O relógio biológico pode correr mais acelerado para os ovários, e há muitos anos cientistas destacam o desgaste da qualidade dos óvulos como o grande vilão da infertilidade. No entanto, uma nova pesquisa da Universidade da Califórnia e do Chan Zuckerberg Biohub, nos Estados Unidos, mostra que a questão vai além, revelando como as células e os tecidos próximos desempenham um papel crucial na forma como os gametas femininos amadurecem e na rapidez com que a capacidade reprodutiva diminui.
“Há muito tempo pensamos no envelhecimento ovariano como um simples problema de qualidade e quantidade de células reprodutivas. O que mostramos é que o ambiente ao redor dos óvulos, as células de suporte, os nervos e o tecido conjuntivo também mudam com a idade”, destaca Diana Laird, autora sênior do estudo e professora da universidade. Conforme os cientistas, entender essas alterações pode ser a resposta para prolongar a fertilidade e melhorar a saúde feminina mais adiante.
“Conseguimos compreender o ovário com detalhes sem precedentes”, declara Norma Neff, diretora do Biohub. “Essa abordagem baseada em tecnologia nos permitiu descobrir novos tipos de células, fornecendo uma base para futuras descobertas em saúde reprodutiva.”
Perfil
Os cientistas decidiram traçar o perfil do envelhecimento normal nos ovários de pessoas e camundongos. Primeiro, desenvolveram uma nova técnica de imagem tridimensional, que permitiu visualizar óvulos sem precisar cortar os órgãos em camadas finas. Em ratos com idade equivalente à faixa de 30 a 40 anos humanos, foi observada uma queda drástica tanto nos gametas imaturos em repouso quanto naqueles que estavam em crescimento. Assim como as mulheres de 30, os animais não conseguiram engravidar facilmente com a fertilização in vitro (FIV).
Quando os cientistas avaliaram imagens 3D de ovários humanos, descobriram que os óvulos não estão uniformemente distribuídos por todo o órgão. Em vez disso, eles se agrupam em “bolsas” cercadas por espaços vazios. Com a idade, a densidade de gametas dentro dessas áreas diminui.
Em seguida, o grupo estudou quais genes estavam ativos nas células do órgão à medida que envelheciam. Segundo a equipe, o tecido ovariano humano é difícil de encontrar, e os óvulos são muito frágeis. Por isso, eles isolaram individualmente as células reprodutoras de outras.
Redes
Após estudar quase 100 mil células de camundongos e humanas, foram identificados 11 tipos principais nos ovários, incluindo a glia, um tipo de estrutura associada aos nervos e mais extensivamente investigada no cérebro. Ao mesmo tempo, o trabalho revelou que os nervos simpáticos — os mesmos envolvidos na resposta de luta ou fuga — formam redes densas no órgão, que se tornam ainda mais sólidas com a idade.
Conforme Roberto de Azevedo Antunes, especialista em reprodução humana e diretor médico da Clínica Fertipraxis, no Rio de Janeiro, a presença de glia sugere que o sistema nervoso participa diretamente da seleção e progressão dos folículos. “Para a FIV, isso acena para novas janelas de intervenção, como neuromodulação farmacológica e elétrica ainda experimental; estratificação de pacientes conforme assinaturas celulares e neurais do ovário, além de possíveis ajustes finos na duração e intensidade da estimulação conforme a responsividade individual”, sublinha. “É cedo para mudar protocolos, mas a linha de raciocínio de ‘neuro-ovário’ abre oportunidades para terapias combinadas que vão além de gonadotrofinas.”
Além disso, para o especialista, a identificação de bolsões foliculares e de 11 tipos celulares reforça que a fertilidade feminina é um fenômeno de ecossistema. “Ao mapear como esse ecossistema muda com a idade, o estudo cria um ‘roteiro’ temporal do ovário saudável e em envelhecimento. Isso pode impactar não só a medicina reprodutiva, mas a saúde da mulher após a menopausa, se no futuro conseguirmos atrasar esse fenômeno todo.”
Sistema nervoso
Quando os pesquisadores retiraram esses nervos em camundongos, os animais exibiram mais óvulos em reserva, mas menos maduros, sugerindo que essas estruturas ajudam a decidir quando as células gaméticas começam a crescer. Para eles, isso sugere um novo papel para o sistema nervoso na saúde ovariana.
Outras células de suporte, chamadas fibroblastos, também mudam com a idade, desencadeando inflamação e cicatrizes nos ovários de mulheres na faixa dos 50 anos — anos antes de as cicatrizes aparecerem em órgãos como os pulmões ou o fígado. “Isso nos diz que o envelhecimento ovariano não diz respeito somente aos óvulos, mas a todo o seu ecossistema”, frisou Laird.
Para os pesquisadores, uma das conclusões mais importantes do trabalho é a semelhança entre os ovários de mulheres e de camundongos. “Até agora, não estava claro se poderíamos usar os animais como modelo para humanos no que diz respeito a esse órgão — temos janelas reprodutivas bastante diferentes. Mas as semelhanças que observamos nesse estudo nos deixam confiantes de que podemos avançar e aplicar essas lições às pessoas.”
Conforme Fábio Passos, ginecologista e obstetra e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), vale ressaltar que novas pesquisas e descobertas de exames não invasivos, capazes de identificar marcadores de disfunção tanto inflamatória quanto nervosa, poderão ser utilizados futuramente na investigação da fertilidade. “Além disso, é importante criar estruturas sociais que deem suporte às mães, como cotas em concursos e condições mais flexíveis nos ambientes de trabalho. Afinal, estamos observando um aumento nos problemas relacionados ao adiamento da gestação, em razão do trabalho, quando uma das soluções mais simples poderia ser incentivar a maternidade em idades mais precoces.”
A equipe liderada por Laird está iniciando a investigação de alguns medicamentos que podem modular a velocidade do envelhecimento ovariano. Eles esperam descobrir maneiras de impactar tanto a fertilidade quanto outras doenças, como as cardiovasculares, comuns em mulheres após a menopausa.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Freepik