Pacientes brasileiros que utilizam produtos à base de cannabis para tratar diferentes doenças receberam, entre janeiro e setembro de 2025, um total de 139.405 autorizações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação desses medicamentos. O volume representa um aumento de 12,9% em relação ao mesmo período de 2024, quando foram concedidas 123.471 permissões. Os números fazem parte de um levantamento da Cannect, referência nacional em tratamentos com cannabis medicinal, suplementos e terapias integrativas, produzido com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Segundo o levantamento, setembro manteve o ritmo acelerado das liberações e registrou 16.955 emissões, o segundo maior patamar de 2025 e o maior já visto para o mês desde 2015. Maio liderou as importações, totalizando 17.156 pedidos autorizados.
Desde a resolução que autorizou a importação de cannabis pela Anvisa em 2015 — regulamentação representada pela RDC 660 — o país acompanha uma evolução exponencial nesse tipo de acesso: foram 850 liberações naquele ano, contra 167.337 em 2024.
O crescimento se explica pelo reconhecimento da cannabis como um ativo terapêutico relevante, sobretudo para condições crônicas, incluindo dor, ansiedade, insônia, autismo, Parkinson e epilepsia. Para Allan Paiotti, CEO da Cannect, os dados refletem uma mudança estrutural no acesso à cannabis medicinal no país: “O ritmo de crescimento das autorizações mostra que a cannabis medicinal começa a se integrar ao dia a dia da prática clínica no Brasil. A tendência é que tenhamos um crescimento sustentável, tratamentos cada vez mais acessíveis e um ambiente terapêutico no qual a cannabis será considerada tão natural quanto outras classes de medicamentos usados para condições crônicas, com segurança para o paciente.”
Juliana Bogado, médica especialista em canabidiol, coordenadora acadêmica EndoPury Academy, argumenta que o crescimento reflete um conjunto de fatores convergentes: “Há uma maior conscientização médica e de pacientes sobre o potencial terapêutico dos canabinoides, o que gera mais prescrições. A diversificação de produtos disponíveis no mercado internacional com diferentes apresentações e concentrações, tornando possível atender a perfis variados de pacientes.”
A especialista ainda opina que o aumento registrado expressa não apenas uma maior demanda, mas também uma consolidação de que a terapia com canabinoides deixa de ser algo “marginal”, tratado como “maconha medicinal”, migrando para um tratamento sério, com produtos canabinoides de grau farmacêutico.
Padronização, segurança e proibição da cannabis em flor
A curva ascendente dos pedidos foi brevemente impactada em setembro de 2023, quando passou a valer a proibição da Anvisa para a importação de flores de cannabis. Como esses produtos representavam grande parte do consumo nacional, o total de autorizações caiu por alguns meses. Depois, novas formas de uso, como gummies, ganharam espaço e impulsionaram novamente os pedidos, que vêm batendo recordes consecutivos.
A proibição redirecionou pacientes para tratamentos padronizados, que, conforme Juliana, favorecem a segurança dos produtos. “O uso de cannabis in natura, como flores, resinas e derivados vegetais cru, não são indicados para tratamento, já que possuem variabilidade enorme em potência, pureza e perfil químico”, aponta. “Para muitos pacientes, especialmente aqueles com doenças crônicas ou uso de longo prazo, isso representa uma segurança enorme, pois trata-se de um tratamento mais previsível, com menor risco de contaminação ou variação de potência.”
Em suma, o volume histórico reflete uma demanda real e crescente, descrito pela médica como uma procura reconhecida legalmente. “Com esse volume, fica evidente que pacientes de diferentes regiões do país, não apenas capitais ou grandes centros, estão recebendo terapêuticas à base de canabinoides, especialmente graças à importação e prescrição à distância”, comemora.
Importação x compra em território nacional
A importação segue como o principal mecanismo de acesso para pacientes que utilizam cannabis medicinal no Brasil. Para obter a autorização, é necessário apresentar prescrição de um profissional habilitado e solicitar uma permissão excepcional da Anvisa, válida por dois anos, permitindo a importação da quantidade compatível com o tratamento contínuo.
Paiotti explica que “a RDC 660/2022 estabelece diretrizes de importação do medicamento com a permissão individual de uso pessoal, distinta do marco da RDC 327/2019, que regula produtos de cannabis passíveis de venda em farmácias e drogarias mediante autorização sanitária específica, em território nacional”. Ele lembra ainda que a Anvisa realizou uma consulta pública neste ano para atualizar as normas da RDC 327.
Bogado esclarece que o mercado nacional, embora em evolução, ainda não atingiu escala, diversidade e agilidade compatíveis com a demanda. “A situação persiste até que a produção, regulamentação e distribuição internas se consolidem. Embora existam empresas com autorizações sanitárias e a revisão da RDC 327 busque ampliar o mercado interno, ainda há poucas formulações registradas, poucas apresentações e oferta limitada nas farmácias. O número de pacientes cresce rapidamente, e essa demanda vai muito além da oferta nacional”, acrescenta. No entanto, surge o desafio prático da dependência da importação, já que a oferta nacional é limitada.
Autorizações de importação de produtos à base de cannabis (2025)
- Janeiro: 14.045
- Fevereiro: 14.554
- Março: 14.485
- Abril: 15.771
- Maio: 17.156
- Junho: 14.303
- Julho: 16.302
- Agosto: 15.834
- Setembro: 16.955
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Freepik









