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Cidades verdes são mais resilientes às mudanças climáticas

O Brasil avança na formulação do seu primeiro Plano Nacional de Arborização Urbana...

O Brasil avança na formulação do seu primeiro Plano Nacional de Arborização Urbana (PlaNAU), uma política inédita que busca ampliar a cobertura vegetal nas cidades como estratégia de enfrentamento às mudanças climáticas e de promoção da justiça ambiental. Em entrevista ao Correio, Léa Gejer, coordenadora técnica do Iclei — rede internacional de governos locais pela sustentabilidade —, detalha o processo de construção do plano, que será apresentado na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, que acontece em novembro, em Belém. 

A iniciativa inédita é liderada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), implementada em parceria com o Iclei Brasil, a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), além de instituições técnicas e sociais. Entre os principais objetivos estão o aumento da arborização em áreas urbanas, a promoção da biodiversidade e a melhora na qualidade de vida da população especialmente em territórios vulneráveis e com deficit histórico de cobertura vegetal.

Na conversa, a arquiteta, com especialização em economia circular, destaca os benefícios ambientais, sociais e econômicos das áreas verdes. “A arborização se conecta diretamente com políticas de saúde, habitação, mobilidade, clima e bem-estar”, afirma Gejer. Segundo ela, a iniciativa pode se tornar referência internacional por ser uma das primeiras políticas nacionais do mundo dedicadas à arborização urbana como instrumento climático. Confira os principais trechos da entrevista. 

O Brasil é uma potência florestal, mas mais de 58 milhões de pessoas vivem em ruas sem árvores. Como você avalia essa contradição?

De fato, é uma contradição gritante. Mesmo em regiões como a Norte, onde temos parte do bioma amazônico e uma vegetação naturalmente densa, a arborização urbana ainda é muito baixa. No Acre e no Amazonas, por exemplo, apenas cerca de 40% da população vive em vias arborizadas. Isso mostra que a existência de florestas naturais não garante qualidade ambiental dentro das cidades. Precisamos preservar essas florestas, claro, mas também é fundamental trazer a natureza para o cotidiano urbano. Afinal, é nas cidades que moramos. Plantar árvores em ambientes urbanos significa melhorar o ar, reduzir as temperaturas, ampliar a biodiversidade e proporcionar um contato mais direto das pessoas com a natureza. Tudo isso influencia diretamente na qualidade de vida.

A desigualdade ambiental se manifesta com força no cenário urbano. Quais os principais impactos sociais e ambientais da falta de arborização? E como o plano nacional pretende enfrentar esse problema?

Quando analisamos os mapas urbanos, fica evidente: as áreas mais vulneráveis socialmente também são as menos arborizadas. E isso não é coincidência. Essas regiões também costumam ser as mais quentes e as que mais sofrem com enchentes. É impossível separar justiça ambiental de justiça social. Os serviços que os ecossistemas prestam, como regulação do clima, controle das águas e proteção dos solos, são para todos e devem estar disponíveis a todos. Com mais arborização, conseguimos não só enfrentar problemas ambientais como também melhorar a saúde mental e física da população, reduzir gastos públicos e valorizar os territórios. A proposta do plano é justamente pensar a cidade a partir dessa integração entre natureza, infraestrutura e bem-estar social.

Como foi estruturado o processo de construção do PlaNAU? Quais são os principais objetivos?

O plano integra o Programa Nacional Cidades Verdes Resilientes, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e executado em parceria com a Universidade Federal de Alagoas e o ICLEI, rede de governos locais pela sustentabilidade. Conta com apoio técnico de diversas entidades, como a SBAU (Sociedade Brasileira de Arborização Urbana), ANAMMA (Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente), ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia), CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) e CFBio (Conselho Federal de Biologia). Foram realizadas oficinas participativas nas cinco regiões do país — Campinas, Manaus, Curitiba, Recife e Campo Grande — com gestores públicos, técnicos e sociedade civil. A partir dessas contribuições, será elaborada uma minuta para consulta pública. O objetivo é expandir a arborização urbana, promover a biodiversidade e enfrentar a emergência climática. Cidades mais verdes ajudam a regular o clima, reduzir temperaturas, melhorar a qualidade do ar e tornar os centros urbanos mais resilientes aos eventos extremos, como enchentes e ondas de calor.

Quais são os principais obstáculos para a arborização urbana no Brasil hoje?

