Há dois anos, seis jovens mulheres — Sophia, Lara, Manon, Daniela, Megan e Yoonchae — saíram do anonimato relativo para a fama na internet quando o reality show da Netflix, “Pop Star Academy”, as transformou no grupo feminino Katseye, hoje indicado ao Grammy.
Quando seus nomes foram anunciados na final, as novas integrantes — que superaram 120.000 outras candidatas que disputavam uma vaga — se abraçaram e se parabenizaram entre lágrimas, todas usando conjuntos idênticos de blazer e saia cinza, combinados com camisas brancas, meias até o joelho e sapatos pretos — reproduzindo o tipo de uniforme usado por estudantes sul-coreanas do ensino médio.
O grupo tem o respaldo da Hybe Corporation, que levou o K-pop para o público global através de mega artistas como BTS, e da Universal Music Group, a maior gravadora do mundo e proprietária da Geffen Records. Juntas, elas buscaram criar o primeiro grupo feminino multirracial mainstream do mundo baseado na estrutura tradicional do K-pop, que inclui melodias cativantes, movimentos de dança sincronizados e uma forte ênfase no apelo estético.
Desde então, as integrantes do Katseye têm se apresentado com diversos looks marcantes, desde os reveladores trajes de couro vermelho usados em agosto durante sua apresentação no festival Lollapalooza, que atraiu públicos recordes, até os vestidos brilhantes da Dolce & Gabbana usados em sua estreia no tapete vermelho do MTV VMAs um mês depois.
No início do verão, elas estrelaram uma campanha viral para a Gap enquanto dançavam usando jeans de cintura baixa ao som da música “Milkshake” de Kelis, de 2003. Em outras ocasiões, elas mergulharam nos arquivos de marcas de luxo e usaram peças de grifes como Prada, Hussein Chalayan e Balenciaga do início dos anos 2000 desenhadas por Nicolas Ghesquière. E enquanto embarcam em sua primeira turnê solo pela América do Norte — cujos ingressos se esgotaram em minutos — mais conjuntos chamativos certamente farão parte do espetáculo.
O gênio criativo por trás da imagem da banda é Humberto Leon, ex-empresário e designer de moda. Hoje, como diretor criativo do Katseye, Leon estiliza as integrantes da cabeça aos pés, opinando sobre cada detalhe, dos acessórios ao cabelo e maquiagem. Em resumo, tudo relacionado à imagem visual do grupo está sob a responsabilidade de Leon.
“Havia essa sensação de mistura entre moleque e rebeldia”, disse Leon à CNN, ao refletir sobre a primeira aparição do Katseye como grupo. “Os uniformes acrescentaram um aspecto divertido à narrativa.”
Uniformes escolares são um elemento popular e recorrente na cultura pop, como visto com Britney Spears aos 16 anos no videoclipe de “Baby One More Time”. Diversos grupos femininos de K-pop, incluindo Girls” Generation, Red Velvet e 2NE1, também já os utilizaram, pois transmitem uma imagem jovem e renovada. Mas o visual do Katseye teve toques sutis que fizeram avançar esse motivo visual comum, segundo Leon, cujo trabalho subversivo com moda ao longo de décadas frequentemente atraiu públicos descolados.
“Queríamos nos diferenciar”, explicou. “Então todos os blazers eram, na verdade, modelos masculinos.”
Unindo culturas
O K-pop ganhou significativa popularidade ao longo dos anos, mas o Katseye (que foi treinado usando a metodologia K-pop) é diferente de muitos outros grupos do gênero. O grupo é composto por múltiplas etnias:
- Sophia é das Filipinas;
- Yoonchae nasceu na Coreia do Sul;
- Manon foi criada na Suíça, filha de pais suíço-italianos e ganenses;
- Daniela é venezuelana-cubana e Lara tem descendência indiana, embora ambas tenham nascido e crescido nos EUA;
- e Megan é do Havaí, filha de mãe singapurense-chinesa e pai sueco-americano.
As músicas também são cantadas quase inteiramente em inglês. Desde a estreia oficial do Katseye em 2024 com o EP “SIS (Soft is Strong)” e o single viral “Touch”, que rapidamente entrou na playlist Top Hits do Spotify, o grupo se tornou uma das novidades mais observadas do pop, adorado por seu apelo diversificado.
Leon compartilha uma origem igualmente multicultural. Atualmente, ele reside em Eagle Rock, bairro do nordeste de Los Angeles onde nasceu e foi criado por um pai peruano e uma mãe chinesa, a quem atribui seu amor pela moda. “Minha mãe trabalhava em uma lanchonete durante o dia, mas à noite, ela se dedicava a várias atividades interessantes, como vender chapéus de caubói para as pessoas, ou nos anos 80 ela vendia casacos de pele em casa, quase como as pessoas vendem Tupperware hoje”, disse.
“Ela sempre me incentivou a ser eu mesmo e a ousar, a não precisar que as coisas fossem tão perfeitas”, acrescentou Leon. “Levei muito disso a sério.”
Após trabalhar como visual merchandiser para Gap e Burberry no início de sua carreira, Leon fez seu nome em Nova York nos anos 2000 — ele cofundou a Opening Ceremony (um destino de compras cult, hoje fechado, com lojas em Nova York, Los Angeles e Tóquio) e foi anteriormente codesigner da Kenzo, cargo que ocupou junto com Carol Lim, com quem revitalizou a marca injetando uma sensibilidade jovem e urbana que atraía os compradores.
“A Opening Ceremony era a antítese de tudo que eu já tinha feito”, disse Leon. “Era sobre celebrar jovens designers e viajar pelo mundo encontrando estas joias e trazendo-as para um único lugar, criando quase uma praça central onde as pessoas podiam descobrir coisas. Algumas pessoas compravam, outras não — mas para nós, isso não importava. Era sobre criar uma comunidade onde as pessoas pudessem se reunir.”
Leon faz parte de uma onda de pessoas do mundo da moda que nos últimos anos fizeram a transição para a música e entretenimento. Cynthia Oh, por exemplo, trabalhou no varejo de luxo por mais de duas décadas antes de se tornar diretora criativa visual na Hybe e, agora, na The Black Label — empresa do super produtor de K-pop Teddy Park, que representa, entre outros, Rosé do Blackpink.
“Sempre celebrei essa ideia de unir culturas”, continuou Leon. “E assim, de muitas maneiras, a Katseye é apenas uma versão diferente disso.”
Um novo tipo de girl power
O retorno de Leon a Eagle Rock e sua subsequente decisão de lançar o restaurante peruano-chinês Chifa, em 2022, foi impulsionado pela pandemia de Covid-19. Mas isso também levou à sua transição para a indústria musical. “Um dia, esta ótima banda punk rock feminina chamada The Linda Lindas apareceu”
“Fiquei realmente inspirado por eles e disse: “Adoraria fazer um videoclipe para vocês. Vamos fazer algo divertido””. Assim, Leon trabalhou com a banda para criar videoclipes para seu álbum de 2022, “Growing Up”, que posteriormente chamou a atenção do presidente da Hybe, Bang Si-hyuk, e do presidente e CEO da Interscope Geffen A&M, John Janick.
“Eles me procuraram e perguntaram se eu estaria interessado em trabalhar com um grupo feminino global”, disse Leon. “Uma coisa que percebi em todos os meus outros empreendimentos anteriores é que havia essa conexão com narrativas e autenticidade. Quando consegui entender isso por mim mesmo, senti que poderia trazer essa mesma energia para outras coisas”, explicou.
“O restaurante foi a primeira coisa que comecei fora da moda — ainda assim, muitas pessoas me dizem que tem uma vibração semelhante à Opening Ceremony. Isso me fez perceber que estava no caminho certo e que poderia trazer esse sentimento para outras culturas e trabalhos artísticos.”
As primeiras interações de Leon com o Katseye envolveram “realmente conhecê-las”. Já existiram “incontáveis” grupos femininos, disse ele, citando uma lista de artistas que as precederam, como Spice Girls e Destiny”s Child, então era crucial descobrir “as ideologias e virtudes que essas garotas trazem” e o que as tornava diferentes.
“A primeira coisa que disse a elas foi: ‘Quero ouvir sobre suas origens, como vocês cresceram. Sei que vocês podem dançar, podem cantar, mas vamos falar sobre o que vocês verdadeiramente amam e o que as inspira’, e com isso, conseguimos criar uma história que fosse genuína”, disse.
“Falamos muito sobre silhuetas, falamos sobre estilistas, mas vai além disso. Garantimos que a cultura delas esteja presente e que cada garota, como um todo, seja representada”, continuou Leon, destacando como exemplo o bindi usado por Lara.
O bindi — marca decorativa ou adesivo usado na testa, principalmente por mulheres nas tradições hinduísta, jainista e budista — é frequentemente usado por Lara, que, embora não tenha revelado sua religião, já falou publicamente sobre usá-lo como forma de resgatar e representar a identidade sul-asiática pela qual foi alvo de provocações na infância.
Essa ênfase na representatividade também se estende à música do Katseye. O EP mais recente da banda, “Beautiful Chaos”, lançado em junho, marca um capítulo mais ousado, com faixas como “Gnarly” e “M.I.A” destacando a extensão vocal de cada integrante e suas identidades pessoais cada vez mais definidas. “Gabriela”, o segundo single do EP, é “muito diferente da maioria das outras músicas por ter uma feminilidade própria”, explicou Leon.
“Daniela canta a parte em espanhol da música. Ela tem essa vibe latina que queríamos garantir capturar”. O que permanece crucial, tanto em suas músicas quanto no estilo, é “que exista sinergia entre todos”, disse Leon.
Com a turnê do Katseye começando, apenas algumas semanas após a primeira indicação da banda ao Grammy, Leon mantém discrição sobre o figurino do palco. “Gostamos de manter as coisas como surpresa”, provocou, mas ressaltou que manter um senso de identificação e individualidade continuam sendo prioridades principais.
Para Leon, Katseye é a personificação do girl power para uma audiência da Geração Z que está “faminta por autenticidade e marcas genuínas que defendam algo, ou uma voz com a qual possam se identificar”, disse ele. Mas o grupo, Leon espera, não é apenas para garotas jovens, mas para fãs de todos os gêneros e idades. “Quero que as pessoas se vejam no Katseye”, disse ele. “Quero que fiquem empolgadas que um grupo como o Katseye existe.”
Por Revista Plano B
Fonte CNN Brasil
Foto: Reprodução/HYBE







