Em vias de ser pautado no plenário da Câmara, o projeto que isenta de Imposto de Renda quem ganha salário de até R$ 5 mil segue sendo alvo de discussões sobre a forma como se dará a compensação da perda de arrecadação. O governo prometeu, quando enviou o texto ao Congresso, que a reparação seria feita com a taxação dos super-ricos e de lucros e dividendos distribuídos por empresas. Grandes empresários e representantes do setor produtivo, no entanto, tentam convencer o relator, Arthur Lira (PP-AL), a desistir de taxá-los e focar a arrecadação em um setor específico: o de casas de apostas.
Depois de uma reunião da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), ontem, Lira não afastou a possibilidade. Segundo o ex-presidente da Câmara, metade das casas de apostas que atuam no Brasil, atualmente, operam na ilegalidade e o governo teria potencial de arrecadar muito mais se endurecesse a fiscalização. ”Se só essa metade pagasse imposto, ou houvesse algum rigor nesses meios de pagamento para coibir essas irregularidades, você já dobraria a arrecadação”, afirmou.
Questionado sobre a possibilidade de incluir o aumento de taxas para bets em seu relatório, disse que não chegou ainda a uma conclusão. “O Brasil tem muitos detalhes. Precisamos ter os números para nos posicionar. Aí tem setor que pensa de um jeito, outro setor que pensa de outro. Qualquer modificação tributária causa muito barulho. Vão ter muitas sugestões (ao PL do IR). Vão ter muitas emendas, muitas propostas. Não temos números disso”, observou.
Além de evitar uma possível taxação — ou de diminuir a alíquota sugerindo novas fontes de receita —, o lobby do setor produtivo também vê na elevação de alíquotas para casas de aposta a possibilidade de diminuir o uso das plataformas. Entidades ligadas ao setor de indústria propõem a criação de uma Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) sobre bets com alíquota de 15%. Cálculos da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) mostram que o percentual, que incidiria sobre cada depósito, desestimularia as apostas esportivas em até 22%. A sugestão tem apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Segundo números da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), os estabelecimentos comerciais no país amargaram um prejuízo de R$ 117 bilhões por causa das bets, em 2024. Isso representa que apostadores estão consumindo menos para sustentar as apostas em plataformas on-line.
O relatório de Lira aprovado pela comissão especial, em julho, no entanto, não tem qualquer menção ao aumento de impostos. Algo que, no entanto, consta da medida provisória (MP) enviada pelo governo, em junho, para compensar perdas com a derrubada parcial do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O relator mostrou-se disposto a incluir alguns trechos no projeto de lei do IR para reduzir as fortes resistências ao texto no Congresso. Ontem, voltou a falar sobre a possibilidade, mas sem cravar que itens seriam incluídos.
“A MP está com comissão criada, tem relator definido, e não é de fácil aprovação. Se houver uma emenda de algum assunto que entre no PL, que esteja sendo tratado na MP, não vejo nenhum prejuízo”, explicou.
Além de aumentar impostos para bets, a MP propõe também a majoração de alíquotas para fintechs, que passariam a descontar o mesmo percentual dos grandes bancos para a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) — sairia de 9% para 15%. Segundo Lira, essa proposta pode entrar no PL do IR. Se esse for o caso, no entanto, o prazo para aprovar o texto na Câmara e no Senado fica mais curto: 30 de setembro, para respeitar o princípio da noventena.
Sem a CSLL, o projeto pode ser aprovado até dezembro, já que só precisaria respeitar o princípio da anualidade (ser aprovado em um ano para valer no próximo). A decisão final, no entanto, precisará passar pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que ainda não se reuniu com Lira para tratar do tema depois do retorno do recesso.
“Não há, da volta do recesso para cá, nenhuma reunião com o presidente da Casa e os líderes para que a gente fosse comunicado do prazo do plenário. A partir daí é que as coisas começam a, efetivamente, andar”, explicou Lira.
Motta tem ouvido diversos setores para tentar construir um acordo sobre a forma de compensação, que, segundo ele, é o maior desafio do texto desde o início. O objetivo é evitar que a matéria passe por muitas modificações nos plenários das duas Casas do Congresso.
Beneficiados
Já na audiência pública da Comissão Mista do Senado que analisa a MP 1.303/25, sobre as novas regras de tributação para aplicações financeiras e ativos virtuais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, afirmou que beneficiará dois grupos: cerca de 20 milhões de pessoas deixarão de pagar o tributo ou terão redução expressiva na carga tributária, e outros 5 milhões terão diminuição na alíquota. O foco, disse Haddad, é aliviar o peso da taxação sobre rendas de até R$ 7,3 mil mensais.
“O objetivo é cobrar de quem não paga e deixar de cobrar de quem paga, mas hoje não consegue fechar o mês”, disse. Para ele, a reforma do IR é uma das principais ações para reduzir desigualdades sem comprometer a responsabilidade fiscal. De acordo com Haddad, a ampliação da faixa de isenção e a redução de alíquotas intermediárias serão calibradas para preservar o equilíbrio das contas públicas.
O ministro comentou, ainda as renúncias fiscais, apontadas como um dos principais fatores de desequilíbrio das contas públicas. Salientou que “não adianta limitar a despesa primária se nós não limitarmos também o gasto tributário”. Para Haddad, ao longo dos anos, brechas criadas pelo Congresso e pelos governos elevaram essas renúncias de 2% para 6% do PIB, patamar que considera “absurdo”. Ele lembrou que existe um comando constitucional determinando a redução gradual dos gastos tributários, mas que “esse mandamento não foi levado a sério até aqui”. E afirmou que sua gestão decidiu enfrentar o desafio com dois objetivos: “O primeiro é equilibrar as contas e o segundo é fazer justiça tributária”.
*Alícia Bernardes é estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado