participantes foram observados por um período de mais de cinco anos, quando 11,8% apresentaram declínio significativo da função renal e 6,9% morreram de várias causas. Amostras de sangue foram usadas para calcular a eGFRdiff, uma medida que reflete as diferenças entre as estimativas de função renal baseadas em cistatina C e creatinina, e para determinar os níveis séricos de GDF-15, uma proteína cada vez mais reconhecida como um marcador de inflamação e fragilidade.
A análise revelou que pacientes com valores mais baixos de eGFRdiff enfrentaram um risco dramaticamente maior de progressão da doença renal crônica (DRC), enquanto aqueles com níveis elevados de GDF-15 apresentaram maior risco de aumento da mortalidade. Especificamente, cada aumento de 10 unidades na eGFRdiff reduziu o risco de progressão da DRC em 33%, enquanto níveis mais altos de GDF-15 foram fortemente associados a um aumento do risco de morte em 235%.
“O eGFRdiff pode contribuir para a estratificação precoce do risco de doença renal diabética e auxiliar no desenvolvimento de estratégias de tratamento personalizadas, o que pode levar a uma melhor qualidade de vida para indivíduos com diabetes e à redução dos custos com assistência médica”, ressaltou Gohda.
Detalhes
A diferença na TFGe, que pode refletir perda de massa muscular e alterações metabólicas, foi mais fortemente associada à progressão da doença renal. Por outro lado, a GDF-15, uma citocina responsiva ao estresse associada à inflamação, previu melhor o risco de mortalidade. Essa distinção sugere que o uso conjunto dos dois marcadores pode aumentar a precisão na identificação de quais pacientes são mais vulneráveis a complicações graves.
O diabetes é uma das principais causas de DRC, que pode progredir para doença renal terminal, exigindo diálise — um tratamento com impactos profundos na vida dos pacientes e altos custos para os sistemas de saúde. A detecção precoce do risco renal por meio da eTFGdiff e do GDF-15 pode permitir que os médicos adaptem os tratamentos, retardando ou até mesmo prevenindo a progressão da doença e potencialmente salvando vidas.
Ao identificar esses marcadores simples, o estudo oferece alternativa para um tratamento personalizado e proativo aprimorado no diabetes — um avanço crítico, já que as taxas de diabetes e as complicações seguem desafiando o mundo. “Nossos resultados sugerem que a fragilidade e a sarcopenia, causadas por inflamação e anormalidades metabólicas, podem contribuir para a progressão da DRC e mortalidade em indivíduos com diabetes mellitus”, observou Gohda. “A avaliação da eTFGdiff pode aprimorar a identificação de indivíduos de alto risco.”
Elber Rocha, médico nefrologista e coordenador do Programa de Transplantes do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN)
Como avalia esses novos marcadores identificados no estudo? Podem indicar um avanço no tratamento do diabetes?
Sem dúvida, os marcadores eGFRdiff e GDF-15 representam um avanço promissor na estratificação de risco de pacientes com diabetes. Tradicionalmente, utilizamos creatinina e albuminúria para avaliar o risco renal, mas esses marcadores nem sempre captam precocemente os indivíduos mais vulneráveis. O estudo liderado pelo Dr. Gohda destaca que a diferença entre as estimativas de TFG por creatinina e cistatina C (eGFRdiff) é capaz de sinalizar risco de progressão da doença renal, enquanto níveis elevados de GDF-15 — um marcador inflamatório e de fragilidade — se associam a maior risco de mortalidade. Ambos, de forma complementar, oferecem aos médicos uma ferramenta simples e acessível para identificar precocemente pacientes com risco aumentado, o que pode orientar intervenções mais precisas.
Será que, a partir daí, é possível imaginar uma espécie de “prevenção” às consequências do diabetes na área renal?
Sim. A grande promessa desses marcadores é justamente permitir uma abordagem mais preventiva e personalizada. Se conseguimos identificar pacientes com alto risco de perda renal ou morte antes mesmo do surgimento de alterações clássicas nos exames, podemos agir de forma antecipada: intensificando o controle glicêmico, ajustando medicamentos com impacto renal, promovendo mudanças de estilo de vida e, eventualmente, encaminhando mais cedo para o nefrologista. Além disso, esses dados reforçam a importância de considerar o estado inflamatório e a perda de massa muscular como fatores determinantes no prognóstico renal — especialmente em uma população envelhecida e com diabetes tipo 2. É um novo paradigma, que aproxima a medicina de precisão da prática clínica.
Quais as recomendações do senhor?
Reforço a importância de um acompanhamento multidisciplinar contínuo de pacientes com diabetes, incluindo avaliação nefrológica precoce. Em segundo lugar, incentivo a incorporação de biomarcadores mais sensíveis — como cistatina C e GDF-15 — nos protocolos clínicos, sobretudo para pacientes que apresentam sarcopenia, inflamação crônica ou discreta piora da função renal sem albuminúria evidente. É fundamental investir em educação e políticas públicas que promovam rastreamento precoce e acesso aos exames adequados. Prevenir a progressão da doença renal diabética é salvar vidas e evitar um caminho de alta complexidade, como a diálise, que representa um grande impacto na vida do paciente e no sistema de saúde. (RG)
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
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