Antes sinônimo de estabilidade e direitos garantidos, o modelo de trabalho com carteira assinada vem perdendo espaço entre os jovens da Geração Z — grupo de 18 a 27 anos — como mostrou a série “A nova cara do trabalho”, publicada pelo Correio. No entanto, uma nova pesquisa indica que essa mudança de preferência pode acabar beneficiando justamente quem ainda opta por esse tipo de vínculo formal.
Um levantamento realizado pela consultoria global Robert Half mostra que os profissionais nesta faixa etária são os que mais elevaram suas expectativas salariais no último ano. Para 74% dos empregadores brasileiros ouvidos, os candidatos da Geração Z estão mais exigentes quando o assunto é remuneração — comportamento menos intenso entre Millennials (24%), Geração X (18%) e Baby Boomers (9%).
Essa mudança de postura se reflete não apenas na forma como os jovens negociam salários, mas também na preferência por modelos de contratação mais flexíveis, como o trabalho autônomo, por projeto (freelancer) ou como pessoa jurídica (PJ). Embora essas modalidades ofereçam maior autonomia, muitas vezes deixam os trabalhadores desprotegidos em relação a direitos historicamente assegurados pela CLT, como férias remuneradas, 13º salário, licença médica e aposentadoria.
“Essa geração valoriza propósito e ambiente de trabalho, mas também entende o reconhecimento financeiro como parte essencial do pacote”, afirma Amanda Adami, gerente da Robert Half. “Com o desemprego em baixa, há maior competitividade, o que reforça a percepção de valor dos profissionais da Geração Z.”
Direitos em xeque
A reinvenção das relações de trabalho já é uma realidade. O desafio, segundo especialistas em direito do trabalho, é proteger os trabalhadores do futuro sem restringi-los aos modelos do passado, especialmente uma geração cada vez mais avessa aos vínculos formais. “Estamos diante de uma encruzilhada: ou modernizamos os mecanismos de proteção para atender à nova realidade do trabalho, ou corremos o risco de ampliar a precarização”, avalia a advogada trabalhista Ana Paula Magalhães.
Segundo a especialista, essa “modernização” exige uma revisão profunda das políticas públicas e dos marcos legais ainda baseados na lógica tradicional da relação entre patrão e empregado. Com o avanço da informalidade, inclusive entre jovens qualificados, aumenta a pressão para que o Estado crie mecanismos que assegurem direitos como aposentadoria, plano de saúde, cobertura por acidentes de trabalho e licença-maternidade, mesmo fora do regime da CLT.
O levantamento da Robert Half mostra que o foco da Geração Z está em desenvolvimento profissional, impacto social e qualidade de vida. Entre os que esperam aumento salarial nos próximos 12 meses, 39% citam a aquisição de novas habilidades como justificativa, enquanto 34% apontam o alcance de metas de desempenho e 28% mencionam o aumento do custo de vida.
Além do salário, os benefícios corporativos têm ganhado cada vez mais relevância entre os jovens. Quase 72% dos empregadores relataram um aumento nas exigências por esse tipo de contrapartida, o maior índice entre todas as gerações. Para as empresas, o cenário impõe a necessidade de revisar pacotes de contratação e adotar estratégias de atração e retenção mais alinhadas às novas expectativas do mercado.
Para a Geração Z, a carteira assinada pode parecer um símbolo de rigidez. Já para o país, o grande desafio é garantir que a busca por liberdade e flexibilidade não venha acompanhada da perda de direitos básicos. A solução, talvez, não esteja em resgatar a CLT como ela é, mas em construir novas formas de proteção — tão dinâmicas e adaptáveis quanto os profissionais que se deseja alcançar.
Segundo a gerente da pesquisa, cabe às empresas compreender essas transformações e elaborar propostas que sejam, de fato, percebidas como atrativas por esse novo perfil de trabalhador. “O equilíbrio entre reconhecimento financeiro, oportunidades de crescimento e qualidade de vida tende a determinar o sucesso das estratégias de atração e retenção de talentos, agora e no futuro. As lideranças precisam estar atentas a isso para formar equipes de alta performance e sustentáveis no longo prazo”, conclui Amanda.
Flexibilidade
A psicóloga e especialista em RH, Mônica Ramos, destacou as profundas diferenças de visão e prioridades da Geração Z. “Acredito que as demais gerações e empresas terão que, aos poucos, se adequar à Geração Z. Ela está aí e não será diferente. Será um aprendizado”, afirmou.
Para ela, para que essa faixa etária volte a se interessar pela CLT, as empresas precisarão oferecer jornadas e modelos de trabalho mais flexíveis, como regimes híbridos, remotos e banco de horas. “Também vai precisar incluir o incentivo a ambientes que de fato tenham diversidade e inclusão, líderes coaches que incentivam o aprendizado de que eles são facilitadores e não comandantes”, explica.
“As empresas terão, também, que implementar o modelo de benefícios flexíveis, programas voltados para o bem estar dos colaboradores e um ambiente em que o colaborador possa ser ouvido, suas opiniões tenham impacto na empresa”, emenda Ramos.
O especialista em educação empresarial e gestão emocional, Leonardo Loureiro, também acredita que, para a CLT voltar a atrair os jovens, é preciso repensar alguns aspectos. “É necessária uma flexibilização maior nas jornadas, a possibilidade de contratos híbridos ou por projeto dentro do regime, além de benefícios mais personalizados, como apoio à saúde mental, educação continuada e oportunidades de trabalho remoto. O modelo atual ainda é muito engessado e não conversa com o estilo de vida da Geração Z”, diz.
Loureiro complementa: “O mercado de trabalho está passando por uma transformação profunda, e a legislação ainda está correndo atrás dessas mudanças. Não se trata apenas de uma escolha da juventude, mas de um movimento global de reformulação das relações de trabalho. As empresas que entenderem isso e se adaptarem primeiro, oferecendo estrutura sem abrir mão da liberdade e do propósito, estarão mais preparadas para atrair e reter esses novos profissionais.”
Para o economista Otto Nogami, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), o comportamento dessa geração diante do trabalho formal não deve ser visto apenas como um desafio, mas como um sinal claro de transformação estrutural do mercado. “Essa realidade impõe um duplo movimento: de um lado, a modernização das relações de trabalho e dos mecanismos de proteção social; de outro, uma reflexão profunda sobre o futuro da previdência, que deve ser inclusiva, sustentável e adaptada a um mundo cada vez mais digital e descentralizado”, avalia.
No fim, especialistas apontam que a resistência da Geração Z à CLT representa um desafio duplo: enquanto as empresas tradicionais precisam reinventar seus modelos para atrair e reter esses jovens talentos, o Estado é pressionado a repensar políticas de regulação, qualificação profissional e previdência.
O economista e sociólogo Vinicius do Carmo ressalta que as grandes empresas já começam a se adaptar, mas ainda há um longo caminho pela frente. “A Geração Z não é um grupo homogêneo, mas deixa uma mensagem clara: os arranjos tradicionais de trabalho não atendem mais às suas expectativas de vida.”
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Pacífico