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De tarifaço à Lei Magnitsky: ataques de Donald Trump dividem brasileiros

Os seguidos ataques do governo de Donald Trump ao Brasil provocaram, nas últimas...

Os seguidos ataques do governo de Donald Trump ao Brasil provocaram, nas últimas semanas, reações opostas no país. De um lado, autoridades e diversos setores da sociedade civil repudiaram o que consideram uma agressão à soberania nacional, resultado de uma ação espúria de bolsonaristas. Do outro, apoiadores do ex-presidente acusam o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal (STF), na pessoa do ministro Alexandre de Moraes, como responsáveis pela ofensiva desferida pela Casa Branca.

Na última semana, as duas torcidas nesta disputa diplomática entre Brasil e Estados Unidos foram às ruas. Na terça-feira, milhares de motociclistas circularam pelas ruas de Brasília em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Presente ao evento, ele preferiu não discursar. Na sexta-feira, um grupo de manifestantes protestou em frente à embaixada norte-americana. Outros atos estão previstos para ocorrer nos próximos dias.

As reações à ofensiva norte-americana mostram um país dividido, apesar de os ataques provenientes dos Estados Unidos atingirem a todos, eleitores de Lula ou de Bolsonaro. O aumento de tarifas de importação e as declarações agressivas contra o sistema judiciário brasileiro alimentaram a polarização, e não o contrário. Em vez de se unirem contra as ameaças de uma nação estrangeira, os brasileiros permanecem desagregados.

Os levantamentos mais recentes do Instituto Datafolha indicam essa divisão. Tome-se, por exemplo, a revogação do visto norte-americano de Alexandre de Moraes, de familiares e de outros ministros do Supremo Tribunal Federal. Segundo o Datafolha, 47% dos brasileiros aprovam a medida unilateral do governo Trump. Outros 42% condenam a iniciativa.

Em relação à trama golpista, a polarização é mais evidente: 48% dos brasileiros querem ver Jair Bolsonaro preso após o julgamento do STF, enquanto 46% o desejam livre. Considerando a margem de erro do levantamento do Datafolha, temos um empate técnico.

O Datafolha revela, ainda, que 57% dos brasileiros consideram que Trump errou ao exigir que a Justiça brasileira interrompa o julgamento de Bolsonaro, acusado de tentar dar um golpe de Estado após ser derrotado nas eleições de 2022. Outros 36% afirmam que o republicano agiu corretamente, enquanto 7% não souberam responder.

A divisão da opinião pública se acentua conforme o alinhamento político dos entrevistados. Entre os eleitores do presidente Lula, 82% desaprovam a interferência de Trump. Já entre os eleitores de Bolsonaro, o cenário se inverte, onde 66% aprovam a atitude do presidente norte-americano, enquanto apenas 28% a consideram incorreta. Por meio da rede social X (antigo Twitter), o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) agradeceu a Trump, dizendo: “Obrigado pelo seu apoio, Trump. Nosso presidente Jair Bolsonaro sofre uma verdadeira perseguição por parte de um regime comunista”.

Prejuízos

A deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG), que participou na sexta-feira, do ato contra as sanções norte-americanas, em frente à Embaixada dos Estados Unidos, classificou como inaceitável a interferência de Trump na política e no Judiciário brasileiros. “O povo está ocupando as ruas para dizer que não dá para ter interferência. É um absurdo a taxação, em especial a setores econômicos”, afirmou.

Para Dandara, o tarifaço de Trump prejudica os dois países e representa um ataque direto à soberania. “Essa ação vai prejudicar tanto o Brasil quanto o comércio nos Estados Unidos. Ambos os lados terão que pagar a conta, e nós também queremos que a nossa soberania seja respeitada. Não dá para ter interferência de outro país no nosso Judiciário. Imagina se fosse o contrário, se fosse o Brasil aplicando sanções a ministros, a juízes dos Estados Unidos. Eu tenho certeza que não ficaria por isso mesmo”, criticou.

Radicalização

Mesmo com ampla rejeição à tentativa de interferência ao Judiciário e ao tarifaço, a expressiva adesão da população à retórica trumpista revela o grau de polarização que ainda marca a política brasileira. A postura de Donald Trump, considerada inaceitável por diversos setores institucionais, acaba sendo relativizada por parte da sociedade, que vê no deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ), filho 03 do ex-presidente, uma espécie de “defensor externo” de Bolsonaro.

Para o cientista político Leonardo Paz Neves, que atua como analista de inteligência qualitativa no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional (NPII) da Fundação Getulio Vargas (FGV), o índice de bolsonaristas que concordam com as ações trumpistas é “altíssimo” e “preocupante”. “Apoiar que um país estrangeiro interfira no funcionamento da Justiça brasileira e, mais ainda, ameace prejudicar a economia nacional para favorecer um aliado político, me pareceria algo inconcebível até pouco tempo atrás”, afirmou.

Para Paz Neves, o dado é um alerta sobre a profundidade da radicalização política em curso no país. “Estamos assistindo a uma radicalização aparentemente sem precedentes. Uma coisa é questionar urnas ou o Supremo. Outra, muito diferente, é defender abertamente a ingerência de uma potência estrangeira nos assuntos internos do país. Isso revela o quanto certos setores perderam o referencial democrático mínimo”, observou.

A normalização dessa postura, segundo o cientista político, passa pelo endosso direto de lideranças da extrema direita. “Você tem parlamentares levantando faixas de Trump, apoiando tarifas contra o Brasil, endossando ameaças. Quando o indivíduo médio vê isso sendo validado por uma liderança política, ele sente que há mérito naquela ação. E isso reforça o comportamento do grupo”, explicou.

Oportunismo

Paz Neves aponta ainda a contradição entre o discurso de patriotismo defendido por setores bolsonaristas e o apoio explícito a pressões externas sobre o país. “É um grupo que se notabilizou por se declarar o verdadeiro defensor da pátria, dos valores nacionais. Agora, são os primeiros a aceitar — e até festejar — que os Estados Unidos interfiram na nossa Justiça. Isso não está nos manuais clássicos da ciência política. É difícil compreender, racionalmente”, analisou.

Questionado sobre o que poderia explicar esse fenômeno, o especialista aponta uma combinação de oportunismo político e erosão moral. “É o tipo de personalidade política que coloca seu capital político acima de qualquer princípio. É como se, desde que isso favoreça o seu aliado, vale até mesmo sacrificar a soberania nacional. É isso que estamos vendo”, sustentou.

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense      

Foto: Ana Luiza Dutra/CB

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