O controle de oito fatores de risco pode reduzir significativamente — e até eliminar — o risco de morte precoce em pessoas com hipertensão arterial. Segundo um estudo com mais de 70 mil hipertensos, adotar o conjunto de hábitos saudáveis e controlar os indicadores clínicos pode diminuir em até 53% a probabilidade de óbito antes dos 80 anos. A pesquisa, liderada pela Universidade de Tulane, nos Estados Unidos, foi publicada na revista Precision Clinical Medicine.
Os cientistas usaram informações do UK Biobank, o maior banco de dados de saúde do mundo. Ao longo de 14 anos, foram acompanhadas 70 mil pessoas com hipertensão e 224 mil sem o problema. A ideia era entender como gerenciar os fatores de risco afetava a mortalidade precoce dos pacientes.
Com base em diretrizes de sociedades médicas bem estabelecidas, os pesquisadores definiram oito fatores de risco no estudo: pressão arterial, índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura, colesterol LDL (o “ruim”), glicemia, função renal, tabagismo e atividade física. Uma descoberta importante foi a de que pacientes hipertensos que haviam tratado pelo menos quatro dessas variáveis não apresentavam risco de morte precoce maior do que pessoas sem histórico de pressão alta.
“Nosso estudo mostra que controlar a pressão arterial não é a única maneira de tratar pacientes hipertensos, pois a pressão pode afetar esses outros fatores”, disse, em nota, o autor correspondente, Lu Qi, professor de epidemiologia na Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical Celia Scott Weatherhead, da Universidade Tulane. “Ao abordar os fatores de risco individuais, podemos ajudar a prevenir a morte precoce de pessoas com hipertensão.”
Definida como pressão arterial acima igual ou acima de 130 mmHg, a hipertensão é o principal fator de risco evitável para morte prematura em todo o mundo. Globalmente, 1,3 bilhão de pessoas têm a condição — um em cada três adultos —, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o problema afeta cerca de 30% da população.
Adicional
O estudo constatou que abordar cada fator de risco adicional foi associado a um risco 13% menor de morte precoce, sendo 12% menos mortes por câncer e redução de 21% dos óbitos por doença cardiovascular. Essa última é a principal causa de mortalidade prematura em todo o mundo.
O controle ideal de risco — ter sete ou mais variáveis monitoradas — foi associado a 40% menos risco de morte precoce, sendo uma redução de 39% de óbito por câncer e 53% por doença cardiovascular. “É importante ressaltar que descobrimos que qualquer risco excessivo de morte precoce relacionado à hipertensão poderia ser totalmente eliminado com o controle desses fatores de risco”, observa Qi.
Apenas 7% dos participantes hipertensos tinham sete ou mais fatores de risco monitorados, destacando, segundo os autores, uma grande oportunidade para a prevenção. No Brasil, dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indicam que menos de 25% dos pacientes controlam a pressão arterial.
Segundo o levantamento da Universidade de Tulane, mulheres e pessoas com mais de 60 anos tendem a monitorar melhor os fatores de risco. Esses grupos também relataram dietas mais saudáveis, maior adesão ao uso de medicamentos e à prática de atividades físicas. Por outro lado, homens mais jovens e não usuários de remédios anti-hipertensivos demonstraram menor grau de controle e maior risco de mortalidade.
Os pesquisadores afirmam, também, que os resultados reforçam a importância de um atendimento personalizado e holístico — “não apenas prescrevendo medicamentos para pressão arterial, mas abordando uma gama mais ampla de comportamentos e condições de saúde”. “Não basta controlar a pressão. É preciso olhar o paciente como um todo: peso, colesterol, rim, glicemia, sedentarismo e cigarro. Cada fator importa”, enfatizou Lu Qi.
Para Carlos Nascimento, cardiologista da Clínica Metasense, em Brasília, o resultado do estudo norte-americano é uma boa notícia para pessoas dispostas a mudar os hábitos e seguir as recomendações médicas. “Cada fator de risco controlado reduz a morte precoce em até 21% para doenças cardíacas. Quem controlou quatro ou mais fatores, como caminhar 150 minutos por semana ou parar de fumar, teve o mesmo risco de morte que pessoas sem hipertensão”, exemplifica. “Aqui no Brasil, onde 30% dos adultos são hipertensos, isso é um alerta. Ou seja, mexa-se, cuide da sua alimentação, abandone o cigarro, pequenas mudanças podem fazer você viver mais e melhor”, aconselha.
Perguntas para Nara Kobbaz, cardiologista e clínica geral
Pessoas com hipertensão que conseguiram controlar ao menos quatro desses fatores chegaram a ter risco igual ao de quem nem tinha pressão alta. Isso significa que é possível anular os perigos da hipertensão?
Não diria anular, mas controlar e minimizar. Pessoas com hipertensão que conseguiram controlar pelo menos quatro fatores tiveram risco de morte precoce semelhante ao de pessoas sem pressão alta. Isso mostra que a hipertensão não precisa ser uma sentença definitiva, sendo possível neutralizar seus efeitos deletérios. Mas é fundamental entender que isso não significa abandonar o tratamento. Pelo contrário, significa alcançar um cuidado global e estruturado, que vai além do controle da pressão arterial.
O que um paciente hipertenso precisa fazer para atingir esse nível de controle?
O remédio é uma parte importante do tratamento, mas não resolve tudo. É um aliado importante, mas para atingir um controle eficaz, é muito importante manter uso regular e correto das medicações prescritas, mudar hábitos alimentares (desembrulhar menos, e descascar mais), manter atividade física constante, não fumar (e lembrar que os cigarros eletrônicos são tão nocivos quanto ou até mais que o cigarro convencional), controlar o peso, a glicose e o colesterol periodicamente. Além disso, é essencial que o paciente entenda o porquê de cada recomendação.
Como fazer o paciente ter essa compreensão?
Isso exige educação continuada e explicação clara por parte da equipe médica. Vivemos numa era de atalhos. É cada vez mais comum o uso desregulado de medicamentos para emagrecer, reposições hormonais sem embasamento científico, ou terapias que prometem bem-estar imediato. Só que muitas dessas práticas, quando mal indicadas, podem aumentar o colesterol, desregular a glicemia e elevar o risco de infarto e AVC. O que parece ser um “ganho rápido” pode se transformar em um custo alto para a saúde a médio prazo. Por isso, é indispensável reforçar: medicação bem indicada salva vidas, mas deve andar junto com práticas saudáveis e esforço pessoal. Não podemos seguir negligenciando nossos próprios cuidados em nome da pressa ou da aparência.
O que impede que os pacientes atinjam esse nível ideal de controle dos fatores de risco?
Infelizmente, ainda são muitas as barreiras, como dificuldade de acesso à saúde de qualidade, desigualdade social e alimentar, falta de tempo, de orientação adequada e de motivação, pouca ênfase em educação em saúde nas consultas, excesso de foco apenas no uso de remédio, sem integrar ações sobre estilo de vida. Eu diria também que a desinformação é muitas vezes propagada nas redes sociais.
Benefício para os idosos
O controle da hipertensão também é importante para pessoas acima de 80 anos e não deve ser negligenciado, segundo um estudo da Escola de Medicina de Yale, nos Estados Unidos, publicado no Journal of the American College of Cardiology. Baseados em dados de mais de 1,5 mil idosos tratados com medicamentos anti-hipertensivos, os autores concluíram que aqueles com pressão sistólica abaixo de 130 mmHg tiveram menor risco de morte por doenças cardiovasculares, mesmo considerando fatores, como fragilidade e outras condições crônicas.
O envelhecimento acelerado da população tem ampliado o número de octogenários. Porém, segundo Yuan Lu, professora de cardiologia e autora senior do estudo, essa população é pouco representada em ensaios clínicos. “Grande parte das diretrizes sobre hipertensão se baseia em estudos que excluem adultos com 80 anos ou mais, ou os incluem em número insuficiente para conclusões sólidas”, explica.
As diretrizes atuais das principais associações médicas recomendam pressão arterial igual ou inferior a 130/80 mmHg para adultos em geral. No entanto, alguns especialistas sugerem que valores mais altos poderiam ser toleráveis em idosos muito longevos, devido a riscos como quedas, tonturas ou interações medicamentosas.
Grupos
Para investigar essa hipótese, a equipe de Yale analisou dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (NHANES) dos Estados Unidos e do Índice Nacional de Mortalidade norte-americano. Os participantes foram divididos em três grupos, conforme os níveis de pressão sistólica: abaixo de 130 mmHg, entre 130 mmHg e 160 mmHg e acima de 160 mmHg.
Idosos com pressão sistólica abaixo de 130 mmHg tiveram menos risco de morte por doenças cardiovasculares. Apesar dos benefícios observados com o controle mais rigoroso da pressão, Lu destaca que o tratamento deve ser individualizado. “Reduzir a pressão arterial pode, sim, trazer ganhos importantes, mas os médicos precisam considerar o histórico completo de saúde de cada paciente, os riscos de efeitos colaterais e as preferências pessoais”, afirma.
Abordagem holística
Os resultados do estudo sugerem várias implicações importantes para o manejo atual da hipertensão na atenção primária, com foco no controle conjunto de múltiplos fatores de risco para otimizar a prevenção da mortalidade. Devemos considerar a promoção de uma abordagem multifatorial (não devemos nos contentar em controlar a pressão arterial); focar em populações específicas (foco na idade e pacientes que usam medicamentos), e principalmente, promover uma mudança no estilo de vida, além do acompanhamento sistemático dos pacientes, com metas claras e bem definidas. O manejo da hipertensão na atenção primária deve evoluir para uma abordagem proativa e holística, priorizando o controle conjunto de múltiplos fatores de risco, com foco especial em idosos e usuários de medicação anti-hipertensiva. Isso requer a integração de intervenções de estilo de vida, monitoramento contínuo e educação para maximizar os benefícios na prevenção da mortalidade prematura.
Ruiter Arantes, cardiologista arritmologista do Hospital Anchieta Taguatinga
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Administração Volgogrado/Divulgação