27.5 C
Brasília
quinta-feira, abril 24, 2025

Outros posts

Após alterações, governo Lula tenta tirar PEC da Segurança do papel

Nos últimos meses, uma das pedras no sapato do governo do presidente Luiz...

Nos últimos meses, uma das pedras no sapato do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido a crise na segurança pública. As últimas três pesquisas da Quaest, relativas à aprovação do governo, mostram uma preocupação crescente da população em relação à violência, saindo de 17% em outubro de 2024, para 29% em março deste ano, enquanto o Executivo tenta emplacar a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, altamente reprovada e já tendo sofrido diversas alterações.

https://aebda6080f38d5b25f31f1c02e34b1e6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-41/html/container.html

Em fase final de edição pelo governo, a PEC deve ser apresentada ao Congresso Nacional nesta terça-feira (8/4), segundo o líder do PT na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e a ministra de Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, devem se reunir com deputados em busca de apoio. As primeiras versões do texto foram mal recebidas por especialistas em segurança pública, polícias e oposição. Para ter chance de ser aprovado, o texto do Executivo precisou ser reformulado e ampliado, após reuniões com governadores.

https://imasdk.googleapis.com/js/core/bridge3.692.0_en.html#fid=goog_1336531275

00:00/02:06

Truvid

https://csync-global.smartadserver.com/3356/CookieSync.html

O advogado especialista em direito penal Diógenes Miguel Telles acredita que a proposta acerta ao propor uma coordenação mais robusta entre os entes federativos no enfrentamento ao crime organizado. Para ele, a fragmentação entre as esferas federal, estadual e municipal é a maior fragilidade da política criminal atual, com os entes trabalhando sem sintonia, inclusive, em territórios dominados por facções.

Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), define a proposta do governo como um “abre-alas”. Segundo ele, a PEC é importante, mas insuficiente, porque é preciso um conjunto de medidas imediatas, e o projeto prevê um rearranjo na arquitetura institucional, algo que levará tempo para chegar até a ponta.

O governo federal não é o único a receber críticas quando o assunto é segurança. Recentemente, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou a criação de um comitê que une representantes das polícias Civil e Militar e do Ministério Público. O Comitê de Assessoramento Estratégico para Políticas de Segurança Pública é uma resposta a uma sequência de notícias negativas envolvendo as forças de segurança de São Paulo.

Recentemente, dois casos reverberaram a crise no estado. No mês passado, um ciclista usava o celular na calçada, em frente ao Parque do Povo, no bairro de Pinheiros, quando foi morto por criminosos por conta do aparelho telefônico. Na semana passada, um arquiteto presenciou um assalto a uma mulher — que perdeu sua aliança e seu telefone —, no bairro Butantã, tentou intervir, mas acabou assassinado.

A Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) mapeou, nos últimos três anos, pelo menos 88 organizações criminosas diferentes agindo em território brasileiro, atuando, especialmente, dentro dos sistemas penitenciários. A pesquisa aponta, ainda, que existem 1.760 pavilhões que custodiam presos integrantes de organizações criminosas no Brasil.

O estudo mostra que 98% dessas facções estão presentes em unidades prisionais; 96% estão presentes nas ruas; 92% possuem inimigos; e 91% possuem poder financeiro. Além disso, do total, 72 organizações atuam no âmbito local; 14 em âmbito regional; e apenas duas atuam nacional e internacionalmente.

A cientista social e professora de criminologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Vera Malaguti lembra que o crime organizado surgiu dentro dos presídios, com propostas de auto-defesa a partir da violência contra os detentos, como é o caso do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior organização criminosa do país e que movimenta, anualmente, cerca de U$ 1,3 bilhão — esse faturamento, segundo o FBSP, é maior que o investido por 23 estados com a área de segurança pública em 2023.

“Vamos falar do PCC depois do massacre de Carandiru, com a reação a um dos piores massacres da história mundial. A partir dali, surgiu um movimento que se ‘empresariou’ E qual é a clientela? Quanto mais gente presa tiver, maior vai ser o PCC, o Comando Vermelho, e as outras facções. Isso é o resultado do crescimento descontrolado das populações carcerárias”, explica.

Direito penal

Para Diógenes Miguel Telles, a estrutura das organizações criminosas dificulta a individualização das condutas exigidas pelo Código Penal, que segue o princípio da legalidade estrita e responsabilidade pessoal. Ele observa, ainda, que o Brasil possui cerca de 95 mil policiais civis ativos, mas que esse número vem caindo ao longo dos anos, “enquanto a criminalidade se torna mais complexa”.

“A consolidação das facções dentro do sistema penitenciário gera um paradoxo: o espaço que deveria representar a interrupção da atividade criminosa se transforma em plataforma de comando e expansão dessas organizações”, afirma.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

Por conta disso, o especialista acredita que se torna inviável exigir resultados eficazes no combate ao crime organizado. Telles julga que a ausência de centros de investigação estruturados compromete a coleta e validação de provas, o que ele define como fundamental para responsabilizar líderes e operadores das organizações.

Junto, ele explica que o Brasil possui instrumentos legais importantes, como a Lei nº 12.850/2013 (Lei das organizações criminosas), tratados de cooperação internacional e dispositivos da Convenção de Palermo. A efetividade, porém, é limitada por fatores logísticos e diplomáticos.

Para Telles, não se trata de criar mais leis, mas de requalificar a legislação existente e sua aplicação. O advogado defende três frentes prioritárias: a reforma da Lei de Execução Penal, focando na racionalização das penas, isolamento de lideranças e reintegração de egressos; na modernização do Código de Processo Penal, incluindo dispositivos mais eficazes para crimes organizados; e a integração normativa internacional, com maior flexibilidade para atuação em rede com outras jurisdições.

Ele explica que a eficácia do direito penal depende da capacidade do Estado de produzir prova qualificada, e isso só é possível com estrutura. Sem isso, destaca Diógenes, qualquer avanço legal será letra morta diante da desigualdade de forças entre o Estado e as facções. “O crime organizado não é apenas um problema jurídico, mas um problema político, econômico e territorial.”

*Estagiários sob a supervisão de Andreia Castro

Por Fernanda Ghazali e Iago Mac Cord do Correio Braziliense

Foto: Jamile Ferraris/MJSP / Reprodução Correio Braziliense

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp