O avanço na procura por cursos técnicos na área de energias renováveis tem redefinido a realidade da Escola Técnica Estadual Pedro Muniz Falcãoe provocado mudanças concretas na trajetória dos estudantes. Hoje,seis das 12 turmas técnicas da instituição são dedicadas ao curso de“Sistemas de Energia Renovável” —formação pioneira no estado.
“O curso foi pioneiro, abriu primeiro aqui. Hoje, tem em Itaíba também, mas aqui foi o pontapé inicial”, lembra o gestor da unidade,Ricardo Jacó. “Tudo foi construído do zero. O currículo foi construído aqui também, por meio da parceria com o setor produtivo.”
O curso é fruto de uma parceria entre a Votorantim Energia, o Itaú Educação e Trabalho, e o governo estadual. Segundo Jacó, essa articulação permitiu que a formação técnica fosse moldada conforme as reais necessidades das empresas da região. “A gente precisava traçar o perfil do aluno que a gente iria formar para atender à mão de obra do próprio setor produtivo. Foi o setor produtivo que passou para a gente as competências e habilidades desse técnico.”
A aproximação com a demandadas companhias que se instalaram na região nos últimos anos também garantiu a oferta de infraestrutura, estágios, palestras e visitas técnicas. “As empresas doam equipamentos, oferecem estágio nos parques eólicos. Isso é muito valioso para nós. A escola fez compra inicial com recurso próprio, mas agente não teria como montar esse laboratório como ele está hoje. É muito caro”, afirma o gestor.
Para Jacó, iniciativas como essas tornam o curso mais atrativo e aumentam a demanda. “O pulo do gato da parceria é esse: quando a comunidade sabe que você tem uma parceria forte com uma empresa que oferece estágio, isso é um atrativo muito forte. Porque o estágio abre portas para o emprego. ”A procura, no entanto, enfrenta desafios logísticos. Como a escola funciona em tempo integral durante o dia, é no turno da noite que os estudantes conseguem participar de estágios. “Durante o dia, os parques funcionam, mas o aluno está na escola. Então, o estágio acontece mais com o pessoal do subsequente, que é o da noite. Por isso,inclusive, estamos na iminência de formar mais duas turmas nesse horário”, diz.
O gestor destaca o impacto social da formação. “A gente ousou muito, porque substituímos um curso de informática em plena pandemia para criar o de energia renovável. E acertamos. Hoje, é o curso que está em maior evidência,nosso carro-chefe. A formação impacta diretamente na qualidade devida das pessoas que estão se formando aqui. Isso muda totalmente a realidade socio econômica dessas famílias.”
O reconhecimento do trabalho ultrapassou fronteiras. “A gente é objeto de estudo na Universidade de Stanford. Teve professor vindo aqui para pesquisa”, comemora o Jacó, que atribui o sucesso do programa à parceria com o setor produtivo. “Seria muita aventura alguém tentar fazer isso sozinho. Não há como implementar um curso desse tipo, não só em Pernambuco,mas em nenhum lugar, sem o setor produtivo caminhando junto.”
Superação e técnica
Aos 32 anos, Jaqueline Gonçalves é técnica de operação e manutenção na Auren Energia, mas sua história com a empresa começou de forma bem diferente. Natural do povoado de Monsanto, ela entrou na companhia para cobrir férias no setor de serviços gerais. “Eu fiquei e passei três anos e sete meses como serviço de gerais”, conta.
Desde o início, porém, ela já demonstrava interesse por uma área específica. “Quando eu iniciei como serviço gerais, eu me identifiquei de cara com o time de O&M(Operação e Manutenção). Foi algo que me chamou a atenção e que,se eu tivesse que escolher uma área de atuação, essa área seria a manutenção”, lembra.
Na época, ainda não havia formação técnica na região para quem quisesse atuar no setor de energias renováveis. Determinada, Jaqueline não desistiu, até conseguir se matricular na modalidade de Eletrotécnica no Senai. “Sempre pesquisando as escolas… Quando surgiu a questão do curso técnico, uma escola montou a primeira turma em Araripina. Meu irmão já estava lá,entraram em contato comigo e agente conseguiu montar a turma de eletrotécnica. E fui cursar.”
