Outros posts

Brasil nega ajuda para participação na COP30

O governo brasileiro rejeitou, na sexta, a proposta da Organização das Nações Unidas...

O governo brasileiro rejeitou, na sexta, a proposta da Organização das Nações Unidas para que concedesse subsídios diretos às delegações de países menos desenvolvidos que participarão da Conferência do Clima (COP30), novembro, em Belém. O pedido foi formalizado pela ONU, em carta na qual solicitava que o país garantisse US$ 100 por dia para os representantes de nações vulneráveis.

A resposta do governo foi negativa. “Não cabe aos brasileiros arcarem com as delegações de outros países”, afirmou a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior. Ela destacou que o Executivo já tem arcado com custos “significativos” para viabilizar a COP30 e reforçou que o país apoia apenas a revisão dos valores repassados pela própria ONU.

Miriam afirmou que as Nações Unidas fixaram em US$ 144 o valor do subsídio para Belém. Mas em outros países, como na Alemanha — onde ocorre a Conferência de Bonn, um evento preparatório da COP —, o valor era de US$ 400.

“Em qualquer outra cidade do mundo, eles pagariam. Então, por que não pagam em Belém? Não estamos pedindo os US$ 400 de Bonn. Estamos pedindo o que seria em São Paulo ou no Rio de Janeiro, que é US$ 250”, argumentou Míriam. A ONU justificou que a mudança de valor demandaria tempo.

Apesar do impasse, a leitura do Palácio do Planalto é de que os ânimos estão se acalmando. “Em função das respostas enviadas [à ONU], baixou um pouco a temperatura”, analisou Míriam. O governo, porém, criará uma força-tarefa com funcionários dos ministérios das Relações Exteriores, do Turismo, do Meio Ambiente e Mudança do clima — além de membros da secretaria do evento — para auxiliar as delegações estrangeiras nas negociações por hospedagem.

A secretária-executiva da Casa Civil enfatizou que a sede da conferência não será mudada. “A COP será em Belém. A cidade já tem contratos firmados, navios contratados, obras em andamento e espaços comercializados”, reforçou.

A pressão do subsídio às delegações ocorre em meio a queixas de delegações internacionais e entidades ambientais sobre os preços abusivos de hospedagem na capital paraense, que chegam a ser 10 vezes mais altos do que o habitual. Por causa desse fator, o Observatório do Clima alertou que a COP30 corre risco de se tornar a mais excludente da história, já que países pobres e organizações da sociedade civil podem ficar de fora.

Confirmações

Segundo o secretário extraordinário da COP, Valter Correia, 47 países confirmaram presença com reservas garantidas na rede hoteleira. Até o momento, delegações de 39 países confirmaram reservas na plataforma de hospedagem do governo federal. Outros oito alugaram acomodações por fora — estão neste segundo grupo Egito, Espanha, Portugal, República do Congo, Cingapura, Arábia Saudita, Japão e Noruega. Ainda assim, especialistas alertam que a dificuldade logística afeta a imagem do Brasil no exterior.

Para o cientista político Leonardo Paz Neves, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a escolha de Belém tem forte simbolismo, mas apresenta limitações. “A imagem negativa veio da má escolha de uma cidade sem rede hoteleira e infraestrutura para um evento desse porte. O Brasil perde capital diplomático com isso”, lamenta.

Ele observa, porém, que a escolha da capital paraense é estratégica. “O presidente Lula escolheu Belém para elevar o perfil do Brasil no debate climático. A ideia era mostrar compromisso após o retrocesso no governo Bolsonaro. Foi interessante no discurso, mas, agora, enfrenta consequências práticas”, afirmou.

Leonardo ressalta, ainda, que o afastamento de países do Sul Global enfraquece o papel do Brasil como ponte entre nações ricas e pobres. “Ter delegações menos representadas gera disparidade nas negociações e facilita decisões rasas”, alerta.

Sara Ribeiro, gerente de Relações Institucionais do Instituto Internacional Arayara, compartilha da preocupação. Para ela, a negativa do governo em subsidiar delegações mais vulneráveis reflete falhas de planejamento.

“Na prática, muitas pessoas estão desistindo de participar pela dificuldade de encontrar acomodações. Entramos com ação contra a superexploração de preços para tentar uma regulação mínima, mas o cenário continua crítico”, adverte.

Segundo Sara, a ausência de representantes da sociedade civil e de comunidades impactadas pela crise climática cria distorções. “Se apenas grandes empresas têm presença garantida, abre-se espaço para lobbies e negociações desequilibradas”, afirma.

A ativista, porém, reconhece a importância simbólica de sediar a COP na Amazônia. “A escolha não foi à toa: é o maior rio, o maior aquífero e uma das maiores florestas tropicais do planeta. Mas exige coerência. Não dá para defender a transição energética e, ao mesmo tempo, abrir novas fronteiras de exploração de petróleo”, frisa, em referência ao teste da Petrobras no Bloco 59. Para ela, esse tipo de contradição coloca em xeque a liderança brasileira. “Como cobrar cortes de emissões de grandes potências se o próprio Brasil aumenta as suas?”, questiona.

Entre especialistas, o clima é de ceticismo sobre avanços significativos em Belém. Leonardo Paz Neves aponta que o cenário internacional é desfavorável.

“Com a guerra na Ucrânia, a retomada do governo Trump, a Europa queimando mais carbono por falta de energia, a expectativa é baixa”, prevê. Sara Ribeiro concorda: “Uma coisa é assinar cartas como a de Belém; outra é colocar em prática. Se nem conseguimos consenso sobre termos como ‘transição energética justa’, como avançar no mundo real?”, desconfia.

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense      

Foto:  Marcelo Camargo/Agência Brasil

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp