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Câncer de pulmão pode manipular cérebro para acelerar metástases, indica pesquisa

Principal responsável pelas mortes por câncer no Brasil e no mundo, o tumor...

Principal responsável pelas mortes por câncer no Brasil e no mundo, o tumor de pulmão é capaz de manipular a comunicação entre neurônios e se beneficiar da manobra. Ao “hackear” as conexões das células cerebrais, o tipo mais letal da doença, conhecido como câncer de pulmão de pequenas células (CPPC), consegue acelerar seu crescimento. A descoberta, publicada na revista Nature, pode levar ao desenvolvimento de novas terapias, que evitem uma das características da doença: a migração para o cérebro. 

Segundo os autores, de um consórcio internacional de pesquisadores, trata-se de um nível inédito de integração tumoral com o organismo hospedeiro. Até agora, a manipulação dos neurônios só havia sido detectada em doenças originadas no cérebro. O CPPC é responsável por cerca de 15% dos casos de câncer de pulmão globalmente e por mais de 200 mil mortes anuais. 

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De evolução agressiva, frequentemente metastática no diagnóstico, a doença costuma se infiltrar no cérebro. “Nosso estudo revela a extensão alarmante com que o organismo pode comunicar-se com um tumor e nutri-lo, apoiando seu crescimento como se fosse um tecido saudável”, diz Filippo Beleggia, coordenador do estudo e pesquisador do Departamento de Genômica Translacional da Universidade de Colônia, na Alemanha. Os cientistas chegaram à descoberta ao analisar dados genéticos e conexões reais entre as células do câncer e neurônios, tanto em culturas quanto em modelos animais. 

Transformações

“Fiquei atônito ao ver a extensão da inervação que as células de câncer de pulmão de pequenas células conseguem cooptar”, revela Matteo Bergami, também pesquisador da Universidade de Colônia. “Acredito que essas descobertas podem ser transformadoras para o desenvolvimento de terapias mais eficazes, capazes de impedir a metástase para o cérebro.”

A equipe demonstrou que a comunicação sináptica ocorre por meio de duas substâncias produzidas naturalmente no cérebro: os neurotransmissores glutamato e gaba. Na presença dos neurônios, as células tumorais proliferaram mais rapidamente. “Ao formar conexões com diferentes tipos de neurônios, as células de CCPP revelam uma impressionante adaptabilidade para impulsionar seu crescimento”, diz Bergami. “É tentador especular que essas células não apenas ‘conversam’ com neurônios, mas também recebem recursos deles para sustentar sua expansão.”

Na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, uma equipe liderada por Julien Sage, especialista em CCPP, conseguiu interromper a conexão das células doentes com os neurônios. Isso foi feito com moléculas já usadas em segurança em pacientes com distúrbios neurológicos, o que animou os cientistas. “Estou entusiasmado com esse trabalho, porque ele fornece novas direções terapêuticas para inibir o crescimento das metástases cerebrais”, observou Sage, em nota. 

Anticonvulsivos

Entre as possibilidades abertas pelo estudo, os pesquisadores mencionam o uso de drogas já existentes que bloqueiam neurotransmissores, como anticonvulsivantes e moduladores de receptores de glutamato. Eles também apostam no desenvolvimento de terapias voltadas especificamente para a comunicação câncer-neurônio. “Está cada vez mais claro que o sistema nervoso desempenha papel crucial em muitos tipos de câncer, comentou Sage.

Nos experimentos com camundongos, a interrupção do glutamato reduziu a carga tumoral e aumentou a sobrevida dos animais. A técnica de optogenética — que permite estimular neurônios com luz — também mostrou que a ativação neural impulsionava significativamente o crescimento do câncer, reforçando a importância das conexões elétricas para o avançar da doença. Michelle Monje, pesquisadora da Universidade de Stanford, ressalta a relevância clínica da descoberta: “Agora sabemos uma direção importante a seguir para alcançar terapias eficazes contra esses cânceres até hoje intratáveis”.

Três perguntas para

Márcio Almeida, oncologista clínico 

O câncer de pulmão de pequenas células (CPPC) tem grande propensão a migrar para o cérebro. A descoberta sobre as conexões do tumor com o sistema nervoso pode ajudar a explicar essa relação?
Sim. O estudo mostra que o CPPC não apenas cresce próximo a fibras nervosas no pulmão, mas também consegue interagir diretamente com neurônios quando chega ao cérebro. Essas células tumorais formam conexões semelhantes a sinapses com os neurônios, aproveitando a atividade elétrica e neurotransmissores para estimular sua própria proliferação. Isso ajuda a explicar por que esse tipo de câncer tem tanta afinidade pelo cérebro e cresce de forma tão agressiva quando metastatiza para lá.

O estudo mostra que a interrupção das conexões reduziu drasticamente o desenvolvimento de tumores de CPPC em camundongos. Qual a relevância dessa descoberta para a prática clínica em humanos?
Esse achado sugere que a inervação — especialmente pelo nervo vago — pode ser fundamental para o início e progressão do CPPC. Embora ainda estejamos longe de aplicar cirurgias de vagotomia em pacientes, o resultado aponta para um novo alvo terapêutico: bloquear a comunicação entre nervos e células tumorais. Isso abre caminho para desenvolver drogas que interfiram nos receptores ou sinais usados pelo tumor, sem precisar de uma intervenção invasiva.

Considerando que o CPPC é altamente agressivo e com poucas opções terapêuticas, como a descoberta pode abrir caminho para novas estratégias de tratamento?
Hoje, as opções de tratamento para CPPC são limitadas, e a maioria dos pacientes apresenta recorrência rápida da doença. Esse estudo indica que o tumor depende de estímulos do sistema nervoso para crescer, especialmente no cérebro. Assim, medicamentos já usados em neurologia, como alguns anticonvulsivantes que reduzem a liberação de neurotransmissores, mostraram potencial em modelos animais para frear a progressão do câncer. Isso cria uma nova linha de pesquisa: associar terapias convencionais, como quimioterapia e imunoterapia, a drogas que bloqueiem essa “alimentação elétrica” do tumor. (PO)

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense

Foto: StockCake/Divulgação

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