O número de ciclistas mortos no trânsito do Distrito Federal, no ano passado, foi de 20 vítimas. Apesar de apresentar uma redução de, segundo o Detran, 23% em comparação ao ano que o precedeu, onde foram 26 ciclistas, o número ainda é grande e precisa ser comentado. Ainda é muito comum encontrar motoristas disputando, em alta velocidade, as vias com as bicicletas, o que pode ocasionar sinistros como o ocorrido na última sexta-feira (5), quando um motorista alcoolizado atropelou 5 ciclistas no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA).
Mesmo com uma malha cicloviária com 675km de extensão, quem pedala vive uma rotina de medo. Por essa razão, ONGs e ciclistas olham para tais números com indignação e argumentam que o cenário é resultado de uma longa história de desrespeito à prática. Conforme salienta Raphael Barros Dorneles, conselheiro pela Rodas da paz no conselho de trânsito do DF e membro da Rede Urbanidade, uma das maiores dificuldades encontradas pelos ciclistas é a inexistência de locais apropriados para o seu tráfego, bem como motoristas agressivos e despreparados. “Aqueles que pedalam para transporte não possuem infraestrutura apropriada junto às vias de alta velocidade e mesmo nas de baixo velocidade, há espaço para o carro acelerar e atropelar”, argumenta o educador físico de 42 anos. “O motorista consciente é o maior dispositivo de segurança para o ciclista”, completou.
Há, mais ou menos, 4 anos, a bicicleta é o meio de transporte do autônomo José Antunes, de 43 anos. O morador de Planaltina utiliza a bicicleta quase todos os dias para trabalhar na cidade onde mora e faz concerto de eletrodomésticos. Segundo ele, a insegurança no trânsito passou a fazer parte da rotina. “É sempre uma luta para tentar conseguir um espaço nas ruas. Além da quantidade de motorista mal educado, que não trata bicicleta como veículo, também falta muita sinalização e espaços adequados para pedalar. Nem todo lugar tem ciclovia”, comenta José.
Foi ao se encontrar nessa mesma situação, que Raphael Dorneles, apesar de pedalar cotidianamente, optou por se arriscar menos nas vias e passou a transitar em calçadas onde não tem ciclovia, apesar de ser uma infração de trânsito. “Isso quando a calçada existe ou não está completamente esburacada para permitir a passagem. Já tomei ‘finos’ de carros e ônibus. Já fui criticado várias vezes por andar na pista, por atravessar na faixa de pedestre, já que não existem quase as faixas de travessia para bicicletas”, reclamou.
O conselheiro destacou ainda que a violência no trânsito espanta trabalhadores, mulheres e crianças ciclistas das vias da capital. “Brasília é uma cidade formatada para carros e precisamos mudar isso”, argumentou Raphael. “É necessário uma mudança de visão do GDF, do DETRAN e do DER na forma de gerir o trânsito. Diminuição de velocidades das vias e uso de técnicas de acalmamento de trânsito para que as pessoas, por mais que estejam bêbadas, não consigam atropelar os mais vulneráveis”, pontuou o ciclista.
O reconhecimento da bicicleta como veículo é, inclusive, uma das pautas pela qual a instituição Rodas da Paz luta. “O que nós dizemos sempre é que devemos estar organizados e unidos para lutar pelo reconhecimento da bicicleta como veículo, com todas as prerrogativas e investimentos que são hoje exclusivas dos automóveis”, esclarece Ana Júlia Pinheiro, coordenadora do Rodas. “Os crimes que têm como vítimas ciclistas no DF acontecem porque as vias da capital têm velocidades altas, que não são praticadas em nenhuma outra capital”, argumentou, citando o Eixão, cuja velocidade permitida é 80 km/h, como exemplo.
Como uma possível ajuda na redução de sinistros, Raphael Dorneles destaca a necessidade de que todos os motoristas com suas CNHs suspensas, cassadas ou sem permissão sejam removidos das vias. “Os órgãos têm tecnologia para detectar onde os carros cujos donos estão impedidos de dirigir e fazer blitzen para enquadrá-los”, pontuou.
Motorista que atropelou ciclistas estava com CNH suspensa
CNH suspensa foi, inclusive, um dos diversos fatores que estavam errados no caso ocorrido na última sexta-feira. Allan das Chagas Araújo, que atropelou 5 ciclistas e um pedestre no SIA, não apenas estava alcoolizado como também apresentou documento inválido, que estava suspenso, segundo apuração da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), desde 2014.
Seis vítimas foram atingidas pelo carro no momento da colisão: um pedestre e cinco ciclistas (um dos quais continua hospitalizado). O grupo havia acabado de deixar a churrascaria onde trabalhavam quando o sinistro aconteceu. Os trabalhadores passavam por uma faixa de pedestres quando Allan, que saía da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), atravessou a pista e avançou em direção ao grupo.
Estado de saúde
Os seis trabalhadores foram atingidos próximo a um mercado atacadista na região; dois deles chegaram ao Hospital de Base (HBDF) em estado grave.
Os seis colaboradores estão recebendo assistência jurídica da churrascaria onde trabalham. Apenas uma vítima ainda está hospitalizada. Antônio Carlos Rodrigues Silva, 30, passou por uma cirurgia e precisará passar por outro procedimento cirúrgico para a completa recuperação, segundo a defesa
Por Mayra Dias do Jornal de Brasília
Foto: Agência Brasília / Reprodução Jornal de Brasília