Desde que foi designado relator para o projeto de anistia na Câmara, na última quinta-feira, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) tem cumprido o que prometeu: desagradou tanto a congressistas de direita — defensores de uma anistia “ampla, geral e irrestrita” que livre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) da prisão — quanto a governistas que veem qualquer alívio aos criminosos do 8 de Janeiro como um recuo inaceitável. Ainda na quinta, o parlamentar jantou com o ex-presidente Michel Temer e com o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) em São Paulo. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), participou virtualmente.
Na ocasião, Paulinho da Força gravou um vídeo ao lado de Temer e Aécio e anunciou a estratégia: quer que o texto passe a ser chamado de “PL da Dosimetria” e trate apenas das penas dos condenados pela tentativa de golpe de Estado e por depredação ao patrimônio público, sem perdão pelos crimes. Parte dos 141 detentos em regime fechado poderia progredir de pena. Já os réus do núcleo central — entre eles Bolsonaro — teriam reduções menores, que estariam sendo negociadas com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).Play Video
“Nós não queremos, não vamos fazer nenhum projeto que vá de encontro ao Supremo. Por que eu falei que a anistia não existe mais? Porque a anistia já foi considerada inconstitucional pelo Supremo. Então, qualquer projeto que fale de anistia não vai a lugar nenhum. Se a gente fizer, vai ser derrubado no Supremo Tribunal Federal. O que estamos fazendo aqui e vamos fazer até terça ou quarta-feira é ter um texto que agrade a todos ou à maioria e, especialmente, o povo brasileiro”, disse, nesta sexta-feira, em entrevista à GloboNews.
A anistia light enfureceu bolsonaristas. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que pleiteia sanções ao Judiciário brasileiro nos Estados Unidos desde o início do ano, não poupou críticas a Paulinho da Força. “Eu não abri mão da minha vida no Brasil e arrisquei tudo para trazer justiça e liberdade para o meu povo em troca de algum acordo indecoroso e infame como o que está propondo”, disse o filho 03 de Bolsonaro em suas redes sociais.
Ameaça
O parlamentar também acusou Paulinho da Força de ter sido “posto” nas negociações pelo ministro Alexandre de Moraes — de quem é próximo — para “enterrar a anistia ampla, geral e irrestrita” e ainda o ameaçou com possíveis sanções dos EUA. “Todo colaborador de um sancionado por violações de direitos humanos é passível das mesmas sanções. A anistia ampla, geral e irrestrita não está sob negociação”, disse Eduardo, que, na última semana, tornou-se o novo líder da minoria na Câmara.
Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que a “pacificação” do país só virá com anistia ampla — o que, na prática, significa um perdão ao seu pai, condenado como chefe da organização criminosa que tentou um golpe de Estado. “Qualquer outra coisa só atrapalha o Brasil”, ressaltou.
O deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL, que pressiona o presidente da Câmara desde o início do ano pela aprovação da anistia, também se posicionou. Sustentou que a dosimetria de penas é prerrogativa exclusiva do Judiciário e que a anistia é uma “ferramenta que a Constituição deu ao Congresso para corrigir injustiças”.
Mesmo em um lado oposto na discussão, o argumento foi o mesmo utilizado pelo líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), que se diz contra qualquer tipo de recuo na punição dos golpistas do 8 de Janeiro.
“Não cabe negociação entre os Poderes, pois o julgamento ainda está em andamento, sem trânsito em julgado, com recursos possíveis para debater a dosimetria. A democracia é o bem jurídico protegido e não pode ser objeto de barganha. Quem tem competência para modular penas é o STF, não o Congresso”, frisou o petista, que convocou seus seguidores para as manifestações organizadas pela esquerda para amanhã, em todo o país. “No próximo domingo, 21, vamos às ruas em todas as cidades do Brasil para dizer em alto e bom som: somos contra a anistia, contra a redução de penas para golpistas e contra a PEC da Bandidagem!”, escreveu.
Embora bolsonaristas mais radicais rejeitem um texto que não anistie Bolsonaro, um de seus principais defensores anunciou apoio “PL da Dosimetria”: o senador Ciro Nogueira (PI), presidente o PP, que foi ministro da Casa Civil. “Tenho certeza de que nós temos que sair desse processo muito melhor do que estamos hoje. O Brasil não aguenta mais essa discussão sem fim”, argumentou ele, que se reuniu com Paulinho da Força nesta sexta-feira.
Diálogo
Do lado da gestão Lula, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), fez um aceno a um acordo nesta sexta-feira. Disse que o texto é uma “vitória” em relação ao que vinha sendo articulado por bolsonaristas na Câmara. A postura do petista não é nova: em fevereiro, ele já havia dito que estava aberto a um diálogo sobre o tema.
“Acho que o PL da Dosimetria é uma vitória em cima do termo ‘anistia’, do perdão. Repito: não vejo maiores problemas em reduzir a pena para quem participou do 8 de Janeiro, para a chamada massa de manobra. Não conheço o texto, não sei como vai ser o relatório, mas acho possível o diálogo”, destacou o senador, em entrevista ao portal UOL.
Para Wagner, não cabe anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de Estado. Ele afirmou que perdão é aceitável em momentos em que se encerra um ciclo histórico, como foi no período “governo cívico-militar” — referindo-se à ditadura militar que começou em 1964. “Anistia não tem nada a ver com isso. Anistia é um instituto que se tem, que as sociedades podem usar, quando você está encerrando um determinado ciclo histórico ou de exceção, como foi 1964 até 1985, o governo cívico-militar, e aí é como se fosse uma pacificação do país”, disse.
A expectativa, segundo Paulinho da Força, é de que o tema seja amadurecido até a próxima semana, com possível votação de mérito até quarta-feira. Se o texto for aprovado, irá ao Senado.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziiense
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