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Herói por um dia: homenagem do CBMDF marca vida de jovem com síndrome de Down

O sargento Nilson Magalhães demonstrava inquietação naquela manhã ensolarada de quinta-feira. O celular...

O sargento Nilson Magalhães demonstrava inquietação naquela manhã ensolarada de quinta-feira. O celular tocava a todo instante. Era a irmã que estava perdida e pedia orientação para chegar no Centro de Treinamento Operacional do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CTOp/CBMDF) com o filho. Ele atendia as ligações e passava a direção correta enquanto caminhava de um lado para o outro no pátio e cumprimentava os colegas com um tom de voz embargado, contido. Parecia querer transmitir um ar de serenidade, disfarçar a ansiedade, mas era visível o nervosismo do militar, afinal, em alguns minutos, ele encontraria o sobrinho Lucas Lamounier, de 30 anos, para vivenciarem, juntos, uma experiência inesquecível: o sonho do jovem de viver, por um dia, a rotina de um verdadeiro bombeiro militar.

O carro, finalmente, estaciona na frente do quartel. Nilson, já vestido com parte da farda, acelera a passos largos para receber a irmã e o sobrinho, mal contendo a emoção. Lucas ainda não sabia o que o esperava. Era uma surpresa! Porém, mesmo sem saber a razão que o levou até lá, logo que a porta se abre e o jovem vê o militar uniformizado, não hesita e sai em disparada na direção do tio para envolvê-lo num abraço caloroso, demorado e carregado de afeto. Instantes depois, Lucas segura o rosto de Nilson com ternura, o olha fixamente, e diz: “meu amor”!

Não foi uma frase solta, mas uma declaração que ele repetiria muitas vezes ao longo do dia, como se cada “meu amor” registrado em palavras fosse um lembrete da profundidade do vínculo entre eles. Os olhares dos dois se buscavam o tempo todo. A cada oportunidade, Lucas expressava o que sentia com pureza e sinceridade. E Nilson retribuía delicadamente sempre com os olhos cheios de orgulho e lágrimas. Não era apenas laço de sangue. Era ligação de alma. Era respeito, gratidão, admiração, cuidado… e um amor incondicional que transbordava, desses que nem o tempo, nem a dor, nem as batalhas da vida conseguem abalar.

Mesmo para um militar acostumado a conter a emoção durante as missões mais exigentes, foi impossível conter algumas lágrimas de alegria, orgulho e realização. Enquanto Lucas, com o seu jeito sincero, irradiava felicidade e contagiava a todos. Depois de receber o carinho do tio, Lucas foi oficialmente recepcionado pelo tenente Diego Sousa, coordenador do evento.

“Seja bem-vindo à rotina de bombeiro, Lucas. Você vai experimentar o que costumamos fazer no nosso dia-a-dia. E agradeça ao seu tio porque foi ele que nos deu a oportunidade juntamente com a sua família para você estar aqui conosco. Tá preparado?”

“Tô preparado. É um sonho para mim”, responde Lucas.

Segundo o oficial, a programação foi elaborada pelo próprio comandante do CTOp, tenente-coronel Eduardo, e por todos os militares das seções responsáveis. “A ideia é tentar proporcionar diferentes momentos ao Lucas que sempre valorizou a nossa profissão e abraçamos essa causa. O objetivo também é mostrar um pouco das nossas atividades e responsabilidades. Além disso, é um ótimo momento para aliviar também as nossas tensões porque alegra muito o nosso coração participar de eventos com o público da nossa capital”.

Vitória contra o câncer

A equipe de bombeiros envolvida na ação também se comoveu com a cena e logo cumprimentaram Lucas e a mãe, Núbia Magalhães. A homenagem foi idealizada pelo sargento Nilson, militar da reserva da corporação, que enfrentou recentemente uma dura batalha contra o câncer. Ao vencer a doença, decidiu transformar a gratidão pela vida em um gesto de amor: homenagear o sobrinho que sempre o admirou e teve nos bombeiros seu maior exemplo de coragem. Para executar a operação, no entanto, foi preciso receber a autorização e cooperação do comandante do CTOp/CBMDF, tenente-coronel Eduardo, que prontamente ofereceu toda a estrutura e equipamentos para viabilizar a homenagem ao jovem Lucas.

“Depois de tudo que passei, pensei em fazer algo que celebrasse a vida. Muitas vezes, as pessoas enxergam o câncer como um ponto final, mas eu o encarei como uma vírgula, como uma pausa no texto da vida. É o momento quando percebemos as coisas simples da vida e foi aí que lembrei que o meu sobrinho tinha o sonho de ser bombeiro e sentia um amor muito grande pela minha profissão. Então, decidi prestar essa homenagem a ele e sou muito grato ao comando e à toda equipe do CTOp do CBMDF por ter me apoiado integralmente”, explica, Nilson, emocionado.

Depois de ser recepcionado com honras no pátio do centro de treinamento, Lucas foi vestido com a tradicional Roupa de Combate a Incêndio Urbano (RCIU), capacete e luvas. Emocionado, ele conheceu de perto viaturas emblemáticas da corporação, como a Auto Bomba Tanque (ABT), o Auto Salvamento e Extinção (ASE) e a Unidade de Resgate (UR). O próprio tenente Diego fez questão de explicar calmamente todos os detalhes do painel da ABT e Lucas pôde testar o rádio e a buzina típica da viatura do Corpo de Bombeiros. Mas o momento de maior euforia foi quando o rapaz embarcou na ABT e percorreu a base ao som das sirenes, acompanhado por familiares e pelos militares.

E o dia de herói estava apenas começando. Na câmara quente da casa de fumaça, uma das estruturas usadas para treinos realistas, foi aceso um foco de incêndio controlado. Ali, Lucas participou de uma simulação técnica, conduzido por seu tio e por bombeiros da Seção Técnica de Combate a Incêndio (STCI), todos equipados com trajes completos para garantir a segurança da ação. Mas os militares não facilitaram e se empenharam para oferecer uma experiência mais próxima da realidade para o rapaz.

Lucas participou da montagem de uma linha direta de combate, pressurizada pela bomba da viatura. Em um gesto simbólico, mas profundamente tocante, o esguicho foi entregue a Lucas e ao sargento Magalhães. Juntos, sob supervisão da equipe, eles “combateram” o fogo sem exposição direta à fumaça, enquanto sorrisos, aplausos e lágrimas se misturavam entre os que assistiam à cena.

Na etapa seguinte, Lucas foi conduzido às torres operacionais, onde viveu outra simulação marcante: a descida técnica conjugada com um bombeiro na cadeira japonesa da torre auxiliar, conduzida pela Seção Técnica de Salvamento (STS). A ação foi executada com todo o rigor técnico, equipamentos e segurança, levando o homenageado até o solo sob olhares atentos e emocionados. Sobretudo da mãe, Núbia Magalhães, que acompanhou, com olhos marejados, toda a aventura vivida pelo filho.

“O coração bate mais forte, mas só de ver a alegria nos olhos dele é tudo superável. É uma realização e uma emoção difícil de explicar porque ele sempre teve esse sonho e falava sempre que queria ser bombeiro por que sempre foi fã do meu irmão. Sou muito grata ao Nilson e à toda equipe do Corpo de Bombeiros que participou desse momento. Agora temos dois bombeiros na família”, comemora, a mãe de Lucas.

Mas ainda havia mais: a simulação de resgate de uma vítima em solo. Lucas, guiado pelos profissionais da equipe de Atendimento Pré-Hospitalar (EAPH), participou do empranchamento e da colocação da vítima em uma maca na viatura de resgate. Com atenção e entusiasmo, Lucas executou cada passo como se já fizesse parte da tropa. E surpreendeu a todos quando, instintivamente, tomou a iniciativa e fez a massagem cardíaca de maneira correta quando viu o bombeiro deitado simulando uma vítima de acidente.

O encerramento do evento foi realizado no espaço entre as torres operacionais no centro de treinamento. Lá, entre abraços, fotos e homenagens, ficou registrado um momento que não cabia apenas nas estatísticas ou nos protocolos da corporação e transbordava no coração. Como recordação, Lucas recebeu uma caneca personalizada das mãos do tenente Diego e, do tio, ganhou o capacete original de um combatente do fogo do CBMDF.

De acordo com o comandante do CTOp, tenente-coronel Eduardo, além de prestar serviços emergenciais, o CBMDF procura, sempre que possível, se aproximar da sociedade.

“No mês passado, abrimos as provas profissionais internas ao público e proporcionamos um dia de bombeiro para o Lucas. É uma logística simples, mas que muda a vida de uma família para melhor e é muito gratificante para nós podermos realizar esse sonho e ter esse contato com a comunidade. Ainda mais sendo o Lucas, sobrinho do sargento Magalhães que sempre topa qualquer missão independentemente se é fácil ou difícil. Ele nunca diz não”.

Lucas deixou o quartel com o mesmo brilho nos olhos com que chegou, mas, depois do que viveu, esse brilho carregava mais do que esperança: os olhos puros daquele jovem esboçavam a realização. Vestindo o capacete da corporação, ele não apenas viveu o sonho de ser bombeiro militar por um dia, mas interagiu ao lado do seu maior exemplo de coragem e amor, o tio Nilson. Para o jovem, foi mais que um dia de farda e treinamento; foi um encontro de histórias, de superações e de um afeto que só cresce com o tempo. Lucas voltou para casa como entrou: sorrindo. Mas agora, com a alma vestida de herói.

Por Revista Plano B

Fonte Jornal de Brasília

Foto: Afonso Ventania/ Bikerreporter Jornal de Brasília

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