Com a chegada da seca no Distrito Federal, Brasília veste sua roupa mais bonita: o amarelo dos ipês. A cada esquina, a árvore traz em cor, como se desafiasse o cinza da estiagem. São sinais de vida em plena seca. A beleza transforma a paisagem da capital. Mais que flor, o ipê é memória coletiva, é pausa no trânsito apressado, é respiro no Cerrado. Sua floração, entre julho e setembro, é um espetáculo gratuito daqueles que fazem a cidade parar e olhar para cima.
Na 402 Norte, o colorido atrai olhares, sorrisos, celulares apontados e, claro, muitas histórias. Entre elas, a da servidora pública Érica Marques, 40 anos, que transforma o ritual de ver os ipês em um álbum de memórias afetivas.
“Da minha janela eu vejo os ipês todo ano florescerem. Quase todos os dias eu venho tirar fotos. Meu primeiro filho, Isaac, está com 6 anos, e todos os anos faço fotos dele no ipê, já fiz até ensaio fotográfico. Agora, é com a Isadora, que tem 5 meses, e pretendo fazer fotos com ela também. É uma alegria ter essa paisagem que parece um quadro. É um respiro. A vida fica mais alegre. Traz cor para a vida”, conta.
A temporada de ipês, para muitos, é um momento de alívio diante do tempo seco, das rotinas duras e das paisagens urbanas de concreto. Na mesma quadra, a babá Iranete Sousa, 45, também se rende ao encanto das flores, ao lado da pequena Teresa, de apenas 2 anos, que cuida. “A gente sempre vem aqui olhar os ipês. É um mais lindo que o outro. O amarelo é o meu favorito. A Teresa veio até combinando hoje, com uma blusa amarela. Ficamos muito tempo brincando com as flores”, comenta.
A psicóloga clínica e oncológica Gláucia Flores explica por que esse fenômeno, ainda que cíclico, toca tão profundamente os moradores do DF. “A chegada dos ipês-amarelos em Brasília pode causar um impacto no nosso emocional. Em uma cidade marcada por linhas retas, concreto e uma estação seca tão intensa, ver essas árvores floridas é quase como um respiro emocional e visual. Elas rompem a aridez com cor, beleza e delicadeza. Existe uma memória afetiva coletiva ligada aos ipês. Muita gente associa esta época do ano a lembranças da infância, à escola, ao caminhar por ruas cobertas de flores. Ver ipês floridos e compartilhar essas imagens é também um ato de conexão emocional”, observa.
Segundo Gláucia, essa relação com a beleza natural tem efeitos concretos na saúde mental. “O contato visual com a natureza é capaz de reduzir o estresse, aliviar sintomas de ansiedade e estimular o bem-estar. E o ipê-amarelo, em especial, tem uma simbologia muito potente: ele floresce quando tudo parece estagnado e sem vida. No meio do inverno seco, ele desabrocha. Num tempo em que lidamos com tantas pressões, ver tanta beleza gratuita espalhada pela cidade é também terapêutico. É a natureza nos dizendo: ainda tem cor, ainda há vida e esperança!”.
Os ipês são árvores nativas do Cerrado e, embora hoje estejam espalhados por diversas partes do país, encontram em Brasília um palco especial. O casal de arquitetos Cheila Gomes, 76, e Fernando Portella, 65, conhece bem essa relação entre urbanismo e natureza. Caminhando diariamente pela quadra, fizeram questão de parar para observar os ipês em flor.
“Quando estão floridos, é uma alegria. Achamos todos os ipês maravilhosos. É um prazer imenso ver essa beleza da natureza. O ano todo, praticamente, temos esse prazer em Brasília”, afirma Cheila. “Viemos confirmar se os ipês-amarelos da Esplanada dos Ministérios estavam florindo. Foi surpreendente para a gente como a área está linda esse ano, novamente”, completa Fernando.
Passando por um ipê ao lado da Rodoviária do Plano Piloto, a empregada doméstica Francelucia Farias, 67, moradora do Valparaíso (GO), conta que planeja levar um pedaço da paisagem para casa. “Eu acho lindo. Estou fazendo umas mudas na minha casa para plantar lá alguns ipês. Quando eu saio do trabalho, fico olhando aqueles ipês do Eixo, e são um encanto. Como uma pessoa nordestina, eu honro a minha origem. Então, são duas coisas que eu gosto: plantas e olhar para o céu”.
A secretária e moradora do Riacho Fundo I Juliana Andrade é mãe da pequena Laisla Andrade, que ao chegar na escola se encantou com a beleza de um ipê florido. O momento chamou tanto a atenção da menina, que ela pediu aos pais para parar e registrar a cena. “Eu cheguei na escola e pedi para os meus pais tirarem uma foto minha com o ipê”, disse Laisla.
Para facilitar os brasilienses a contemplarem os ipês, surgiu o aplicativo “Ipês”. Desenvolvido especialmente para o DF, a ferramenta permite que os usuários localizem e identifiquem as árvores em floração, além de compartilhar informações como cor, localização exata e estágio da floração. É uma forma prática e interativa de acompanhar como a cidade está todos os anos.
» Colaborou Adriana Bernardes
*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Vitória Torres/CB