segunda-feira, 11 de novembro de 2024
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‘Maníaco do Parque’ explora caso polêmico em ‘narrativa respeitosa’, diz diretor

Filme de ficção está no catálogo do Prime Video desde o início de outubro; em novembro, estreia a série documental sobre o mesmo caso

Em agosto de 1998, o Brasil respirou aliviado: os noticiários de todo o país anunciavam a prisão de Francisco de Assis Pereira pelo assassinato de 11 mulheres no Parque do Estado, Zona Sul de São Paulo. Condenado por homicídio triplamente qualificado, estupro, atendado violento ao pudor e ocultação de cadáver, o “Maníaco do Parque“, como ficou conhecido, admitiu o ataque a 23 mulheres no total e foi sentenciado a 260 de reclusão em regime fechado.

O caso ganhou mais repercussão não só por apresentar um dos primeiros serial killers do Brasil, mas também por ser amplamente noticiado pela imprensa do fim dos anos 1990, de maneira sensacionalista. As notícias foram fundamentais para criar uma personalidade reconhecida em todo o país — e admirada por muitas mulheres. Enquanto estava preso, Francisco chegou a receber dezenas de cartas e visitas de mulheres que se diziam apaixonadas por ele.

Na época, a Justiça brasileira tinha condenação máxima de 30 anos e, no fim, foi essa a sentença que Francisco recebeu. Próximo do fim da sentença, que pode libertá-lo em 2028, o Prime Video acrescentou ao seu catálogo o filme “Maníaco do Parque”, dirigido por Mauricio Eça, no início de outubro. Focada em recontar o caso por uma perspectiva mais feminina, com relatos das mulheres que foram atacadas pelo Maníaco, a narrativa reconta a história do assassino pelo olhar da jornalista Helena Pellegrino (Giovanna Grigio), uma personagem fictícia que se envolve obsessivamente com o caso, na tentativa de ajudar a polícia a capturá-lo.

No novo enredo, Helena é auxiliada por sua irmã, Martha (Mel Lisboa), uma psicóloga que tenta desvendar a autoria dos crimes — até então misteriosa às autoridades. É a jornalista a peça fundamental para encontrar Francisco na narrativa, que chegou a ficar foragido da polícia por vários dias até ser finalmente encontrado, em uma cidade do interior de São Paulo.

Pesquisa intensa e repercussão na mídia

Mauricio Eça é conhecido por adaptar histórias criminais reais para o cinema. Ele já dirigiu os filmes “O Menino que Matou Meus Pais” e “A Menina que Matou os Pais”, que retratam o caso de Suzane von Richthofen. Em “Maníaco do Parque”, no entanto, o foco se manteve nas narrativas de crimes verídicos, mas desta vez com um toque “cuidadoso” com as vítimas.

“Fazer um true crime nunca é fácil, né? Juridicamente a gente já tem várias limitações, mas tivemos um cuidado e um respeito absurdo por essa história, à forma como ela seria contada”, comentou Eça em entrevista à EXAME. “As pesquisas mostram que as mulheres são as que mais consomem true crime, e tem vários motivos para isso, talvez porque elas queiram se defender, porque elas querem entender como esses agressores pensam. Para quem produz, é uma responsabilidade imensa”.

Para produzir a história, que se desdobrará para além da ficção no documentário “Maníaco do Parque: A História Não Contada”, que chega ao catálogo do Prime Video no dia 1º de novembro, foram necessários três anos de pesquisa. Parte do material para estudo foi resgatado no Acervo do Tribunal de Justiça de São Paulo, em um trabalho chefiado por Thaís Nunes, pesquisadora e diretora da série documental.

“Junto com um time de pesquisadoras, todas as mulheres, conseguimos desarquivar os 64 volumes do processo”, disse ela à EXAME. “São milhares e milhares e milhares de páginas que a gente fotografou, uma a uma, porque o processo é físico de 1998, então é um material muito delicado. A partir daí, fomos atrás das pessoas — o que não foi uma tarefa fácil. Eu sempre tenho um cuidado muito grande para não tornar o meu contato em um sofrimento, então sempre fizemos uma aproximação muito cuidadosa, muito delicada”.

No noticiário da época, a maior parte das histórias eram focadas na história de Francisco, em como ele seduzia as vítimas, como conseguia levá-las para o ambiente ermo do parque onde as violentava. A ideia do filme, disseram Eça e Nunes, era contar o outro lado.

“Sempre foi a versão do Francisco a que ganhou os holofotes. Ele tem um transtorno de personalidade antissocial cuja principal característica é mentir, ou seja, ele é um grande mentiroso, mas mesmo assim a mídia focou no que ele dizia sobre os crimes e não no que as vítimas declararam. Essa é a grande novidade, narrativamente falando: pela primeira vez, não é o que o Francisco disse que tá no centro, mas sim o que as mulheres viveram, o que as famílias das vítimas que se foram sofreram”, completa Nunes.

Na pele de Helena e Francisco

O filme tem dois centros de atenção principais: de um lado está Helena, em sua ascensão na carreira como jornalista, inserida em uma redação dominada por homens. Nela “mora” o detetive obsessivo por encontrar a identidade do Maníaco do Parque, assim como a empatia por todas as vítimas. Na outra ponta está Francisco, uma representação bastante visual da forma como ele seduzia suas vítimas, em como fugiu.

Interpretado por Giovanna Grigio, o papel de Helena foi um dos maiores desafios para a atriz. Mas o ambiente proporcionado pela equipe foi algo que a deixou mais confortável no set. “Foi muito legal o fato da equipe criar um ambiente seguro, confortável e acolhedor para todos nós, porque a gente já tava lidando com uma história muito difícil, muito sensível. Eu fiquei realmente muito tocada por tudo que a Helena Passa ao longo do filme. Foi um trabalho longo para entender o lugar dela enquanto o jornalista enquanto pessoas nessa sociedade — e eu sinto que até para mim pessoalmente”, contou ela à EXAME.

Ela destacou, durante a entrevista, que conversou com amigos jornalistas para assimilar melhor o papel. “Acabei perguntando algumas coisas [para os amigos], mas eu acho que o principal exercício que fiz foi trabalhar a minha própria curiosidade. O que eu entendi dessa parte do jornalismo foi isso: saber fazer as perguntas certas. Confesso que fui contaminada por essa curiosidade também”.

Silveiro Pereira encarou o desafio de viver Francisco e entrar na pele do Maníaco do Parque. Aos 42 anos, ele disse à EXAME que lembra do caso passando na TV, mas nasceu no interior do Ceará, então teve pouco contato com a história real. “Não era tão ligado no noticiário de São Paulo. Mas me ajudou muito ter acesso a mais de 200 páginas do processo. Foram mais de 50 pessoas entrevistadas, entre vítimas e familiares das vítimas, dois meses de preparação de elenco”, relatou.

A dificuldade, para ele, foi encontrar um equilíbrio entre o Francisco relatado nos documentos e o Maníaco que vive e viveu no imaginário popular das pessoas. “Eu sou amante de true crime, então realmente fui atrás de buscar essa identificação com o personagem, do físico, do olhar até a emoção que eu passava pela fala, mas ao mesmo tempo mostrando os horrores que ele fez”, comentou Silveiro.

Problemas de roteiro e atuação

Embora o filme tenha uma proposta de apresentar um viés mais feminino na abordagem, ele sofre com problemas de atuação e narrativa. Giovanna Grigio encara um papel complexo e seu desempenho desagradou boa parte do público. A tentativa de produzir um roteiro pelo viés investigativo, com um olhar mais sensível às vítimas, na tentativa de dar mais protagonismo a elas, é até válida. As cenas dos ataques conseguem transmitir a sensação de “medo” e passa-se a entender a obsessão que a mídia tinha com o caso. Mas o roteiro não consegue sustentar o filme: muito apoiado na performance de Grigio, o texto não destaca grandes novidades e acaba caindo em alguns clichês. O retrato do jornalismo investigativo, que parece caricaturado em diversas partes do filme, é um deles.

O longa tem, no entanto, pontos positivos. Silvero Pereira entrega uma interpretação sólida de Francisco de Assis Pereira, que reforça a brutalidade e a frieza do personagem sem torná-lo em um ser sedutor para quem assiste — um fator importante para esse gênero. A participação de Olivia Lopes como uma ex-namorada do assassino, ainda que breve, também é marcante e bem desenvolvida. No fim, o longa se beneficia de uma pesquisa intensa sobre o caso para fundamentar a narrativa, mesmo que o resultado final deixe a desejar em termos de execução.

 

Por Luiza Vilela

Foto: Marcio Nunes/Prime Video / Reprodução Exame

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