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Como a sensibilidade ao ruído perturba a mente, o cérebro e o corpo

Toc, toc, toc. Toc, toc, toc. Ele está de volta: o ruído incessante dos meus...

Toc, toc, toc.

Toc, toc, toc.

Ele está de volta: o ruído incessante dos meus novos vizinhos do andar de cima. Claramente, eles ainda estão em processo de pendurar quadros ou montar a nova mobília.

No edifício bem isolado onde moro no centro de Berlim, na Alemanha, o ruído do apartamento vizinho estava muitos decibéis abaixo do nível que incomodaria qualquer pessoa. Mas, para mim, é um barulho muito irritante.

Uma grave sensação de estresse corre pelo meu corpo. E a ansiedade é ainda pior. Quando eles vão terminar?

Aquele não é o único ruído que me perturba. Percebo o baque suave através do meu teto quando as pessoas vão para a cama.

Em algum lugar do edifício, ouço o barulho alto de um aspirador de pó e o som abafado de uma máquina de lavar. No outro, é o cachorro dachsund do vizinho que está latindo para ganhar um petisco. E nem vou falar dos sopradores de folhas e das lavadoras de alta pressão no lado de fora do prédio.

O ruído, por menor que seja, interrompe minha concentração e prejudica minha paz de espírito.

Faço parte do grupo de 10% a 40% da população em geral que tem sensibilidade a ruídos. Em outras palavras, o barulho me perturba e irrita mais do que a média das pessoas.

É fácil refutar a sensibilidade ao ruído como sendo uma falha de personalidade, um sintoma a mais do fato de ser beligerante, queixosa e irritável de forma geral. Mas, nos últimos anos, cientistas descobriram que esta condição tem raízes biológicas reais.

O cérebro das pessoas sensíveis ao ruído reage aos sons de forma diferente. E algumas realmente podem nascer com isso.

O ruído afeta não só o humor imediato dessas pessoas, mas também sua saúde mental e física de longo prazo.

Existem soluções simples para esta condição, mas conhecer os seus efeitos pode ajudar as pessoas sensíveis a ruídos a tomar medidas para tornar suas vidas mais toleráveis.

“Poderíamos dizer que essa é uma daquelas questões frequentemente menosprezadas… que são simplesmente descartadas pelos profissionais de saúde”, afirma o neurocientista Daniel Shepherd, da Universidade de Tecnologia de Auckland, na Nova Zelândia.

Apenas nos últimos anos, “as pessoas realmente começaram a dizer ‘OK, isso realmente prejudica a experiência dos pacientes'”, segundo ele. “Precisamos realmente começar a cuidar disso.”

A sensibilidade ao ruído não é um diagnóstico médico formal. As pessoas podem descobrir se são sensíveis ao ruído preenchendo questionários, como a escala de sensibilidade ao ruído de Weinstein, que inclui 21 questões.

Elas incluem, por exemplo, se você se irrita com pessoas sussurrando e abrindo embalagens de doces no cinema, com pessoas fazendo barulho quando você está tentando dormir ou trabalhar e até se o som da música perturba você quando tenta se concentrar em alguma coisa.

A sensibilidade ao ruído é diferente de outras condições relacionadas ao som, como a misofonia, explica a médica Jennifer Brout, fundadora da Rede Internacional de Pesquisa sobre a Misofonia, com sede nos Estados Unidos.

A misofonia é a baixa tolerância a certos sons específicos, como mastigar, limpar a garganta, batidas ou cliques. Estes ruídos ativam sensações intensas de repulsa ou raiva, segundo Brout.

A sensibilidade ao ruído também é diferente da hiperacusia, que faz as pessoas sentirem dores ou desconforto extremo ao perceberem o som como se fosse mais alto do que a realidade.

Já a sensibilidade ao ruído é uma reatividade geral a todos os sons, independentemente do seu volume real ou percebido.

As pessoas sensíveis a ruídos acham o som, no mínimo, perturbador e ficam incomodadas, sentem raiva ou até medo ou ansiedade.

“Eu me lembro de uma pessoa que descreveu a sensibilidade como ter um mosquito voando à sua volta”, conta Shepherd. “Você simplesmente não consegue ignorar.”

Para as pessoas que têm medo dos ruídos, esta condição pode deixá-las estressadas a ponto de desencadear uma reação de lutar ou fugir.

“Seus batimentos cardíacos aumentam, sua pressão sanguínea sobe”, explica o psiquiatra Stephen Stansfeld, professor emérito da Universidade Queen Mary de Londres.

E a qualidade do sono também pode ser prejudicada. Em um estudo de 2021 na China, pesquisadores acompanharam os padrões de sono de 500 adultos e os níveis de ruído noturno ao longo de uma semana.

Eles concluíram que o ruído em si não afetou a qualidade do sono das pessoas, mas indivíduos sensíveis ao ruído costumavam achar seu sono menos restaurador. Eles avaliaram seu sono como menos repousante e afirmaram que se sentiam mais mal-humorados e com menos energia ao longo do dia.

Efeitos à saúde física

A exposição aos ruídos também foi relacionada a efeitos de longo prazo à saúde, incluindo doenças cardíacas e diabetes. E as pessoas sensíveis a ruídos podem sofrer mais impactos à sua saúde mental, segundo Stansfeld.

Em um estudo de 2021, ele e seus colegas examinaram 2.398 homens da cidade de Caerphilly, no País de Gales, que foram expostos a diferentes níveis de ruído do trânsito. E os mais sensíveis ao ruído apresentaram maior propensão a sofrer de ansiedade e depressão a longo prazo.

Isso pode ocorrer, em parte, porque as pessoas ansiosas são mais vigilantes em relação ao que acontece perto delas e, portanto, mais propensas a perceber barulhos. Mas também é possível que a sensibilidade ao ruído aumente a ansiedade.

Em 2023, uma pesquisa reuniu 1.244 adultos que moram perto de aeroportos na França e concluiu que as pessoas gravemente perturbadas pelo nível de ruído das aeronaves (especialmente alguns indivíduos sensíveis a ruídos) eram mais propensos a avaliar sua saúde em geral como ruim.

Mas por que algumas pessoas apresentam reação mais negativa ao ruído do que outras? Estudos do cérebro de pessoas sensíveis a ruídos revelam algumas indicações a este respeito.

Shepherd e seus colegas conectaram aparelhos às pessoas, para medir a atividade elétrica no cérebro. Eles descobriram que os participantes que não eram sensíveis a ruídos mostravam atividade cerebral maior apenas quando os pesquisadores os expunham a sons ameaçadores.

Já entre as pessoas sensíveis a ruídos, “seus cérebros costumavam acelerar independentemente do som, fosse ele ameaçador ou não”, relembra ele.

Shepherd e a neurocientista Elvira Brattico, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, descobriram independentemente evidências de que isso está relacionado à forma em que o cérebro filtra as informações sobre sons que não são importantes.

A equipe de Shepherd encontrou evidências de que, entre as pessoas sensíveis a ruídos, um grupo específico de células no núcleo geniculado medial — uma estação retransmissora de informações sobre sons que entram no cérebro — apresenta menos eficiência no seu trabalho de filtragem, em comparação com o cérebro de pessoas que não possuem a condição.

A maioria das pessoas consegue “filtrar essas informações e seguir com sua vida, mas aquelas que têm sensibilidade a ruídos não fazem isso com facilidade”, explica ele.

Este tipo de filtragem também parece ser importante durante o sono. A maioria das pessoas exibe padrões característicos de atividade cerebral quando adormecem. Estes padrões são considerados importantes para nos acostumarmos aos ruídos ao nosso redor.

Mas as pessoas com sensibilidade a ruídos apresentam esses padrões em menor quantidade. Esta descoberta ajuda a explicar por que elas são tão reativas a sons que não perturbam a maioria das pessoas.

Mas o motivo que leva o cérebro a agir desta forma é um mistério.

Um estudo finlandês sobre gêmeos sugeriu que a sensibilidade a ruídos, muitas vezes, é hereditária. Por isso, algumas pessoas podem ser predispostas à condição desde o nascimento.

Mas também é possível que as pessoas que moram em ambientes barulhentos desenvolvam a sensibilidade ao longo do tempo, segundo Brattico.

Pessoas com ansiedade, esquizofrenia e autismo são especialmente propensas a desenvolver sensibilidade a ruídos.

E, embora algumas pessoas possam desenvolver a condição após lesões cerebrais traumáticas, para a maioria é normalmente algo que persiste ao longo da vida, segundo Stansfeld.

“É muito difícil, em comparação com alguém que não tenha sensibilidade a ruídos, realmente se habituar ao som e, de fato, perder a sensibilidade”, explica ele.

É claro que a solução ideal seria combater as fontes do próprio ruído.

Os urbanistas poderiam construir quintais internos silenciosos para os edifícios residenciais, usar borracha entre os ingredientes do asfalto para reduzir o ruído do trânsito ou construir paredes que realizem difração do som em torno das autoestradas e outras áreas barulhentas.

Cidades da Bélgica e da França já começaram a implementar essas medidas, além de reduzir o limite de velocidade dos veículos, incentivar a infraestrutura para bicicletas e criar zonas de silêncio nos parques e ao longo dos rios.

O ruído é uma causa real de problemas de saúde, mas “também pode ser evitado”, destaca Stansfeld.

Mas os progressos são lentos, o que faz com que muitas pessoas sensíveis a ruídos passem a cuidar de si próprias sozinhas, evitando regiões barulhentas, transformando seus espaços em áreas à prova de som ou recorrendo a plugues e abafadores de ouvidos, ou fones de ouvido com cancelamento de ruído.

Mas estes métodos, muitas vezes, apenas abafam os sons, sem eliminá-los completamente.

“Mesmo os ruídos baixos podem perturbar pessoas sensíveis a ruídos”, segundo Brattico.

Em alguns casos, tratar condições como a ansiedade com medicamentos pode ajudar, segundo Stansfeld.

terapia cognitivo-comportamental (uma forma de psicoterapia destinada a fazer a pessoa controlar seus comportamentos e reações psicológicas) pode fazer sentido para pacientes com medo de ruídos.

“Eu mesmo tratei de uma pessoa com terapia cognitivo-comportamental e acho que pode ser bastante útil”, afirma Stansfeld.

Paralelamente, Brattico acredita que a terapia musical, com profissionais qualificados, também pode ser útil. Ela envolve a seleção de música suave e relaxante, para acalmar as pessoas e estabelecer associações positivas com o som.

Para quem desejar tentar a autocura, Brattico recomenda música com instrumentos suaves, como piano ou harpa — música de câmara barroca ou renascentista, por exemplo.

E, quando até a música perturba, a arteterapia pode ajudar. “Algo que seja relaxante e permita a expressão e a regulagem das emoções”, orienta Brattico.

No meu caso, usei plugues de ouvido, fones de ouvido com cancelamento de ruído tocando jazz e uma toalha enrolada na minha cabeça. Tudo isso acabou ajudando de alguma forma.

Enquanto o mundo à minha volta continuar barulhento, posso pelo menos encontrar alguma paz de espírito em mim mesma.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense      

Foto:  Getty Images

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