A Justiça italiana deve decidir em até 48 horas se dá início ao processo de extradição da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), presa na tarde desta terça-feira (29) em Roma. A Polícia Federal informou que um delegado localizou o endereço da parlamentar e o entregou às autoridades italianas, que foram até o apartamento onde ela estava morando e a conduziram para a delegacia.
Em junho, a parlamentar foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sem possibilidade de recurso, a 10 anos de prisão em regime fechado e ao pagamento de uma multa de R$ 2 milhões. Ela foi apontada como a mandante da invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que resultou na emissão de um mandado de prisão falso contra o ministro Alexandre de Moraes.
A cidadania italiana de Zambelli não a impede de ser extraditada, mas em casos que envolvem alta repercussão política e possível alegação de cidadania estrangeira, o processo de extradição tende a ser mais demorado. “Estimativas mais conservadoras apontam que pode levar de alguns meses a mais de um ano, ou até mais, para uma decisão final sobre a extradição”, explicou ao Correio a especialista em direito internacional e penal, Hanna Gomes. Isso acontece porque a Itália não extradita automaticamente seus cidadãos. Além da possibilidade de asilo político e extradição, a Justiça italiana pode decidir ainda pelo cumprimento da pena em regime fechado ou domiciliar na Itália.
“A Itália pode negar o pedido de extradição, mas o tratado bilateral com o Brasil pode flexibilizar isso. Entre outros fatores, um fundamento para a negativa pode ser a Itália considerar que o pedido de extradição tem motivação política, o que é proibido por tratados internacionais”, disse Gomes.
O advogado Sérgio Martins destacou que o pedido de extradição pode ser negado caso não atenda aos requisitos dispostos no tratado bilateral. E se a Itália reconhecer que a condenação tem motivação política, poderá conceder o asilo à parlamentar brasileira.
Em caso de punição, ela poderá cumprir pena no Brasil ou em solo italiano. Martins lembra que essa etapa nada tem a ver com a condenação do Supremo Tribunal Federal, que é definitiva. “O processo de extradição na Itália não é uma nova oportunidade para recorrer da condenação em si”, comentou Gomes.
A prisão de Carla Zambelli teve repercussão imediata no Brasil e na Itália. Um dos primeiros a comentar a detenção da brasileira foi o deputado italiano Angelo Bonelli. Em uma rede social, escreveu: “Carla Zambelli está em uma casa em Roma. Dei o endereço à polícia, e a polícia já identificou Zambelli”. Em diversas ocasiões, Bonelli questionou a situação da parlamentar no país europeu. “O governo (italiano) continua em silêncio sobre o caso Zambelli. Por que uma pessoa procurada e condenada no Brasil pode viver tranquilamente na Itália sem ser presa?”, escreveu em uma rede social.
Pouco depois da postagem de ontem, o Ministério da Justiça confirmou a prisão de Zambelli.
Arma na rua
A deputada bolsonarista também é ré em outro processo no STF por perseguição com arma de fogo a um homem na véspera do segundo turno das eleições presidenciais em 2022. Segundo o inquérito, a deputada perseguiu o suposto apoiador do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva com uma arma na rua em São Paulo e o obrigou a deitar no chão.
Pressionada pelo Supremo Tribunal Federal, a parlamentar decidiu deixar o Brasil. Em 3 de junho, ela disse à uma rádio bolsonarista que havia deixado o país, anunciou que iria pedir o afastamento do cargo e alegou que era “intocável” por ter cidadania italiana.
No dia seguinte, um youtuber descobriu que ela estava na Flórida, nos Estados Unidos. Zambelli decidiu então ir para a Itália e chegou a Roma em 5 de junho. Nesse mesmo dia, Moraes determinou a inclusão do nome da deputada na lista de difusão vermelha da Interpol. Ela estava foragida desde então, quando foi decretada a prisão preventiva. Na decisão que condenou Zambelli, foi determinada a perda do mandato parlamentar, que depende da análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Caso reacende polêmica cassação x perseguição
A prisão da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) desencadeou uma onda de reações entre os parlamentares, aprofundando o racha entre os que defendem sua cassação imediata e aqueles que denunciam uma suposta perseguição judicial. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), declarou que a Casa já está adotando as providências legais cabíveis. “Tomei conhecimento da prisão da deputada Carla Zambelli pela imprensa. Consultei o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que nos repassou informações preliminares. Aguardamos as manifestações oficiais do Ministério da Justiça e do governo italiano”, afirmou Motta, em publicação na rede social X (antigo Twitter).
O parlamentar lembrou, ainda, que “as providências que cabem à Câmara já estão sendo adotadas, por meio da Representação que tramita na CCJC, em obediência ao Regimento e à Constituição. Não cabe à Casa deliberar sobre a prisão – apenas sobre a perda de mandato”, diz o texto.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS), integrante da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), protocolou requerimento solicitando que a Mesa Diretora declare a perda do mandato de Zambelli. Para a parlamentar, não há mais espaço para protelação. “A permanência de Zambelli no cargo representa um escárnio ao Estado de Direito e um atentado à moralidade pública”.
Segundo Rosário, “já tínhamos o entendimento e deduzido o pedido, em conformidade com o acórdão condenatório, no sentido de que o trânsito em julgado impõe a suspensão imediata de seus direitos políticos, nos termos do artigo 15, III, da Constituição Federal, a ser declarada pela Mesa”. Ela afirma que houve um “trâmite anômalo e ilegal” ao se remeter o caso à CCJC, quando, em sua avaliação, a cassação já deveria ter sido declarada de ofício.
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) usou o X também cobrando providências. “Foragidos não podem legislar. A Câmara deve cumprir a Constituição”, referindo-se à cassação. Duda Salabert (PDT-MG) escreveu que a prisão de Zambelli é o primeiro passo. “A prisão de Carla Zambelli é uma vitória do Estado Democrático de Direito. Que ela responda por seus crimes e pelos ataques que articulou contra a democracia. O cerco se fecha, e o dia de Bolsonaro está chegando”.
A ex-aliada do clã bolsonarista e ex-deputada Joice Hasselmann foi direta: “Carla Zambelli, enfim, vai pagar pelos crimes que cometeu. Ela foi presa na Itália. Toc-toc-toc”. O senador Humberto Costa (PT-PE) classificou o episódio como “mais uma bolsonarista na cadeia”.
Em nota oficial, a Liderança do Partido Liberal (PL) na Câmara, por meio do deputado Sóstenes Cavalcante, manifestou solidariedade a Zambelli e sustentou que ela não foi presa, mas apresentou-se voluntariamente às autoridades italianas, iniciando um pedido de asilo político. “Esse gesto, firme e consciente, não é ato de fuga. É a consequência direta de um país que tem negado a seus representantes eleitos o direito à liberdade, ao contraditório e à legítima defesa”, afirmou.
O documento também denuncia o que chama de “estado de exceção camuflado”, alegando que o Judiciário “julga, censura, legisla, investiga e pune”, concentrando poderes sem controle. “Deputados silenciados. Jornalistas banidos. Presidentes sob tornozeleira. Perfis censurados. Contas bloqueadas”, diz o texto. E alerta: “Hoje é Carla Zambelli. Amanhã, será qualquer um de nós”.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
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