O Brasil contava com 77,3 milhões de domicílios em 2024, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número representa crescimento de 1,7% em relação a 2023 e de 15,9% desde 2016, mas a composição das moradias revela transformações profundas no padrão habitacional do país.
Enquanto a proporção de imóveis próprios já quitados caiu de 66,8% em 2016 para 61,6% em 2024, os domicílios alugados avançaram de 18,4% para 23%, somando 17,8 milhões de unidades — um aumento de 45,4% em oito anos. Quase metade desse crescimento ocorreu entre 2022 e 2024, coincidindo com um período de forte elevação da taxa básica de juros, a Selic, o que tornou o preço do financiamento mais caro do que o do aluguel. Os imóveis ainda em financiamento se mantiveram estáveis em 6%.
O analista da pesquisa do IBGE, William Kratochwill, observa que o aumento da moradia por aluguel é um indicativo da concentração de riqueza. “É uma concentração da posse de domicílios para um grupo menor. “Se não se criam oportunidades para a população adquirir o seu imóvel, e a pessoa continua querendo ter sua independência, ter sua família, como faz isso se não consegue adquirir um bem? Ela tem que partir para o aluguel”, comenta.
Para o professor Rodrigo Simões, da Faculdade do Comércio (FAC-SP), o fenômeno está diretamente ligado ao encarecimento do crédito. “Nos últimos dois anos houve uma consistente elevação da taxa de juros, que é reflexo de um aumento dos gastos fiscais e também para poder combater a inflação. Quando a taxa de juros sobe, ela puxa, direta ou indiretamente, as demais taxas do mercado para cima, porque tudo acaba ficando mais caro”, avalia.
Ele destaca que, diferentemente de outros países, “no Brasil, temos taxa de juros alta e inflação alta. Aqui, o efeito é mais demorado”, o que reduz o poder de compra do trabalhador. “Mesmo o aumento de renda, não é suficiente para arcar com os juros de financiamentos e o custo de vida, que está cada vez mais alto”.
O economista Otto Nogami, professor do Insper, reforça que o aumento no número de imóveis alugados representa uma transformação estrutural no mercado imobiliário e no comportamento das famílias brasileiras. “O aluguel se consolida como uma solução habitacional de longo prazo, muitas vezes por necessidade, refletindo o afastamento do tradicional sonho da casa própria”, destaca.
Para ele, “as famílias estão adaptando seu comportamento a um cenário de mercado desafiador, onde a compra de um imóvel se tornou mais difícil, seja pela incapacidade de acumular capital para a entrada, seja pela dificuldade de acessar financiamentos em condições favoráveis”.
A análise regional da Pnad mostra desigualdade no acesso à moradia. O Sudeste concentra 43,1% dos domicílios do país e registra os maiores índices de imóveis alugados (25,4%), enquanto Norte e Nordeste lideram em casas próprias quitadas (70% e 69,6%). A verticalização acompanha esse movimento, os apartamentos cresceram 29,8% entre 2016 e 2024, quase o dobro do crescimento das casas, com destaque para o Sudeste.
Nogami observa que o aumento de domicílios alugados está intimamente ligado à verticalização urbana. “Apesar disso, a expansão não resolve a crise habitacional, pois os apartamentos se concentram em áreas de maior valor agregado, atendendo à demanda de mercado e não à necessidade de moradia digna para a população de baixa renda”, afirma.

Desigualdades
Além da moradia, a infraestrutura evidencia desigualdades persistentes. Em 2024, 86,3% dos domicílios tinham acesso à rede de água, com forte contraste entre áreas urbanas (93,4%) e rurais (31,7%), enquanto o esgotamento sanitário atingiu 70,4% das residências, com disparidades regionais — Sudeste (90,2%), Norte (31,2%) e Nordeste (51,1%). O destino do lixo também é desigual: 50,5% das famílias rurais queimam resíduos em suas propriedades.
O padrão de consumo revela diferenças sociais importantes. Geladeiras estão presentes em 98,3% dos lares; máquinas de lavar em 70,4%; automóveis em 48,8%; e motocicletas em 25,7%. No Norte e Nordeste, as motos são mais comuns que os carros, enquanto Sul e Sudeste registram maior posse de automóveis.
Segundo Simões, no Sudeste está cada vez mais difícil adquirir imóvel, aumentando a procura por aluguel. “No Nordeste, o aluguel é mais barato e há maior proporção de moradias próprias. Enquanto isso, profissionais autônomos ou PJs perdem a condição de pagar imóveis, e investidores compram para alugar”, avalia.
Outro fator importante, que tem inibido o efeito de programas sociais, segundo ele, é o endividamento das famílias. “O brasileiro está ganhando mais, mas o custo de vida cresce mais rápido. Alimentação, moradia, energia e água consomem cada vez mais do salário. Mesmo programas como Minha Casa Minha Vida, que hoje atendem classes C e B, não conseguem suprir a demanda, por causa do alto endividamento e da inadimplência das famílias.”
A proporção de brasileiros que moram sozinhos cresceu 52% em 12 anos. Em 2024, 18,6% dos domicílios eram habitados por apenas uma pessoa, o que equivale a aproximadamente um em cada cinco. Para Nogami, os dados reforçam tanto a urbanização e verticalização das cidades quanto as desigualdades regionais persistentes. Simões destaca o impacto social e demográfico, com aumento no número de unidades domésticas unipessoais e o predomínio de arranjos familiares menores.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Reprodução/Viva Real