A crise institucional deflagrada pela ocupação do plenário da Câmara dos Deputados segue produzindo embates, uma vez que 14 parlamentares foram notificados pela Corregedoria da Casa e podem ser suspensos, mas o motim foi maior e os acusados questionam critérios.
Na primeira semana da volta dos trabalhos dos Legislativo, os deputados da oposição tomaram a Mesa Diretora da Casa por mais de 30 horas para pressionar a análise de pautas, como a anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro e o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A disputa pelo enquadramento político e disciplinar os envolvidos segue em marcha lenta.Play Video
A Corregedoria da Câmara, chefiada pelo deputado Diego Coronel (PSD-BA), começou a notificar os parlamentares envolvidos na quarta-feira (13). Após isso, a defesa de cada um ganhou cinco dias úteis para analisar a representação. Com as defesas apresentadas, o corregedor poderá enviar um parecer à Mesa Diretora, composta por sete membros. Caso quatro integrantes concordem com a recomendação, o processo segue para o Conselho de Ética.
O regimento prevê que, em casos de suspensão do mandato, a análise do relator no colegiado deve ocorrer em até três dias úteis havendo dois ritos que podem ser seguidos: o sumário ou o ordinário, que estende os prazos para até 45 dias de análise e sem limite claro para deliberação no Conselho. Entre os denunciados, estão 12 deputados do PL, um do PP e um do Novo — todos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A maioria é acusada de obstrução física à Mesa Diretora, uso de estratégias de tumulto no plenário e nas comissões, incitação a pautas que não constavam da ordem do dia.
“Foi um ato desesperado”, justificou o deputado Marco Feliciano (PL-SP), um dos denunciados. Para ele, o critério na escolha dos nomes enviados à Corregedoria não foi explicado. O líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS), e o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), articulam uma defesa conjunta, de acordo com o deputado paulista. “Quando for para apresentar a nossa defesa, nós vamos fazer uma defesa única e vamos colocar o nome de todos os deputados que participaram não só os 14, são quase 100 deputados. E aí fica a critério desta Casa. Vão afastar a oposição inteira?”, questionou Feliciano, em entrevista ao Correio.
Na terça-feira (12), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pediu “serenidade” ao Coronel na condução do processo. O corregedor, por sua vez, indicou que ouvirá as defesas antes de emitir pareceres, o que aponta para a adoção do rito ordinário.
Essa decisão pode adiar por meses qualquer deliberação concreta, como aponta a deputada Maria do Rosário (PT-RS), integrante do Conselho de Ética. “Seria mais adequado utilizar o afastamento sumário, como já prevê a resolução da Casa”, disse. Ela teme que a demora leve “à impunidade que impediu o funcionamento do parlamento”, indicando que a ação dos parlamentares “é um incentivo para que eles continuem agindo dessa forma […] é uma continuidade do 8 de Janeiro”, acrescentou.
Precedentes
O artigo 5º do Código de Ética da Câmara, no seu inciso 1º estabelece que é contra o decoro parlamentar “perturbar a ordem das sessões” — exatamente o que as imagens do motim registram. Mas a história recente do Congresso mostra que a obstrução física e simbólica não é exclusiva da direita.
Em 2017, quando senadoras do PT e do PCdoB ocuparam a Mesa do Senado para protestar contra a reforma trabalhista proposta pelo governo Michel Temer. Outro momento de tensão ocorreu em 2016, quando parlamentares da base da então presidente Dilma Rousseff, PT, PCdoB, PSol, foram à Mesa da Câmara em protesto contra o impeachment, mas se retiraram pacificamente ao início da sessão.
Apesar disso, o deputado Henrique Vieira (PSol-RJ) alega que, ao contrário do que ocorreu no motim recente, as manifestações anteriores não configuraram sequestro institucional da presidência da Casa nem geraram paralisação total dos trabalhos. Para ele, as comparações “não são justas”. “Não foi obstrução. Foi impedir o exercício do trabalho parlamentar. Isso é antidemocrático”, disse ao Correio.
O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), líder da legenda na Câmara, também ouvido pela reportagem, foi um dos que mais demonstrou resistência para se levantar da cadeira de Motta. Na avaliação dele, há uma tentativa de “calar oposição” por meio do Conselho de Ética. Ao ver dele, a ação “foi uma obstrução legítima” e acusa o PT de “não tolerar críticas ao governo”. A deputada Erika Hilton (PSol-SP), por sua vez, demonstrou preocupação com o possível “esquecimento do episódio pela sociedade” e pela própria Câmara. Para ela, o “ritmo lento” da Corregedoria e a demora na aplicação de sanções podem levar ao esvaziamento político do caso. “Daqui a 45 dias, nós não vamos estar falando sobre isso, as pessoas não vão se lembrar da gravidade que foi o sequestro da mesa da Câmara”, afirmou. Hilton teme que a falta de resposta firme abra precedentes para novas ações semelhantes.
Apesar da pressão por celeridade, o presidente do Conselho de Ética, deputado Fábio Schiochet (União-SC), afirmou ao Correio que ainda não recebeu formalmente os casos. “Vamos agir com serenidade e responsabilidade. Assim que os processos chegarem, designaremos relatores e seguiremos o rito”, garantiu.
O desfecho do caso pode ter repercussões duradouras no equilíbrio de forças do Congresso. Se confirmadas as punições com suspensão de mandato, mesmo que temporárias, o campo bolsonarista pode perder vozes decisivas em votações estratégicas até o fim do atual mandato. Projetos de interesse do governo, como reformas tributárias complementares ou o novo marco fiscal, podem se beneficiar.
Do outro lado, caso a maioria dos denunciados se livre de sanções relevantes, a oposição pode se fortalecer com o discurso de “perseguição política”, mobilizando suas bases eleitorais e tensionando ainda mais o processo legislativo.
Nos bastidores, há uma sinalização de que Motta pode propor uma mudança no regimento para punir mais severamente atos de obstrução física — com até seis meses de suspensão e eventual perda de mandato. Ele tenta consolidar sua posição como liderança moderadora. Mas caminha em terreno instável, para alguns parlamentares e para o cientista político Rudá Ricci, doutor e mestre em ciências políticas e sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, Motta saiu enfraquecido por não ter agido com rapidez: “Na política, quem baixa uma vez a cabeça, nunca mais a levanta”.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Reprodução/Congresso