Com mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, em uma área que supera países como México, Indonésia e Mongólia, o cerrado é o segundo maior bioma da América Latina, além de possuir uma das maiores biodiversidades do mundo. Cerca de 20 milhões de brasileiros vivem na região, incluindo povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e extrativistas, além de cerca de 332 mil espécies de animais e plantas. Diante disso, o dia 11 de setembro também é a data em que se recorda a importância desse bioma a nível nacional e internacional.
Apesar de seu enorme valor, o cerrado foi o segundo bioma mais ameaçado em relação à perda de biodiversidade em 2024. Segundo o MapBiomas, em 2024, o bioma teve a maior área desmatada do Brasil. Foram desmatados 652.197 hectares, o que representa mais da metade (52,5%) do total desmatado no país ao longo de todo ano. De acordo com o doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), Christian Della Giustina, o cerrado é considerado um hotspot — característica conferida a uma região com rica biodiversidade e alto grau de ameaça.
O desmatamento do bioma vem sendo explorado desde a década de 70, na Revolução Verde, como recorda o especialista. “Essa agricultura se expandiu, principalmente, nas áreas planas, das chapadas. Hoje, basicamente, o que se a gente tem de remanescente da vegetação nativa, são áreas acidentadas, que a agricultura não consegue aproveitar. Não consegue botar um trator, por causa do relevo acentuado” frisa o especialista.
De acordo com o MapBiomas, a região Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) concentrou 75% do desmatamento do Cerrado e cerca de 42% de toda a perda de vegetação nativa no país no ano passado — os quatro estados estão entre as cinco unidades federativas que mais desmataram em 2024. O Maranhão liderou o ranking pelo segundo ano consecutivo, mesmo com redução de 34,3% na área desmatada, que atingiu 218 mil hectares no ano passado.
O MapBiomas também analisa a relação entre a agropecuária e emissão de gás carbônico. Em 2030, a criação de gado no Cerrado pode necessitar de apenas 58% da área que utiliza hoje — seriam necessários 29 milhões de hectares, ante os atuais 50 milhões de hectares— para produzir a demanda estimada de carne para aquele ano, caso seja feito o manejo adequado da terra.
Os pesquisadores também combinaram dados do IBGE e do MapBiomas para estimar a cobertura da formação savânica no bioma e calcular estimativas de estoque de carbono. Os dados foram cruzados com declarações de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) que constam no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) e com áreas protegidas e Terras Indígenas. Com isso, constatou-se que 49% das áreas de formação savânica, que abrigam 47% do carbono no bioma, estão em regiões vulneráveis ao desmatamento. O Cerrado absorve cerca de 13 bilhões de toneladas de CO²/km³.
Desafios
Além de concentrar os maiores níveis de desmatamentos no país, o Cerrado lida com outra estatística indesejável há anos: é o bioma com a maior incidência de focos de incêndio em todo o país. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no ano passado, o satélite que monitora as ocorrências registrou um crescimento de 100% nos incidentes de queimadas na região, em relação a 2023, com 53.233 identificados. Somente neste ano, a estatística já passa dos 28 mil, com a possibilidade de um crescimento ainda mais expressivo, pois o período de seca deve se prolongar por mais um mês, pelo menos.
A estiagem somada ao aumento da temperatura média são alguns dos principais motivos apontados por especialistas no clima para o avanço das queimadas na região. Além disso, as características naturais do ambiente favorecem a proliferação das chamas, sobretudo na época menos chuvosa, durante o inverno e o início da primavera. O presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, defende que as medidas para a contenção de incêndios sejam mais efetivas. Ele cita, como exemplo, a criação de um corpo de combate a incêndios para o bioma, que permita também atuação preventiva com maior monitoramento para identificar focos de incêndio a tempo de agir para conter as chamas.
“É preciso preparar o Cerrado com uma nova política de combate a incêndios que possa fazer frente a essa era ocasionada pelas mudanças climáticas. O Brasil deverá estabelecer sistemas não só operacionalmente mais efetivos e seguros, mas também deverá estar tecnicamente mais aparelhado com corpo de combate a incêndios com aeronaves, com uso de mais tecnologia para prevenção e combate”, avalia Bocuhy.
O Cerrado é conhecido como berço das águas, por abrigar diversas nascentes e importantes áreas de recarga hídrica, desempenhando um papel fundamental para as principais bacias hidrográficas brasileiras e sulamericanas. Nos últimos anos, contudo, o bioma perdeu 30% dos volumes dos rios.
Para o presidente do Proam, Carlos Bocuhy, ainda está distante o horizonte em que o Cerrado obtenha uma proteção efetiva contra a soma de fatores de risco. “Sobre o Cerrado se aplicam os tratados internacionais de proteção da diversidade biológica, de combate à desertificação e para a contenção das mudanças climáticas. Temos leis e temos tratados, faltam boas políticas de gestão e também vontade política”, considera.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil