O fim de semana do brasiliense foi marcado por calor intenso e incêndios florestais no Cerrado. De acordo com o Corpo de Bombeiros (CBMDF), na sexta-feira (12/9) foram registradas 43 ocorrências de incêndio em vegetação, totalizando 837,42 hectares queimados. No sábado (13/9), foram 30 ocorrências, que atingiram 203,39 hectares. O órgão alerta que esses números consideram apenas incêndios reais em vegetação, não incluindo queimadas programadas, lixo ou entulhos.
Locais como a Área Alfa, na Reserva da Marinha, e parte da Reserva do Lago Oeste foram atingidos durante o período. Até o fechamento desta edição, equipes do CBMDF permaneciam mobilizadas para combater as chamas em ambas e a extensão total da queimada ainda não havia sido contabilizada.
Na Alfa, 56 bombeiros militares, 11 viaturas, um helicóptero e um avião foram designados para a operação. No Lago Oeste, o fogo avançou na altura da Rua 11, e quatro viaturas foram empregadas para controlar os diversos focos que atingiram a vegetação. A operação contou com viaturas do tipo ABTF, caminhões de água e veículos ARF, utilizados para deslocamento em áreas de difícil acesso.
No Lago Oeste, onde o fogo se espalhou rapidamente sobre a vegetação nativa, moradores acompanharam apreensivos a luta contra as chamas. João Victor Soares Rodrigues, 21 anos, estava em casa com os pais, na Rua 10, quando o incêndio se aproximou da propriedade da família. “Na hora, a gente jogou água e ligou para os bombeiros, que chegaram rápido para tentar amenizar a situação. Ficou muita fumaça, principalmente hoje (ontem) pela manhã, entre 8h e 9h, quando o fogo estava mais forte”, contou. Segundo ele, apesar da resposta imediata, nem sempre é possível conter o avanço das chamas naquela região. “Aqui não tem muito como controlar, acaba queimando até o fogo parar sozinho”, relatou.
A mãe de João, Lucenete Pereira Soares, 50, afirmou que o incêndio deste fim de semana foi o mais grave que já presenciou. “Quase pegou na nossa casa. Se não fossem os bombeiros nos acordando, não sei o que teria acontecido. Estamos há três dias sem conseguir dormir, molhando o terreno com mangueira para evitar que o fogo chegue perto. Nesse domingo, quando cochilamos, as chamas avançaram e chegaram muito perto. Eu tenho problema cardíaco e passei mal, porque nunca tinha visto labaredas tão altas desse jeito”, destacou. Ela acrescentou que, em anos anteriores, o fogo atingiu a parte dos fundos da chácara, mas nunca tão próximo da residência. “Foi diferente desta vez, muito mais forte. A fumaça deixou nossos olhos machucados e a respiração quase impossível”, lamentou.
Desespero
O brigadista voluntário Alysson Paulo Lima de Sousa, conhecido como Paulinho Lima, 41 anos, fundador do Instituto Cafuringa, também observou maior agressividade do fogo neste ano. “Com as mudanças climáticas e a invasão de capins exóticos, como o Andropogon, o fogo tem se comportado com muito mais violência, carbonizando a vegetação nativa e não deixando espaço para que o Cerrado se recupere”, explicou. Segundo ele, nesta época do ano, não existe fogo natural no bioma. “Todo fogo na seca é criminoso. Precisamos incentivar as denúncias para juntos mudarmos essa cultura do fogo, que não se aplica mais aos dias de hoje”, destacou.
Segundo Paulinho, o incêndio no Lago Oeste teria começado quando um morador ateou fogo em sua propriedade, provavelmente para limpar o terreno. “Essa prática não pode mais acontecer. O fogo se espalhou para outras chácaras e desceu o morro. As casas estão em segurança no momento, mas amanhã certamente teremos mais combate”, afirmou. Ele relembrou ainda as graves queimaduras que sofreu em 2019 durante uma ocorrência. “É sempre difícil enfrentar o fogo depois de um acidente, mas a experiência me trouxe segurança. Precisamos cuidar desse bem tão precioso que é a natureza. Sem árvores, a vida não existe”, reforçou.