Há vários desafios. Um dos principais é o financiamento. Plantar e manter árvores exige estrutura e recursos financeiros, o que nem sempre os municípios têm disponíveis. Outro obstáculo importante é cultural. Por muitos anos, houve uma lógica de cimentar os quintais, remover árvores. Hoje, estamos tentando reverter essa mentalidade e mostrar os benefícios da arborização para dentro e fora das casas. Também enfrentamos dificuldades relacionadas à manutenção. Não adianta só plantar árvores, é preciso garantir que elas cresçam de forma saudável, estejam bem cuidadas e sejam integradas ao planejamento urbano. Isso inclui manejo correto, podas adequadas e sistemas de irrigação, por exemplo.

Essa dificuldade de manutenção também se reflete em problemas como apagões causados por quedas de árvores. Falta regulação clara sobre a responsabilidade de manejo e poda?

Com certeza. Ainda há muita indefinição sobre quem faz o quê. Além disso, há o problema da escolha inadequada de espécies, muitas vezes, árvores que não são apropriadas para aquele tipo de calçada ou infraestrutura são plantadas. Outro ponto fundamental é a qualidade da rede elétrica: muitas vezes, os fios não estão enterrados, e a culpa recai sobre as árvores. Precisamos repensar a infraestrutura urbana e definir com clareza as responsabilidades entre municípios, concessionárias e outros atores envolvidos. Tudo isso para garantir que as árvores não sejam vistas como vilãs, mas como aliadas da cidade.

Como o plano leva em conta a diversidade regional do Brasil? Há uma estratégia clara de regionalização?

A regionalização é uma preocupação central desde o início do processo. O Brasil é um país continental, com realidades muito distintas entre regiões, em termos de biomas, clima, estrutura urbana, cultura, capacidade técnica e disponibilidade de recursos. Por isso, realizamos oficinas participativas em todas as regiões do país. Cada uma foi pensada para escutar os gestores locais, técnicos, entidades da sociedade civil e a própria população sobre os desafios e as potencialidades de cada região. Além disso, estamos trabalhando para que o plano nacional traga diretrizes flexíveis, que possam ser adaptadas pelos municípios conforme suas condições locais. A ideia não é impor um modelo único, mas oferecer um guia estruturado que leve em conta as diferenças de bioma, vulnerabilidade social, infraestrutura urbana e capacidade de gestão. Também estamos considerando recortes específicos, como áreas desertificadas ou com alto deficit de cobertura vegetal, que poderão ter prioridade nas estratégias. Nosso objetivo com a regionalização é garantir que o plano tenha capilaridade e aplicabilidade real. Ou seja, que funcione tanto em uma capital do Sudeste quanto em um pequeno município do semiárido ou da Amazônia.

O plano vai priorizar áreas vulneráveis, como periferias ou regiões com maior deficit ambiental?

Ainda estamos definindo isso. Como o plano é nacional, ele precisa ser flexível e adaptável aos contextos locais. Mas, sim, estamos considerando critérios de vulnerabilidade. O plano Adapta Cidades, por exemplo, já traz diretrizes específicas para áreas desertificadas. A ideia é que o Plano Nacional de Arborização traga diretrizes que ajudem os municípios a priorizar onde é mais necessário intervir. Ainda não temos um recorte fechado, mas com certeza essa questão estará presente.

Como a arborização se articula com outras políticas públicas, como saúde, habitação e mobilidade urbana?

As áreas arborizadas têm impactos muito positivos em diversas frentes. Elas reduzem a incidência de doenças respiratórias, cardiovasculares e até transtornos mentais. Estimulam a prática de atividades físicas, promovem o convívio social e ajudam a reduzir o estresse. Também melhoram a qualidade do ar, porque captam poluentes atmosféricos. Tudo isso reduz custos com saúde pública e valoriza os bairros. Cidades mais verdes também são mais resilientes às mudanças climáticas. Então, a arborização se conecta diretamente com políticas de saúde, habitação, mobilidade, clima e bem-estar.

De que forma esse plano pode ser apresentado como exemplo na COP? Quais são as expectativas com relação à Conferência do Clima?

Esse plano tem um potencial muito grande de se tornar uma referência internacional. Até o momento, não identificamos nenhum outro Plano Nacional de Arborização Urbana no mundo. Normalmente, os planos são locais ou, no máximo, estaduais. A grande inovação aqui é justamente essa perspectiva de federalismo climático, proposta pelo Ministério do Meio Ambiente — ou seja, uma ação coordenada entre os entes federativos, com diretrizes que orientem municípios e estados de forma integrada. Isso é algo que tem chamado atenção, inclusive de organismos da ONU. Além disso, durante as oficinas, fomos não só escutando desafios, mas também mapeando boas práticas de municípios que já estão atuando com arborização. A ideia é levar essas experiências e essa articulação interinstitucional para mostrar que o Brasil está avançando com políticas públicas estruturantes e alinhadas à agenda climática global.

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense      

Foto: Divulgação/ ICLE

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