A rotina não era fácil. Ela dividia o tempo entre o trabalho, os estudos e a família, percorrendo diariamente o trajeto entre casa, emprego e o curso. “Eu fazia meu trabalho, terminava, ia até a cidade para o meu curso e depois voltava para casa”, contou. No total, eram cerca de 170 quilômetros rodados todos os dias.
Quando concluiu o curso, surgiu a oportunidade de estagiar e pouco tempo depois, veio a tão sonhada vaga efetiva. “Fui agraciada com a turma das primeiras estagiárias. Com cinco para seis meses no estágio, surgiu uma vaga para técnico de manutenção e eu consegui ingressar. Estou há exatamente 2 anos e 8 meses na vaga de técnica de operação e manutenção.”
Hoje, Jaqueline é técnica nível 2 e executa tarefas complexas no campo, como manutenção em subestações, troca de disjuntores e transformadores, bem como melhorias em redes de média tensão.
“O time da gente atua como time emergencial. Se acontece parada de equipamento, a gente atua o maisrápido possível dentro dos procedimentos de segurança. Faço trabalho em altura, atividades corretivas, manutenção de para-raios…”
Mãe solo de três filhos — de 15,10 e 8 anos — ela celebra as conquistas profissionais e pessoais.“Hoje, eu tenho uma qualidade devida melhor do que tinha anteriormente. Posso dar isso para os meus filhos também”, diz, orgulhosa. A mudança de vida foi radical. “Agora moro na cidade. Depois que eu cheguei aqui, construí a casa da minha mãe e melhorei a minha.”
Jaqueline também virou referência na região. “A última vez que fui na escola técnica, duas meninas disseram que decidiram estudar energia renovável porque viram a minha história. Eu sou de família humilde, criada por meus avós.Eles não tiveram oportunidade de estudar, e eu quis mudar isso.”
O impacto de sua presença vai além da própria trajetória. “Na época do curso o pessoal falava:‘Você está perdendo seu tempo e seu dinheiro’, mas essa é uma área que, graças a Deus, tem aberto muitas oportunidades para as mulheres.”
Matriz curricular
Para os alunos que já concluíram o ensino médio, os cursos da Escola Técnica Estadual Pedro Muniz Falcão têm duração de um ano e meio; já o ensino médio técnico é concluído em três anos. O professor Lucival Carvalho, engenheiro elétrico, ressalta a transformação.“É uma mudança muito acelerada. Em dois, três anos, já é possível observar uma evolução impressionante”, afirma.
A formulação da grade curricular para as turmas de energia renovável foi iniciada em 2020, em meio a pandemia, foi fruto de um esforço coletivo. Segundo o professor, ocurrículo foi cuidadosamente alinhado às demandas do setor produtivo local. “Abrange todas as etapas da cadeia energética, geração,transmissão, distribuição e consumo. O objetivo é formar nossos alunos para que possam contribuir diretamente com a comunidade.”
Carvalho destaca também a rapidez com que os estudantes se inserem no mercado de trabalho.“Tem alunos que chegam de outras áreas e, em pouco tempo, um ano ou um ano e meio, já começam a atuar em empresas do setor”, relata. Ele cita casos de alunos vindos da área de vendas, que em cerca de um a dois anos e meio, já assumem responsabilidades como liderança de equipes de manutenção.
Além das competências técnicas básicas, o curso também aborda desafios atuais do setor energético, como o armazenamento de energia. “O Operador Nacional do Sistema frequentemente limita a geração, e a solução passa justamente pelo armazenamento”, explica Carvalho.
O professor avalia, ainda, a importância de evitar perdas de energia gerada, que se tornam prejuízos e não forem injetadas na rede, e aponta as vantagens de armazenar energia para utilizá-la no horário de maior consumo, o chamado horário ponta, ou em outros momentos estratégicos. “Essas estratégias também fazem parte do aprendizado dos alunos”, destaca.
*A repórter viajou a convite da Auren Energia
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Auren Energia/Divulgação