Para a produtora rural Flávia Tenido, 58, o incêndio expôs não apenas o risco imediato às chácaras, mas também a importância ambiental da região. “Aqui está o aquífero do Lago Oeste, que abastece cerca de 80% da água do Plano Piloto. Se virar área urbana, acabou a água de Brasília”, alertou. Além da preocupação com o impacto do fogo, ela descreveu a tensão da madrugada. “Três horas da manhã a gente estava transferindo cavalo de uma amiga para o nosso espaço, porque o fogo já rondava a região. Hoje cedo ele voltou ainda mais forte. A adrenalina faz a gente agir com sangue frio na hora, mas depois vêm o cansaço e a dor no corpo. É difícil, precisamos de mais apoio e de um socorro mais rápido, porque todos os anos isso se repete”, contou.
Quem também viveu momentos de desespero foi Elaine Vieira, 59, residente no Lago Oeste há pouco mais de um ano. Ela viu o fogo se aproximar da própria casa e chegou a gravar um vídeo pedindo socorro. “No sábado à noite tinha, percebido a fumaça, e domingo de manhã, por volta das 6h, acordei com o estampido do fogo e vi que o vento trazia as chamas para cá. Liguei imediatamente para os bombeiros, mas eles demoraram a chegar. Quem conseguiu evitar que minha casa fosse incendiada foram voluntários da região, que apagaram o fogo antes. Se ninguém tivesse vindo, minha casa teria pegado fogo”, contou. Apesar do susto, Elaine disse não culpar a corporação. “A situação está terrível, eles estão trabalhando sem parar por causa da seca”, afirmou.
O Corpo de Bombeiros não confirmou a informação do brigadista. As causas do incêndio estão em investigação.
Temperatura pode chegar a 37ºC em setembro
O calor intenso que tem afetado os brasilienses nos últimos dias deve prevalecer, pelo menos, até o fim do mês. Segundo a previsão do meteorologista Olívio Bahia, a chegada da primavera, que começa em 22 de setembro, trará mais radiação solar, o que aumenta mais ainda a probabilidade de calor e baixa umidade.
“O brasiliense pode esperar temperaturas elevadas, por volta de 34, 35, 36 ou até 37º C nas próximas semanas. A chance de chuva é mínima, no máximo uma pancada ou outra, mas sem volume. Setembro tende a ser o final do período seco climatologicamente no Distrito Federal”, previu o meteorologista.
A chuva é esperada somente a partir de outubro. “A tendência é que chova pouco no início do mês e a frequência maior tende a vir a partir da segunda quinzena”, disse Olívio Bahia. “Para os próximos dias, há pouca condição para chuva, umidade baixa e riscos elevados de incêndio”, completou. “Se chover e quando chover, não descartamos uma chuva forte, devido às altas temperaturas atualmente”, concluiu.
A temperatura ontem chegou a 33°C e a umidade relativa do ar a 15%, levando a Defesa Civil a emitir um alerta amarelo, que vale até hoje. A recomendação é manter a hidratação, evitar atividades físicas intensas sob o sol forte, não atear fogo em terrenos, usar colírio para hidratar os olhos, entre outros cuidados.
Orla lotada
O clima seco e o calor estão, com certeza, entre os assuntos mais comentados pelos brasilienses, que buscam formas de se refrescar. No domingo (14/09), a orla do Lago Paranoá, um dos pontos favoritos dos moradores, ficou lotada e até lembrou famosas praias brasileiras, como as do Rio de Janeiro. Houve quem viesse do Entorno para escapar da quentura.
Com os pés na água, Jário Neves, 34 anos, passava o protetor solar no corpo antes de dar um mergulho. Na companhia da esposa, Adriana Melo, 48, tentava fugir da monotonia e do estresse provocado pelo calor. Moradores de São Sebastião, eles não pensaram duas vezes antes de sair de casa para chegar a um dos locais mais requisitados e visitados de Brasília.
“Ninguém está aguentando ficar dentro das residências. Está muito quente, muito mesmo. Queríamos nos refrescar um pouco, por isso, resolvemos vir”, disse o marceneiro. Adriana, que trabalha como secretária, é cautelosa nesse período do ano e adota precauções. “Estamos bebendo bastante água, especialmente para ajudar nesse clima abafado de Brasília. A água do Lago Paranoá é muito boa, geladinha, ajuda a enfrentar esses dias secos”, destacou.
Jeisiane Emídio, 38 anos, levou a filha Maria Beatriz, 10, para descansar e tomar um banho. Juntas, deram um jeito de levar um pouco de alívio ao corpo e à mente. “Moramos em Santo Antônio do Descoberto e viemos aqui para escapar do calor. Eu não gosto de frio, prefiro esse clima, mas sei que o problema de Brasília é a secura, a baixa umidade. Estamos tomando muita água, passando bastante protetor solar. O que não falta é cuidado da nossa parte”, destacou a nutricionista.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press