A adultização de crianças — denunciada pelo youtuber Felipe Bressanim Pereira, o Felca, em vídeo que viralizou — uniu esquerda e direita no debate sobre a urgência de garantir a segurança infantil no ambiente digital, mas virou um cabo de guerra sobre as formas como essa proteção será assegurada.
A regulação das redes sociais é vista como solução pelo Planalto, que anunciou o envio de proposta sobre o tema ao Congresso nos próximos dias. Parlamentares bolsonaristas afirmam, porém, que esse é um meio de o governo tentar se apropriar da pauta para censurar a liberdade de expressão nas plataformas digitais. Eles defendem medidas como castração química e aumento de penas para pedófilos.
Em entrevista ao Correio, o líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS), afirmou que o governo, “de forma hipócrita e oportunista”, está utilizando uma pauta extremamente importante para tentar aprovar a regulação das redes.
“Essa é uma pauta que todos nós tratamos com muita atenção e seriedade. Trata-se da proteção das nossas crianças, um tema que exige responsabilidade e compromisso verdadeiro com o bem da nação”, afirmou. “No entanto, os mesmos que recentemente incentivaram atos como a exposição de homens nus em nome da ‘cultura’ e que, em votações, tratam estupradores e pedófilos como vítimas da sociedade, agora tentam se apropriar do debate. Eles se aproveitam do momento de comoção para tentar impor uma censura disfarçada de moralização.” Na avaliação do parlamentar, o endurecimento das leis — e não na regulação das redes — é a saída para combater o problema.
Nesta quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei 2.857/2019, que aumenta em um terço a pena para o crime de aliciamento de crianças e adolescentes por meio da internet (leia reportagem abaixo).
Durante a reunião, a oposição usou o debate para atacar pautas defendidas pela esquerda, como fez o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que criticou a presença de crianças e adolescentes em eventos de movimentos LGBTQIA .
“Vamos falar de adultização, senhores? Agora, vamos pegar no calo deles. Então, vamos ser contra crianças estarem, por exemplo, na parada LGBT, onde se tem um monte de música que sexualiza a criança, gente nua, música promíscua, de baixo calão. Ninguém vai falar disso agora?”, disparou. “O STF está prestes a liberar crianças na parada LGBT. (…) Ninguém aqui está atacando. Eu não estou querendo fazer aqui palanque político, não”, jurou.
Ele acusou a esquerda de “se apropriar” do vídeo de Felca para justificar a regulação das redes sociais. “Na verdade, não estão denunciando nada, porque não fizeram nada contra o problema. Apenas se aproveitaram da sensatez e da popularidade do rapaz para ter uma oportunidade de colocar, de fato, o que querem: a regulamentação das redes. Nem disfarçaram.”
“Expressão de ódio”
A deputada Erika Hilton (PSol-SP) rebateu os ataques de Nikolas à comunidade LGBTQIA . Ela disse que a oposição tenta confundir o debate sobre adultização, misturando temas que não estavam sequer em discussão.
“Como sempre, eles confundem, expressam o seu ódio, sua violência e seu preconceito. Agora, resolveram transformar um tema tão sério em algo que parece novidade. Eu falei ontem no plenário e repito: será que os deputados só descobriram que isso acontece depois do vídeo de um influenciador?”, questionou.
A parlamentar é defensora da regulação das redes sociais. “O que adianta aumentar a pena se não criarmos um ambiente seguro? Se não houver regulamentação das redes, essas coisas vão continuar acontecendo. Não é apenas por meio de penas e punições que vamos resolver. A regulamentação é fundamental para esse controle.”
Já a deputada Maria do Rosário (PT-RS) ressaltou que a oposição quer transformar o tema em disputa política. “Fomos nós que criamos a Lei do Feminicídio, a Lei Maria da Penha e as leis de proteção à infância contra a pedofilia e a pornografia infantil. Enquanto isso, o que eles fizeram foi permitir que as redes sociais se tornassem uma terra sem lei”, sustentou. “Espero sinceramente que não tentem atrapalhar o movimento legítimo que o Brasil está fazendo agora pela regulamentação das redes. Faremos todo o possível para que criminosos sejam identificados e presos. Quem comete crimes sexuais contra crianças deve estar na prisão”, declarou.
Em busca de alternativas para combater a adultização e sexualização de crianças nas redes sociais, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou, na terça-feira, a criação de um grupo de trabalho que apresentará, em 30 dias, uma proposta para garantir a segurança infantil na internet.
Além do GT, uma comissão, com parlamentares e especialistas, se reunirá na quarta-feira, às 9h, para debater o tema no plenário da Casa.
Oitiva de big techs
No Senado, requerimento da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), nesta quarta-feira, convocando uma audiência pública com representantes das principais plataformas digitais que atuam no Brasil.
A audiência, que ainda terá a data definida, deve contar com representantes de Meta, YouTube, Telegram, TikTok e Kwai, além do Ministério Público Federal, Polícia Federal e Defensoria Pública da União. Também está previsto convite ao influenciador Felca.
No requerimento, Eliziane afirma que o material apresentado pelo influenciador “revela, de forma assustadora, o fenômeno da adultização de menores de idade” e que “as acusações mostram não só a fragilidade de jovens expostos inadequadamente, mas também a falta de eficácia das ferramentas de proteção usadas hoje pelas plataformas”.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados