No Distrito Federal, aproximadamente 55% da população tem dentro de casa um animalzinho de estimação — como gatos, cachorros, papagaios — segundo levantamento realizado pela Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios Ampliada (PDAD). Muitas vezes, os pets chegam aos ambientes familiares e se incorporam a esses núcleos, mas em meio a essa integração de bichos e seres humanos vêm responsabilidades, como manter a vacinação em dia, alimentar, dar banho e medicamentos aos bichinhos. Nessas horas, os tutores recorrem aos pet shops, que devem oferecer serviços de qualidade.
Recente episódio ocorrido no Hospital Veterinário do Gama (HVG) reacendeu o alerta sobre um tema que preocupa cada vez mais os tutores de animais de estimação: os maus-tratos durante visitas aos pet shops. Willian Moura, de 37 anos, levou seu cachorro para realizar um banho e tosa no dia 12 de abril e, no retorno do pet shop para casa, notou que o animal apresentava um comportamento estranho, dor ao ser tocado e sinais de medo.
Preocupado, ele esperou alguns dias, no entanto, sem sinais de melhora no quadro do pet, Willian voltou ao local, em 15 de abril, e solicitou acesso às imagens do circuito de segurança, com a intenção de verificar o que havia ocorrido durante o atendimento. A resposta do estabelecimento foi que as imagens não estavam mais disponíveis. No entanto, a legislação distrital, por meio da Lei nº 5.711/2016, é clara: pet shops (e similares) são obrigados a manter gravações com imagem e áudio dos procedimentos de banho e tosa por, no mínimo, 15 dias, e disponibilizá-las ao tutor do animal, caso solicitado.
Em relação às imagens do sistema de monitoramento, o hospital disse: “Nosso ambiente é totalmente envidraçado e visível ao público, permitindo que qualquer cliente acompanhe diretamente os serviços realizados. Ao recebermos o pedido de acesso às imagens, procedemos prontamente à tentativa de recuperação dos registros, e apenas nesse momento identificamos uma falha técnica pontual no sistema, que comprometeu o acesso ao material. Essa limitação foi imediatamente comunicada ao tutor com total transparência e boa-fé”.
O estabelecimento informou que cumpre as exigências da Lei Distrital nº 5.711/2016, “inclusive, no período mínimo de 15 dias para armazenamento de imagens. O episódio relatado resultou de um evento técnico isolado e não recorrente, sem qualquer intenção de ocultação de informações ou de descumprimento legal”.
O caso trouxe à tona questionamentos sobre os direitos dos consumidores em situações como essa, o amparo legal disponível e como os tutores podem agir diante da suspeita de maus-tratos ou negligência por parte da empresa. A falta de transparência, especialmente quando se trata da saúde e bem-estar de um ser vivo, pode configurar não apenas uma infração ética, mas também uma violação legal.
Segundo Jéssica Vieira Barros, advogada especialista em direito do consumidor, o tutor pode buscar reparação por danos morais e materiais, caso fique comprovado o sofrimento ou o ferimento causado ao animal durante o serviço. A ausência das imagens, quando a lei obriga sua preservação, pode, inclusive, agravar a responsabilidade do estabelecimento, que pode responder administrativa e judicialmente.
Os pet shops, ao assumirem a guarda temporária dos animais, têm a obrigação legal de garantir sua segurança, saúde e bem-estar durante toda a prestação do serviço. Essas obrigações estão no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que impõe o dever de fornecer serviços adequados, eficazes e seguros.
A Lei de Crimes Ambientais determina que o prestador de serviço deve manter instalações limpas, seguras e apropriadas para cada tipo de animal, utilizar produtos e equipamentos adequados, empregar profissionais capacitados, oferecer supervisão constante e garantir que os procedimentos, como banho, tosa, hospedagem ou transporte, não causem dor, sofrimento ou risco à vida do animal.
Além disso, o estabelecimento deve informar de forma clara e completa os métodos utilizados, possíveis riscos e cuidados pós-serviço. Em caso de omissão, negligência ou qualquer conduta que resulte em danos físicos ou emocionais ao animal, o estabelecimento pode ser responsabilizado civil e penalmente.
O Tutor
Caso o tutor desconfie ou comprove maus-tratos ao animal em um pet shop, é essencial reunir provas para fundamentar a denúncia ou até mesmo uma eventual ação judicial. A advogada recomenda: “As principais provas recomendadas incluem fotos e vídeos do animal antes e depois do atendimento, registrando ferimentos, mudanças de comportamento ou condições anormais. Laudos ou atestados veterinários são fundamentais, pois descrevem tecnicamente lesões ou indícios de sofrimento compatíveis com maus-tratos. Relatos escritos de testemunhas, como outros clientes ou funcionários, também têm valor, especialmente se confirmarem a conduta abusiva.”
O consumidor pode buscar reparação por danos materiais, por tratamentos veterinários, medicamentos e danos morais, especialmente diante do vínculo afetivo com o animal. Notas fiscais, contratos, recibos ou registros de agendamento do serviço servem para comprovar a relação de consumo, requisito necessário para responsabilizar o estabelecimento. Quando possível, imagens de câmeras de segurança do próprio pet shop ou de áreas públicas próximas podem ser solicitadas, inclusive, de forma judicial.
Além das medidas legais, a advogada recomenda alguns cuidados que os consumidores devem tomar antes de confiar seu animal a um pet shop, entre eles estão: visitar o local previamente, observar a higiene e o comportamento dos funcionários com os animais, exigir nota fiscal e perguntar se há câmeras de segurança funcionando.
Mas as obrigações não estão restritas aos tutores. O poder público e os órgãos fiscalizadores precisam atuar de forma ativa, com campanhas de orientação, criação de selos de qualidade para pet shops e punições efetivas para os que desrespeitam a legislação.
Responsabilização
A empresa pode ser responsabilizada criminalmente por maus-tratos a animais, nos termos do artigo 32 da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), que torna crime o ato de praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais.
A responsabilização criminal vem sobre a pessoa física que tenha praticado diretamente a conduta ilícita, como um funcionário, mas também pode alcançar a pessoa jurídica, conforme entendimento consolidado por tribunais, desde que comprovado que a infração decorreu de decisão ou omissão da administração do estabelecimento.
A responsabilização penal da pessoa jurídica está condicionada à verificação de que a prática delituosa está inserida no âmbito de suas atividades e decorreu do interesse ou benefício da empresa. Portanto, havendo negligência, omissão no cuidado dos animais, falta de condições sanitárias ou qualquer prática que configure maus-tratos no ambiente do pet shop, tanto os responsáveis diretos quanto a própria empresa podem ser responsabilizados criminalmente, sem prejuízo das sanções civis e administrativas cabíveis.
O Distrito Federal conta com legislações específicas que fortalecem a proteção animal, como a Lei nº 6.615/2020, que institui a Política de Prevenção à Crueldade contra Animais. Essa norma complementa outras iniciativas que visam garantir o bem-estar dos pets e incentivar a denúncia de maus-tratos, inclusive, com a criação de canais específicos para esse fim. O DF Legal, a Delegacia Especial do Meio Ambiente (Dema) e o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) são algumas das instituições que podem ser acionadas em casos de suspeita ou confirmação de irregularidades.
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Machado
Por Bárbara Xavier do Correio Braziliense
Foto: Caio Gomez / Reprodução Correio Braziliense