Criada em 2022, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Universidade de Brasília (UnB) é um órgão vinculado à Reitoria que tem, entre outras atribuições, promover ações e políticas institucionais contra a desigualdade social, a opressão e o preconceito dentro do ambiente universitário. A secretaria dedica especial atenção a iniciativas voltadas para grupos historicamente marginalizados, como negros, indígenas, quilombolas e população LGBTQIA .
Com doutorado em psicologia, formação em serviço social e especialização em administração pública e saúde coletiva, a titular da SDH, Cláudia Renault, considera a megaoperação no Rio de Janeiro como a face mais violenta de um problema estrutural. Na avaliação da acadêmica, ações dessa natureza reforçam um ciclo sistêmico marcado pela desigualdade social, ausência de Estado e racismo estrutural.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio Braziliense.
A falta de políticas públicas faz com que os negros em condições socioeconômicas desfavoráveis sejam os mais vitimados?
Sim. As políticas ineficazes ou inexistentes contribuem para que populações em vulnerabilidade socioeconômica sejam mais atingidas pela violência. Isso se deve a diversos fatores, entre eles, a desigualdade estrutural vivida pela população negra, pois esta enfrenta historicamente barreiras no acesso à educação, à saúde, à moradia, ao emprego, reflexo de um racismo estrutural. Este tema foi tratado por Silvio Almeida na obra Racismo Estrutural. Agravada a esse problema, verifica-se a ausência de políticas públicas com programas de inclusão social e participação diferentes segmentos da sociedade. Ou seja, não há participação, escuta dos beneficiários da política.
Racismo estrutural e ausência do Estado são duas faces do mesmo problema?
Podemos dizer que sim. Um ponto importante sobre essa parcela de brasileiros é uma maior exposição a contextos de vulnerabilidade: trata-se de uma população que está mais próxima às áreas de maior índice de violência e tem menos oportunidade de sair da vulnerabilidade social. Enfrenta uma probabilidade menor de quebrar o ciclo da violência. Muitas vezes, essa situação é reforçada pelo racismo institucional, com convivências violentas e discriminação pelas instituições. Esse cenário hostil leva a uma maior taxa de homicídios entre jovens e negros, além da violação de direitos básicos como educação, saúde e segurança. Forma-se, assim, um ciclo de pobreza e exclusão social.
Como lidar com grupos criminosos violentos e organizados sem desrespeitar os direitos fundamentais?
Todos, independentemente de quem sejam, devem ser vistos a partir dos princípios constitucionais e direitos humanos. Os princípios da legalidade, proporcionalidade e dignidade humana têm de ser respeitados. Para tanto existem legislações que garantem os direitos fundamentais das pessoas, como a Constituição Federal de 1988, o Código Penal, o Código de Processo Penal e os Tratados Internacionais que proíbem tortura e tratamentos desumanos. Temos que oportunizar o direito à defesa e contraditório e a presunção de inocência. É importante pensar em estratégias junto à comunidade para garantir ações estruturantes e emergenciais. Incluo, entre elas, o monitoramento das políticas desenvolvidas, o policiamento comunitário, o desenvolvimento de programas sociais, o acesso a advogados e ao devido processo legal. E é preciso sempre evitar torturas, execuções sumárias ou prisões ilegais, discriminação e racismo.
A mais letal operação policial já ocorrida no Brasil é um reflexo da discriminação racial e social?
Esta é uma grande questão de estudo nas universidades e debate constante pelos especialistas em segurança pública e direitos humanos. Há relatórios e pesquisas que apontam que operações letais promovidas por policiais refletem desigualdades raciais e sociais.
Como o uso excessivo da força se encaixa no contexto mais amplo da segurança pública brasileira?
O uso excessivo de força pela segurança pública é um reflexo de problemas estruturais e históricos de um modelo de segurança pública punitivo. Elas ocorrem em um contexto de desigualdade social e racial, falta de políticas integradas e fragilidades institucionais que impactam em violações de direitos fundamentais. Ações policiais dessa natureza, somadas a esses fatores estruturais, geram insegurança e desconfiança da população e reforçam um ciclo da violência.
Os mecanismos de controle e responsabilização das polícias são suficientes para impedir condutas criminosas das forças de segurança?
Esta é uma questão de debate. Os mecanismos de controle são considerados frágeis e insuficientes para impedir condutas criminosas.
É possível superar a politização na elaboração de políticas para segurança pública? Saberia mencionar resultados positivos em outros países? Muito se fala em El Salvador e Colômbia, por exemplo.
Sim. É possível! A politização acontece quando interesses eleitorais e ideológicos predominam sobre as evidências e o interesse públicos. É importante lembrar que leis, projetos e de programas surgem da necessidade e participação dos diversos segmentos que farão parte do processo.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Beto Monteiro/Ascom UnB
                





															

